16 – Reunião Macabra

 

Nos últimos dias Faustu manteve uma vida praticamente humana, encontrou-se todas as noites durante uma semana e meia com Ângela, sempre indo a restaurantes chiques, baladas indescritíveis e motéis luxuosos. Fora de fato uma semana mais do que agitada para um vampiro ancião, no geral ficavam em suas tocas jogando seus jogos de poder contra outros de sua espécie.

Na noite anterior, Ângela, sua Ângela, num dos poucos momentos em que mais falavam do que agiam, ela lhe confidenciou preocupação com seu irmão, que não dava noticias à quatro dias. Explicou que não era do feitio dele sumir por tanto tempo sem dar noticias, no geral procurava “piriguetes” de baladas pra se esbaldar e ficava off por algum tempo, mas sempre deixava sua localização disponível para Ângela e caso ela ligasse ele de pronto a atendia, todavia não estava agindo assim dessa vez, ela já havia ligado diversas vezes e não tivera resposta, nem retorno. Faustu fingiu interesse e preocupação e confortou a garota.

Estava hospedado no Estanplaza Paulista, um hotel de luxo na região dos Jardins, passava o dia ali e toda noite ia ver Ângela. Avalon ficou de retornar com informações e ele estava monitorando Eidi, mas até o momento não conseguiu informação alguma sobre o que se seguiria nessa batalha ou qual o motivo dela.

Despertou assim que o sol se pôs. Levantou-se e foi até o guarda roupas, escolheu uma calça jeans tradicional, uma camisa de meia manga listrada em tons de preto e um sapato estilo esporte fino. Voltou-se para um criado mudo ao lado da cama e abriu a gaveta, retirou um perfume dali, tinha um aspecto antigo o frasco, não um vidro bonito que represente algo antigo, mas sim um vidro saído de épocas longínquas.   Perfumou-se pensando em sua Ângela e recolocou, com cuidado, o frasco no devido lugar.

Saiu do quarto indo para a sala do apartamento, seu criado estava sentado no sofá assistindo televisão, percebeu seu senhor vindo e levantou-se, estendeu o braço e aguardou, Faustu sorveu um bom gole de sangue e empurrou o garoto de volta ao sofá.

- Estarei ocupado por toda a noite, volto antes do amanhecer, fique atento.

O Jovem assentiu e voltou-se para o aparelho de televisão, pegou o controle remoto e fixou num canal que mostrava as câmeras de segurança do prédio. O Ancião olhou mais uma vez para o garoto, tinha por volta de dezessete anos, magro e um tanto acabado, mas ali estava ele, seguindo as ordens de Faustu ao pé da letra, sem reclamar dava seu sangue, nunca resmungava dos maus tratos e nunca deixava tarefas que o vampiro lhe dava em aberto, era de fato um servo fiel, Faustu suspirou pensando se deveria transformá-lo logo ou se desfazer dele.

Dirigiu-se a saída do apartamento, passando pelo corredor pegou as chaves da moto num aparato feito de ferro e pintado de forma a lembrar cobre, pendurado numa das paredes do corredor, passou e fechou a pesada porta de carvalho seguindo para o átrio do andar em que estava. Acionou o botão do elevador e aguardou, assim que chegou e abriu as portas ele entrou e pressionou o botão do subsolo. Chegando lá, foi até sua moto, deu partida e deixou o prédio para trás, pretendia pressionar Eidi antes de se encontrar com Ângela.

Cortou as avenidas seguindo em direção ao centro, estava perto dali então levou pouco mais de dez minutos. Chegou ao mesmo bar onde tivera o ultimo encontro com o vampiro oriental e entrou, desceu pela escadaria e chegou ao recanto das bestas da noite. O lugar estava bem movimentado hoje, ele estendeu sua percepção mental e sentidos ao máximo, mas a quantidade de seres das trevas o impedia de ter certeza de que Eidi estava ali ou não.

Eidi já não tinha noticias de Julius há uma semana e Faustu, apesar de sempre dar uma passada pelo centro, não o havia incomodado mais. Decidiu então voltar à rotina, foi ao bar onde os amaldiçoados se amontoam para bagunçar um pouco acompanhado por Sukah, sua cria, ela andava meio dispersa, sentia atração descomunal por um humano que estava trabalhando em uma loja no mesmo andar que ela trabalhava.

Um garoto um tanto magricela, branco e de olhos verdes. Sukah dizia com frequência, nas longas horas em que se dedicava a admirar o rapaz que “O Amor tem olhos verdes”. Ela já se assegurara de saber tudo o que podia sobre o cara, ele era um humano comum, apenas mais um que poderia perecer a qualquer momento, já tivera longas conversas com Eidi e foi instruída a esquecer, deixar de lado, não desejava dar ao humano chamado Pedro o mesmo destino que havia recebido.

Estavam sentados no lugar de costume quando avistaram Faustu se aproximando, olhava para eles sem qualquer sinal de querer briga, estava apenas caminhando, o vampiro ancião sentou-se ao lado de Sukah que não moveu um músculo sequer.

- Tem algo pra mim mercador? – Faustu ignorava por completo a presença da vampira.

- Nada ainda, ninguém mais veio me procurar, na verdade estou até um tanto incomodado com isso, muito silêncio, sabe como é, parece aquele momento que precede a tempestade.

Faustu fitou o oriental por um momento e levantou-se.

- Esteja certo de que se estiver mentindo para mim, na verdade se eu desconfiar que está me enganando, causarei tantos problemas quanto eu puder, primeiro vou matar o humano que sua cria tanto quer, depois vou matá-la e então virei até você e você eu não matarei, só obrigarei a beber sangue humano, obrigarei a criar filhos e filhas que serão selvagens e destrutivos e você sentirá a culpa enquanto viver. – Faustu proferiu essas palavras sibilando, não era uma ameaça vazia, era como se já tivesse feito isso na verdade, era como se cada palavra já tivesse sido cumprida enquanto o vampiro falava, não havia a menor chance de escapar daquilo.

Ele deu as costas a Eidi, que o olhava um pouco transtornado, e saiu do salão. Pegou a moto na frente do bar e seguiu para a casa de Ângela, teria mais uma noite de amor com sua amada, nada poderia ser melhor que isso.

Levou vinte minutos para chegar até a casa da garota, tocou a campainha e o portão emitiu um som de descarga elétrica que fez a tranca se abrir. Passou pelo arco do portão e foi direto até a entrada, a garota vinha em sua direção com um grande sorriso no rosto, saltou sobre seu amante com as pernas abertas e o abraçou com força, separou o rosto e beijou com intensidade. Faustu ficou sentindo as emoções da garota em turbilhões, ouvindo o coração acelerado, era simplesmente perfeita.

- Bom te ver também – disse Faustu com um sorriso colocando a garota no chão.

- Estava com saudades e estou muito feliz hