02 – Derrotados
Assim que Rafael desapareceu em direção aos céus e novos anjos ficaram para a escolta, o grupo começou a caminhar, estavam todos exaustos e em virtude disto não progrediram muito, levaram um dia inteiro para retornar a civilização. Compraram passagens para São Paulo e fariam a viagem a noite.
O contingente demoníaco na cidade já voltou ao normal, de fato estavam ali apenas para tomar o portal.
A viagem de volta ocorreu sem problema algum, seus nomes foram colocados na lista de passageiros federais e não tiveram nem que passar por vistoria, apenas “apresentaram”, (Gustavo conjurou credenciais) suas credencias e seguiram viagem.
Ynara voltou para seu vilarejo usando os espelhos do aeroporto, chegou a sua casa exausta e muito abatida.
Andou pela casa selando as passagens, olhou pelo véu e não havia nada de estranho por ali, olhou pela janela e era noite, madrugada na verdade, não havia ninguém perambulando pela aldeia.
Caminhou até um grande baú que ficava no pé de sua cama.
Nameluco, camin Ynara, Nameluco syo Ynara!
Recitou o encantamento de destravamento e o baú se abriu revelando uma porção de utensílios antigos, assim como alguns livros. Tomou um dos livros nas mãos, abriu e foi virando páginas até encontrar o que queria, armadilhas, para demônios, não sabia se funcionava com anjos negros, mas não queria mais visitas inesperadas.
Fez um corte o pulso e realizou os procedimentos necessários, não havia encantamento, apenas o símbolo era feito com o sangue de quem buscava proteção.
Quando fez o corte no pulso percebeu que a tatuagem com o nome de Ravn ainda estava lá, mas o símbolo está diferente do que ela se lembra, tinha algo errado ali.
Ficou tentando entender, Ravn dissera que a marca desapareceria quando um deles morresse, não foi o caso. Não tinha muito o que fazer, estava exausta, deitou-se na cama e dormiu, chorando a morte de sua irmãzinha.
Julius, Gustavo e Kid foram em direção a suas casas, cada qual sendo protegido por um anjo, não tinham muito a dizer um ao outro, foram derrotados e a perda foi grande. Sentiam sua própria incompetência pesando sobre seus ombros, sentiam a morte de entes queridos em suas mãos, sentiam a vergonha da derrota.
Gustavo foi para sua casa, seguido de perto por um grande anjo, digo grande mesmo, quase seis metros de altura. Voava absoluto e destrutivo acima do mago, um tanto triste, mas ainda sim, grandioso e temível.
Sua tristeza não se dava pela perda dos humanos, eles morreram lutando e para um anjo não há morte mais honrosa, mas pela certeza de que seu irmão, Lúcifer o príncipe dos Anjos, irá novamente se levantar contra seu Pai e que neste momento ele será destruído. Não importa quantas eras se passem, quão longe o tempo os leve, o amor e o respeito que os anjos tem pelos arcanjos será sempre inabalável.
Gustavo entrou em casa e deixou-se jogar no sofá, não queria pensar no que perdera, não queria acreditar no que havia visto. A morte de Ravn lhe aplicou um golpe que ele mesmo não esperava que fosse tão forte, sentia-se sem pai novamente, sem alguém com quem contar, alguém para lhe ensinar, alguém para lhe repreender, alguém que realmente se preocupasse com ele...chorou, por horas, apenas as lágrimas correndo silenciosas por sua face.
O dia estava amanhecendo quando deixou o sofá e se dirigiu para a cozinha, sentia o corpo fraco, precisava muito se alimentar, mesmo que não sentisse fome propriamente dita, era mais o bom senso lhe dizendo que devia comer.
Preparou um lanche qualquer sem o merecido capricho, comeu devagar enquanto o sol ganhava por completo sua casa e o primeiro dia, com tempo o bastante pra entender tudo o que havia acontecido nos últimos dias, nascia.
Voltou para a sala, apanhou a mochila que havia jogado no chão e estava subindo para seu quarto, a mochila se rasgou e uma pequena caixa caiu no chão, de mais ou menos trinta centímetros, a caixa que Ravn lhe dera na ultima vez que estiveram juntos. Fitou a caixa por alguns instantes lembrando-se de todos os “presentes” que seu mentor já lhe dera, de todas as vezes que salvou sua vida...da ultima vez que salvou sua vida.
Tomou a caixa nas mãos e olhou as inscrições mais uma vez, não conhecia o idioma e tão pouco tivera sorte em abrir a caixa. Curioso, como sempre, tentou mais algumas palavras em diversos idiomas na esperança de abrir a caixa e ia desistindo quando percebeu a presença do grande anjo, estava sentado no chão do lado de fora e colocou apenas a cabeça para dentro da casa.
- É uma escrita antiga, faz tempo que não vejo estes símbolos. – Estendeu as mãos para a caixa que levitou alguns centímetros acima das mãos de Gustavo, sentiu algo estranho dentro dela, algo realmente forte e incomum. – Sugiro que consiga abrir a caixa, não sei o que está preso ai, mas com certeza é forte.
A caixa baixou e ficou mais uma vez parada nas mãos de Gustavo que a olhava com mais interesse.
O que Ravn havia depositado ali? Não parecia grande coisa quando ele lhe entregou o punhal.
- Ainda não tinha tido tempo para dar a devida atenção a isso, vou procurar traduções em minha biblioteca.
- Estarei por perto se precisar. – Nix subiu para o teto da casa e lá ficou, silencioso e absoluto, aguardando um sinal dos céus, aguardando a batalha que decidiria o destino dos homens.
Gustavo atravessou a sala até seu escritório onde livros e mais livros do chão ao teto contendo séculos, talvez milênios de conhecimento. O mago é bem organizado e seus livros são divididos por sessões, foi até a que se destinava a idiomas antigos, runas e hieróglifos de civilizações antigas, deveria ter algo ali que lhe permitisse traduzir o conteúdo da caixa e finalmente abri-la.
Retirou alguns dos livros mais antigos das prateleiras e iniciou o árduo trabalho. Primeiro tinha que conseguir identificar o idioma, depois iniciar a transcrição dos símbolos que poderiam significar frases inteiras e a partir dai iniciar a tradução real da escrita.
Testou o Aramaico, tida como a língua falada por Jesus. Acadiano, língua extinta atualmente, mas que fora falada na Mesopotâmia na antiguidade. Confrontou com o Egípcio Arcaico, língua dos faraós, onde a magia com certeza era muito forte. O Ge´ez falado na antiga Etiópia. Tentou o Etrusco uma língua anterior ao latim no Império Romano. Buscou referencias no Hatita, língua falada milênios antes de Cristo na Ásia Menor. Tentou muitos outros idiomas antigos a que tinha acesso e nada. Voltou-se para o Brasil e tentou as línguas indígenas mortas como o Tupinambá e o Pataxó e nada chegava perto dos símbolos ou da complexidade do idioma que estava gravado na caixa.
Gustavo estava nesta tarefa a pelo menos oito horas, o dia já ia embora quando, exausto, resolveu ir deitar-se.
Deu uma ultima olhada nos livros que espalhara sobre a mesa, cadeira e chão, e fitou a caixa contendo a adaga. Suspirou um tanto frustrado e foi para seu quarto, precisava de descanso, e quando um mago precisa de descanso é coisa de dias dormindo.
Kid chegou a sua casa em Itapecerica da Serra sozinho e triste, como muitas vezes parecia ser o seu destino, sabia que a partir de agora haveriam anjos por perto, evitando ataques demoníacos o que lhe deixava um tanto mais tranqüilo, mas ainda sim desconfortável. Um anjo ficaria com ele e faria sua guarda pessoal, não que sua alma possa ser tomada, mas um anjo negro poderia ferir seu corpo e facilitar o trabalho de outros seres infernais.
A ultima batalha roubou-lhe as forças, viu-se fraco e imponente ante um inimigo, foi obrigado a aceitar ajuda de desconhecidos para sobreviver e não foi capaz de evitar a morte de amigos, pessoas que a tempos haviam lutado a seu lado, pessoas de boa fé que mais uma vez não tiveram ajuda do Deus que tanto servem. Esse pensamento lhe consumia a alma, lhe enchia de fúria, de tristeza e dor.
Sempre se viu assim, destinado a cruzar os séculos sozinho, destinado a ver seus amigos, seus amores, as pessoas que queria bem, morrendo nas mãos de inimigos, ou consumidas pelo tempo.
Tudo isso lhe fazia pensar em apenas uma coisa, em ficar mais forte, em ter o poder necessário para enfrentar todo e qualquer inimigo que se colocasse a sua frente. Sua força e velocidade já eram grande coisa, estava no nível que muitos lupinos jamais chegariam, mas as habilidades mágicas eram fracas, na verdade quase inexistentes. Não conseguia conjurar, não conseguia controlar os elementos e tão pouco tinha conhecimento de como amaldiçoar suas armas para que causem mais estragos em seus oponentes, detestava lutar com armas, mas a ultima batalha mostrou-lhe que este orgulho nada tem de benéfico, em contrário, lhe garantiu uma derrota vergonhosa.
Recostou-se no sofá e ficou ali, tendo pena de si mesmo por algum tempo.
Levantou-se meia hora depois, seguiu até a porta e ativou as chapas defensivas da casa, dirigiu-se ao porão e ativou as defesas ali também enquanto seguia para baixo. Tudo escuro. Transformou-se na sua forma mais feroz e uivou de forma estridente, suas habilidades mágicas eram fracas, mas ficavam um tanto melhores quando transformado.
Queria falar com um velho conhecido, por assim dizer, ao menos sempre ouvira falar dele, um “Shaman” dos filhos de Gaia. Não sabia quanto tempo tinha ao certo para se preparar para a próxima batalha, mas sabia que do jeito que estava não seria de grande ajuda. Buscaria um lugar adequado pra passar esse tempo, e se tudo der certo, com alguém que realmente mudará suas habilidades para sempre.
Deitou-se no chão e “adormeceu”, desta vez não usaria o véu, mas iria em sonho até a presença daquele ser, aquele que pode ser o que quiser.
Assim que entrou em transe, num estado de torpor, viu-se numa grande floresta, em sua forma lupina, farejou o ar. Tratava-se de uma floresta densa e fechada, a lua mal tinha forças para vencer as frondosas copas das árvores, o ar era bastante úmido e mal se via nada ao redor, ao menos se você fosse um humano comum, o que não é o caso.
Estreitou os olhos, que emitiram um brilho marrom, via tudo claramente, cada ser da natureza absorto em suas tarefas de sobrevivência, fitou uma fileira de formigas em seu trabalho de acumular comida, sempre gostou de formigas, organizadas e decididas, não importa quão ruim as coisas estejam, elas sempre seguem em frente.
Uma formiga, particularmente grande, vinha carregando um pequeno pedaço de folha, ela abandonou a fila de formação e veio em direção a Kid, que olhava a cena um tanto curioso, esta formiga foi crescendo enquanto vinha em sua direção, Kid preparou-se para defender-se, a formiga por fim transformou-se num tipo humanoide, um par de pernas, quatro braços, cabeça de formiga com grandes olhos, uma verdadeira piada de mal gosto, mexeu as anteninhas e partiu em ataque furioso.
Enquanto seguia veloz até o lupino ela conjurou um grande escudo para o lado esquerdo, uma lança para a mão direita superior e uma espada para a mão direita inferior, atacou o lupino com tudo que tinha, girando, saltando e deslizando ao redor de Kid, que se defendia como podia, algo lhe dizia que não devia atacar, fosse o que fosse, era mais um teste e de qualquer forma, era apenas um sonho, não haveria de lhe fazer mal, pensou.
Neste momento a formiga parou de atacar abruptamente.
- Acha mesmo que não posso ferir seu corpo só porque é sua mente que está aqui? – Sorriu malicioso – Isso não limita o combate físico para mim, tenha certeza, se eu te matar aqui, nunca mais irá acordar e seu corpo será entregue as larvas e a terra mais uma vez.
Kid rosnou agitado.
- Vamos ver como se sai quando eu ataco.
O Lupino moveu-se veloz, mas antes que chegasse até a formiga ela já havia desaparecido de vista, Kid sentiu o golpe vindo de cima, saltou para a direita mesmo sem ver o golpe, quando aterrissou sentiu novamente o golpe vindo, mas não viu a maldita formiga, virou-se com as mãos a frente na tentativa de parar o golpe, mas a formiga estava do outro lado, ela cravou a espada nas costas do lupino, próximo do ombro desfazendo carne e ossos da clavícula.
Kid ficou tonto e seus joelhos cederam, não era comum sentir tanta dor com apenas um ferimento, mas a dor ficou acima das escalas mais impossíveis de se suportar, antes de tocasse o solo viu o “formigão” a sua frente, sua lança em uma estocada precisa indo em direção a seu coração, o Lupino não tinha tempo ou força para nada, ia morrer, antes mesmo de ter a chance de fazer melhor, mas o ataque parou antes de chegar ao coração, fazendo apenas um buraco no peito de Kid.
- Você não é dos piores, mas acho que a batalha que está por vir é demais para você. Tenha certeza de fazer algo para mudar isso antes do novo combate.
Kid acabara de perceber que estava novamente na forma humana, a espada drenara a transformação.
Tentou olhar para cima e ver a forma humana do ser que lhe derrotara, mas a dor venceu a luta e ele desmaiou. Assim que apagou despertou no porão de sua casa, sangue escorria de suas costas e peito. Dor insuportável dominava todo o corpo. Tentou mover-se, mas seu corpo não respondeu, concentrou-se na cura de seus ferimentos, ficou ali, agonizando por cerca de meia hora até que os ferimentos finalmente foram fechados.
Nunca, em seu quase um milênio de existência, havia passado por isso, nunca foi atacado fisicamente através de um sonho, seu corpo nunca sofreu por conta de um ataque mental, ainda mais a um mundo de distância.
Depois que os ferimentos fecharam-se e ele recuperou um pouco de sua força, transformou-se e novamente entrou em transe, ia tentar mais uma vez, mesmo que isso custasse sua vida.
Julius voltou para casa, viu Krinus num dos cantos e não pensou duas vezes, sacou a espada, cravou no peito do demônio e olhou no fundo de seus olhos.
- Melhor não passar a noite aqui, não respondo por mim.
Krinus estava engasgado com a própria essência, mas forçou-se a falar mesmo assim.
- Acha que isso vai me deter, que isso irá me tirar daqui – cuspiu no rosto de Julius – se me destruir aqui abrirá espaço para uma caçada sem fim pela sua alma, legiões de demônios correndo atrás de você, quer mesmo isso?
Julius respirou fundo algumas vezes, a loucura e a fúria dominando seu corpo e sua mente.
- Não é má ideia.
Tirou a espada do peito de Krinus e deu-lhe um soco que o levou a inconsciência, quase lhe arrancou a cabeça, mas havia regras e não devia desobedecê-las.
Destruir um demônio sem autorização divina, ou sem que seja em legítima defesa, dispara um tipo de aviso, todo demônio foi um dia uma alma comum, cheia de vida e graça divina, e mesmo tomadas por maldade e trevas, ainda há luz, ainda há vida, se esta luz se apaga definitivamente algo não “natural” ocorre.
Uma vez que uma das luzes se apaga, se garante a caça por aquele que a apagou, no geral os anjos não fazem valer esse direito, só o fazem se houver chance de que muitas almas sejam salvas na batalha, se houver chance de salvar os filhos de Deus, humanos fracos e indefesos.
Já os demônios o fazem sempre, toda vez que um demônio é morto fora do campo de batalha, seja de grande escala ou de pequena, eles caçam o responsável, pois a caça pelo responsável no geral garante uma nova alma no inferno que será, em tempo devido, um novo demônio.
Não existe juiz que julgue a causa, uma morte indevida é reconhecida de imediato por todos os anjos da criação, inclusive os Anjos Caídos, são eles que informam aos demônios sobre o ocorrido e garantem que a caça seja feita.
Jogou-se em sua cama e lá ficou, chorando por Shamira e Ravn, grandes amigos que agora, por sua incompetência, estavam mortos.
Ficou ali a noite toda, apenas sentindo falta do chão sob seus pés, sentindo que não estava preparado para o que estava por vir, sentindo-se novamente uma criança, carente de alguém que lhe diga como seguir em frente, lembrou-se de Joel o que lhe fez lembrar de Faustu. Maldito vampiro, levou Joel enquanto ainda estava junto de Ivankovic e agora junto daquele maldito bruxo levou Shamira! A fúria mais uma vez tomando conta de seu coração, enchendo-lhe de ideias de como se divertir com a morte de Faustu, como causar-lhe tamanha dor que ele iria implorar pela morte final!
Quando o dia amanheceu ele pensou em ir até a casa de Gustavo, mas decidiu que era melhor deixá-lo se recuperar primeiro, estava protegido por Nix, não teria grandes problemas. Rafael ainda não retornou dos céus, provavelmente nenhum dos Arcanjos voltaria tão cedo a terra, talvez a exceção fosse Israel que deveria continuar de guarda do mago.
Pensava nessas coisas quando o telefone tocou.
- Alô.
- Julius?
- Sim, eu mesmo. Quem fala?
- Sou eu, Thiago, cara você sumiu duas semanas inteiras, está tudo bem contigo?
Julius caminhava pela casa e no momento em que a pergunta foi feita, passava pelo espelho no guarda-roupas que ficava em seu quarto, seu rosto estava péssimo, olheiras por conta dos dias sem dormir, marcas dos golpes que levara e ainda não estavam completamente curados e ainda estava sujo, dera-se conta de que não tomou banho desde que chegou em casa.
- Não foram meus melhores dias. – Disse - Se quiser cancelar o contrato vou entender, na verdade é até recomendável, estou passando por um probleminha particular e devo ficar “off” por algum tempo.
Julius foi sincero nas palavras, Thiago ficou em silêncio por algum tempo e por fim falou.
- Façamos o seguinte, você fica sem o fixo, quando eu te chamar e você puder responder eu pago pelo serviço prestado, tudo bem pra você?
Julius sorriu, sempre tivera sorte com trabalho, por mais ausente que fosse, seus patrões costumavam dar-lhe sempre uma nova chance.
- Se isso não te incomodar eu aceito. – Respirou fundo e fez a pergunta que não queria – Precisa de mim hoje?
- Na verdade para amanha, se puder, montei um monte de PC´s para uma empresa no Bairro Jardins e acontece que estão com problemas nas máquinas da contabilidade, a rede não está rodando bem, sei lá, eu só vendo, se puder ir até lá amanha seria legal.
- Tudo bem, mande o endereço e o nome do responsável para o meu e-mail que eu dou um pulo lá.
- Perfeito, se cuida cara e tenta não desaparecer.
- Deixa comigo. Até.
Julius desligou o telefone e decidiu ir tomar uma ducha, Krinus estava novamente de pé, no canto da sala, não disse uma única palavra, sentia que não era um bom momento para provocar o Iluminado.
Kid abriu os olhos novamente na floresta fechada, não tinha certeza do local onde estava, nunca soube se era real ou não, só sabia que todos os lupinos tinham uma ligação mística entre si e desde que soubessem o nome de quem procuravam conseguiam se comunicar de alguma forma.
O ser que ele procura tem milênios de existência.
Seu poder é reverenciado por diversas matilhas e seus feitos são cantados a gerações para os novatos, todos devem admirá-lo tanto quanto devem temê-lo. Muitos creem que seja apenas uma lenda, apenas uma história sobre alguém que um dia existiu ou mesmo alguém que jamais existiu, mas Kid sabe a verdade, sabe o verdadeiro nome do Shaman, o primeiro de sua espécie, o filho legítimo da Gaia. Ele tem todos os dons que se pode imaginar e alguns outros que jamais se ousou pensar existir, ele tem o poder para ser o que quiser, quando quiser.
Galford o primeiro a ser um Lobo, o primeiro a ser um Urso, o primeiro a ser uma formiga, na verdade poucos chegaram a tanto, o primeiro a ser um leão, Galford, filho legítimo de Gaia.
Kid desfez a transformação e ficou novamente na forma humana, nu e desarmado, um convite ao diálogo, não era de seu feitio fazer algo assim, mas estava verdadeiramente desesperado.
O Shaman saiu das sombras, um rapaz com pouco mais de vinte anos, aparentemente, cabelos loiros, olhos azuis, corpo ligeiramente magro, bem definido, estava nu também. Ele caminhou sorridente e confiante até ficar perto de Kid, que acabara de se dar conta de que as árvores foram se afastando e criando uma clareira, elas simplesmente retiraram sua raiz do solo e se reafirmaram em outro lugar, reorganizando a floresta. Entraram na clareira, um urso pardo, um tigre, uma águia e uma raposa, todos tinham pelo menos o dobro do porte que deveriam ter, o Urso chegava a ser uma abominação.
Todos olhavam diretamente para Kid, por fim um lobo, grande demais para ser considerado normal, tinha praticamente o porte do urso, entrou na clareira e sentou-se como um bom cão de guarda ao lado de Galford.
Os outros animais ficaram um em cada ponto cardeal, norte, sul, leste e oeste.
- Você tem coragem, achei que tivesse chegado aqui sem saber, mas vejo que está mesmo me procurando.
- Preciso de sua ajuda, sei que não se importa com os problemas dos homens, mas eles precisam de mim e eu não estou em condições de lhes ajudar como sou agora.
- Tem toda razão, eu não me importo. Se era somente isso que queria por aqui, tenha certeza de não voltar, certamente morrerá se o fizer.
Galford deu as costas a Kid, mas antes de dar o primeiro passo virou-se a tempo de ver Kid se ajoelhando.
- Não vim aqui exigir nada, vim aqui como um filho de Gaia, clamando por poder e conhecimento, se bem me lembro cabe aos anciãos a tarefa de ensinar aos jovens.
Kid falava enquanto olhava para baixo, sua natureza lupina urrando em fúria enquanto ele se humilhava perante o primeiro.
Galford estreitou os olhos e aplacou a própria fúria, detestava ser lembrado de suas obrigações.
– Cabe a você, primeiro de nós, ensinar a usar o que Gaia nos deu.
Terminou de falar com dificuldade, conter a fúria e a vontade de partir contra o inimigo era praticamente impossível, mas ele não tinha escolha, era isso ou a morte certa na batalha.
Galford conhecia suas obrigações melhor do que ninguém, era um dos poucos que tinha o poder de falar frente a frente com Gaia e como primeiro de seus filhos teve tempo mais que suficiente para aprender seus ensinamentos.
Os filhos de Gaia modernos não dão muita atenção aos ensinamentos dos anciões, a maioria só conhece a força e a fúria, só conhecem violência e morte, não compreendem a razão de Gaia tê-los criado, não sabem o valor que tem e o verdadeiro papel que devem desempenhar.
Uma das sete ordens de Gaia à seus filhos é a obrigação do ancião. Todo ancião deve ensinar a seus jovens sobre seus dons e sobre suas obrigações, no geral isso se aplica ao próprio Clã, mas em casos específicos, quando o ancião não tem um, ele deve cuidar dos ensinamentos de quem lhe pedir, desde que saiba chegar até ele, o que geralmente é muito difícil de se conseguir, desgarrados se escondem muito bem, e sua idade fica difícil de saber, logo, não se sabe se é ou não um ancião. Poderiam supor que basta perguntar se o cara é ancião ou não, mas a verdade é que essa pergunta normalmente leva a morte do jovem, uma vez que é mais fácil matar do que ensinar.
Galford respirou fundo e por fim falou.
- Não quero me envolver na briga de tapas dos filhos de Deus, Gaia é clara quanto a isso, deixa eles fora do seu caminho e eles farão o mesmo. Não podem tocar nossas almas e é assim que tem que ser. Não importa o que eles escreveram acerca do fim, não importa o que eles pretendem fazer com os homens, a única coisa que importa é manter a casa de Gaia livre e inteira e tenho certeza de que a terra não será consumida por essa briga de moleques.
Galford falou séria e solenemente.
- Faremos um teste contigo, isso será a primeira lição, se sobreviver a isso ai falaremos dos ensinamentos antigos e quanto isso irá lhe custar.
Kid apenas concordou ainda de joelhos.
- Estou no centro da floresta nos arredores do rio Congo, conseguir me achar será o primeiro teste.
Assim que o Shaman terminou de falar, Kid despertou em seu porão. Estava estupidamente fraco, mal conseguiu se arrastar escada acima para deitar em sua cama, aparentemente a noite inteira passou no período em que ele esteve em transe. Foi até sua cama e capotou, pretendia viajar para o Congo no dia seguinte e faria tudo que pudesse para garantir que seria treinado por Galford.
Gustavo despertou no terceiro dia, estava absurdamente faminto, correu até a cozinha, que estava toda revirada e com louça para lavar, mas estava faminto demais para pensar no assunto, só queria comer. Preparou um café da manha para dez pessoas e devorou tudo em questão de minutos, foi a refeição mais deliciosa que jamais provara antes, a fome com certeza ditando o gosto bom de tudo que comia.
Assim que terminou de comer ligou a TV, foi ai que percebeu que passou três dias inteiros dormindo, pegou o celular, mas estava sem bateria, colocou para carregar e virou-se para o telefone fixo, a luz que indicava mensagens na caixa postal estava desligada, aparentemente ninguém lhe procurou.
Recostou-se no sofá organizando as ideias enquanto lembrava-se de tudo o que havia ocorrido nos últimos dias, lembrou-se também de sua nova tarefa, abrir a caixa. Quando estava pensando em voltar para a biblioteca viu a cabeça de Nix novamente para dentro da casa.
- Finalmente despertou, pequeno mago. Achei que seu corpo desistiria dessa vida antes que tivesse força para acordar.
- Sono de beleza, sabe como é.
Nix o encarou pensativo.
- Na verdade não sei do que está falando, é a segunda vez que venho a terra para ficar entre os homens, tenho um posto fixo nos céus, sou da Guarnição de Israel, muito poderoso pra esse mundo, o que vê agora é apenas metade do que realmente represento, Uriel selou metade do meu poder pra eu poder estar aqui.
Gustavo olhou para o anjo, com certeza não queria vê-lo em sua forma original, já era bem estranho ver um celeste de seis metros de altura.
- Em fim, Julius passou por aqui, viu que estava dormindo e não incomodou, ficou um pouco na sua casa, comeu sua comida e foi até a biblioteca, disse que conhece o idioma da caixa, não sabe ler ou falar, mas trata-se do Sumério, diz que reconheceu alguns dos símbolos, tentou traduzir baseado nos que conhecia, mas se deparou com diversos símbolos peculiares, símbolos que ele já viu em feitiços muito antigos cujo significado lhe é desconhecido.
Gustavo soltou uma interjeição de desgosto.
- Comeu minha comida, sério? Que canalha!
O Anjo sorriu.
- Comeu bastante, disse que sua cozinha é muito melhor que a dele, e as guloseimas da geladeira também.
Gustavo desatou a rir.
- Cara pilantra. – Disse Gustavo ainda sorrindo – Sumério hein, mas que droga, nunca encontrei alguém que conheça, ainda mais o original. – Fez uma pausa pensativo – Preciso abrir essa caixa.
- Ya-hel com certeza conhece esse idioma, mas Deus não lhe deixa revelar nada.
- Ya-hel?! O Arcanjo da Sabedoria?
- Sim, nunca pense menos do que isso quer dizer, ele sabe absolutamente tudo sobre tudo o tempo todo.
- Entendo, bom espero conhecer os arcanjos, todos eles, um dia.
- Espero que nunca chegue a isso, ao menos não em vida, a chance de estar em uma coisa boa é quase nula.
Gustavo sorriu, Nix não tinha jeito com as palavras, de fato não ficava muito com os humanos.
Gustavo ficou em silêncio por um tempo, tentava lembrar-se de alguém que talvez conhecesse o bastante, ao menos para abrir a caixa, e a única pessoa que lhe vinha a mente era Ravn.
Esse pensamento o levou a ultima vez que o viu em vida, quando foi até sua loja, antes de colocar o punhal na sacola, ele colocou um pequeno livro, que não estava no pedido e que Gustavo ainda não teve tempo de ler, na verdade sequer o retirou da sacola desde que fora colocado lá, tirou apenas os ingredientes que iria utilizar no preparo de poções para fortalecer o corpo.
O garoto levantou-se de um salto, correu até a parte de cima da casa, foi até a portinhola de acesso ao sótão e a puxou, a ponta da escada ficou visível, puxou a corrente da escada e subiu, lá estava a sacola e dentro dela o livro, foi até lá devagar, depositando toda a esperança na ideia de que aquilo era o que ele precisava, uma forma de traduzir o que estava escrito na caixa. Pegou a sacola e retirou o livro, uma fivela o prendia, desafivelou e abriu. Leu a introdução e antes de terminar lágrimas escorriam pelo rosto.
Olá, meu pequeno idiota.
Se está lendo esta introdução então as duas condições para sua abertura foram cumpridas, primeiro, eu, Ravn, estou morto e segundo, morri na tentativa de salvar sua vida.
Não chore, não há outra forma pela qual eu quisesse morrer, salvo é claro morrer de velhice, está me devendo alguns anos pivete.
Pois bem, este livro lhe permitirá entender boa parte do idioma Sumério, sim, os símbolos na caixa são sumérios, duvido que seja fluente e na verdade duvido que consiga traduzir fielmente mesmo usando este livro.
Eu criei condições para que o livro fosse aberto, e também para que a caixa possa ser aberta, mesmo que consiga traduzir as inscrições na caixa, se não for cumprida a segunda condição não há a menor chance de conseguir abri-la e ela eventualmente se autodestruirá.
A segunda condição para que se abra é que minha essência pronuncie as palavras, ou seja, eu mesmo. Como estou morto isso é impossível, como você bem sabe, mas se tudo correu como eu queria, existem provavelmente quatro pessoas com parte de minha essência impressa em sua pele, quando fiz isso eu fracionei minha existência, minha alma, assim que a pessoa cumprir a tarefa que eu lhe entreguei, mesmo que não saiba que o fiz, minha essência será dissipada e eu estarei finalmente em paz.
Existem apenas quatro pessoas no mundo em quem eu confiaria tal tarefa, Ynara, Senhora dos Ursos, Shamira, Iluminada, Melissa a Bela e Franco a Rocha, formamos um grupo de apoio celeste a séculos atrás, os Peregrinos da Alvorada, são meus irmãos para todos os efeitos, estou “gravado” ao menos em um deles, portanto não importa qual deles pronuncie as palavras, importa apenas que seja um deles.
O punhal é muito especial, irá se desfazer assim que for usado pela primeira vez e todo o conhecimento que eu tinha em vida, mesmo depois que eu o coloquei lá dentro, pois parte de minha alma está presa nele, será transferido para quem for apunhalado. Não será fácil, precisa ser um golpe no coração, leva cerca de trinta segundos para que o punhal se desfaça e durante esse tempo ele ficará preso no coração, se sobreviver a esses trinta segundos, terá o mesmo conhecimento que tenho, mesmo que não tenha as mesmas habilidades e poder, saberá tudo o que sei e isso, para um mago, não tem preço, conhecimento é poder para nós, sabe bem disso.
Não sei dizer onde estão os Peregrinos da Alvorada, não nos falamos a muito tempo, tivemos que nos separar para tentar uma vida mais tranquila, chamávamos muita atenção dos infernais e seres das trevas. Encontre-os e faça o rito, não queria colocar você neste tipo de risco, mas se eu morri em batalha para te salvar, o risco é necessário e bem vindo, tendo em vista o que isso irá lhe garantir.
Por hoje é só, boa sorte garoto.
Obs.: Tenho muito orgulho de você, é como um filho pra mim, quando souber tudo o que eu sei, peço que desculpe-me por meus erros, desconsidere a perversão e compreenda que ficar sozinho nunca será bom para você, verá em breve o que isso fez comigo. Amo você, meu filho postiço!
Gustavo apertou o livro com força enquanto as lagrimas corriam por seu rosto, velho idiota, cuidando dele mesmo depois de morto. Levantou o rosto ainda chorando.
- Obrigado velhote, te devo uma...mais uma na verdade...obrigado.
Julius dormiu tranquilamente, Krinus não o seguiu até o limbo. Despertou com o nascer do sol, deveria estar na empresa para prestar suporte as onze horas da manha, eram seis horas ainda. Levantou-se e foi tomar café. Terminou de limpar a bagunça que deixou na noite anterior e lavou a louça do café da manhã, terminou essas tarefas por volta das sete.
Ainda tinha tempo, ligou para Gustavo, mas ninguém atendeu, ligou para Kid e deu na mesma, deviam estar descansando ainda.
- Estão todos bem.
Um anjo pequeno, aproximadamente a altura de Julius estava na sala, empunhava um machado ao estilo viking, corpo sem cobertura alguma, asas recolhidas as suas costas. Seus olhos eram completamente brancos, sendo impossível dizer com precisão para onde estava olhando, sua pele dava a impressão de ser a superfície de um oceano calmo e sereno, cabelos laranja bem curto. Em contrario a muitos dos angelicais este anjo não carregava consigo uma trombeta. Sion era seu nome.
- Meus irmãos estão cuidando de tudo, Nix nunca sofreu um ataque que não fosse de um arcanjo, Aiol cuida do lupino e eu jamais permitirei que um infernal toque seu corpo, fique tranquilo.
Julius sorriu, era muito confiante o pequeno anjo.
- Em todo caso, vou passar na casa dos dois pra dar uma olhada, ver se querem companhia. – Fez um pausa pensativo – Teve notícias de Rafael?
- Nada. – Limitou-se a responder o anjo.
- Hum. Ok, então estamos de saída, digo, se for mesmo cuidar de mim.
- Que seja.
Julius sorriu enquanto ia se vestir, “Cara chato” pensou ele.
Terminou de se arrumar e foi para a garagem, a moto que Kid lhe emprestou estava lá, esperando sua chance de rasgar as avenidas de São Paulo. De sua casa para a casa de Gustavo foram apenas alguns minutos, pilotava a todo vapor, em menos de meia hora chegou até Embu-Guaçu e cinco minutos depois estava a porta do mago. Nix sobrevoava a casa com olhos bem treinados a procura de inimigos, quando avistou Julius e Sion aterrissou e foi falar com eles.
- Algum problema irmão? - Perguntou dirigindo-se a Sion.
- O iluminado que ver o mago, só isso.
- Ele está dormindo. Depois que chegamos ele ficou tentando abrir uma caixa, por fim o cansaço o venceu e ele foi dormir.
- Isso deve deixá-lo apagado por uns dois dias pelo menos. – Julius foi abrindo a porta e entrando – Ele nem se preocupou em preparar uma defesa. É um moleque mesmo.
Nix se inflamou e uma força espiritual muito poderosa o envolveu.
- Eu estou cuidando do mago, ele não precisa de defesa alguma. – Disse entre dentes.
Julius voltou para fora da casa.
- Existem truques capazes de enganar os anjos da criação, não se esqueça disso, ele deveria ter feito algo.
Os olhos de Nix se estreitaram, mas Sion se colocou entre ele e Julius.
- Ta legal, chega de “marra” vocês dois. Julius está certo, o mago deveria buscar defesas. – Disse olhando para Nix e depois virou-se para Julius – E você, meça suas palavras, somos seres mais poderosos do que a maioria, por isso nos deixaram aqui, Nix pode conter uma legião de inimigos se quiser, não duvide de sua capacidade de batalha.
Julius respirou fundo.
- Não questionei a capacidade de seu irmão, questionei o despreparo de meu irmão, todos nós temos proteção divina, mas ainda sim buscamos defesas que possa dificultar ainda mais uma investida infernal.
- Tanto faz – respondeu Nix – Vou patrulhar.
Nix voltou aos céus e ficou por lá, olhos atentos a tudo a sua volta.
Julius entrou e foi direto ao quarto, Gustavo roncava alto o que indicava um sono tranquilo, voltou ao térreo e ficou sentado no sofá por um tempo. Seu celular estava vibrando.
- Alô.
- Julius, sou eu, Thiago. Tudo bem?
- Tranqüilo chefe, o que manda? Ainda não está na hora de ir para a empresa está?
- Não, de boa, liguei pra falar justamente disso, pode deixar para depois do almoço, estão em reuniões lá e não haverá ninguém pra te dar atenção, pediram pra chegar por volta das quatorze horas, tudo bem pra você?
- Fechado.
- Beleza então, até mais.
- Até.
Desligou o celular e ficou no sofá alguns instantes, eram oito e meia da manha ainda.
- Nix – Disse em voz baixa.
Nix desceu, sua pele com as cores ondulando como um mar em fúria.
- Calma, só quero pedir desculpas, entenda que me preocupo muito com ele, é apenas um garoto ainda.
Nix ficou em silêncio por um tempo, até que sua pele recobrou o tom e estabilidade de um mar belo e calmo.
- Eu compreendo. – Disse por fim. – Do que precisa?
- Você disse que ele estava tentando abrir uma caixa, sabe onde está?
- Está na biblioteca, eu reconheci a escrita de tempos perdidos, mas não sei o que significa. No entanto é possível se perceber que há muito poder nela.
- Beleza, obrigado, vou dar uma olhada.
Julius se colocou de pé, Nix assentiu e voltou aos céus, acompanhado por Sion.
A biblioteca estava mais desorganizada do que geralmente o mago permitia, grossos livros jogados na poltrona de leitura e sobre a mesa de escritório.
Julius identificou a caixa e a tomou nas mãos, pode sentir o poder que vinha dali, reconheceu os símbolos de imediato, mesmo que não conhecesse seu significado, era a escrita dos Sumérios, não as variações que muitos viram com cerca de quatrocentos símbolos, mas a linguagem original com cerca de dois mil símbolos. A língua está morta à quase quatro mil anos, deve haver poucos com o conhecimento necessário para traduzir e interpretar a escrita. Ficou ali tentando ler baseado na lógica e nos poucos símbolos que conhecia, procurou livros que lhe dessem alguma base para tradução, mas não encontrou nada. Quando desistiu de encontrar já era quase meio dia, foi até a cozinha, pegou tudo de gostoso que encontrou e foi preparando, praticamente zerou a geladeira e fez um bom estrago na dispensa. Terminou de comer, deu um sorriso maldoso para a pia cheia de louça e saiu da casa. Sion e Nix vieram a seu encontro.
- Nix, avise o moleque que trata-se do idioma original dos Sumérios, não faço ideia de onde vai encontrar alguém que traduza isso, mas pelo menos já saberá o que procurar.
- Eu o aviso. Adeus. – Disse e voltou aos céus.
Julius ficou olhando o anjo titânico subir aos céus.
- Carinha trabalhador não é mesmo?! – Disse em tom animado.
- Ele seria um dos generais se quisesse, tem mais poder do que um anjo comum geralmente tem. – Sion também olhava o anjo enquanto subiu aos céus para sua vigília. – É um pé no saco na verdade, trabalha demais. – Disse por fim.
Julius sorriu e encarou Sion por um tempo.
- Faz muito tempo que está na terra, não é?
- Sim, centenas de anos sem ver o palácio celeste. – Disse um tanto deprimido – Mas a verdade é que gosto da tarefa que meu capitão me deu.
- E qual é a tarefa?
- Sou um assassino celeste. Quando um anjo negro ou um demônio quebra as regras podemos invocar o direito de vingança, isso geralmente leva a uma luta entre muitos celestes e infernais, mas não quando sou eu a vingar. Eu chego, toma a essência do infernal e vou embora, não envolvo ninguém além de meu alvo, isso evita lutas desnecessárias.
Julius olhou com espanto, não sabia que havia assassinos profissionais nos céus.
- Bom, preciso trabalhar, já está na hora de ganhar uma grana.
Julius subiu na moto e seguiu em direção aos Jardins, Zona Sul de São Paulo. Tinha trabalho de verdade a fazer.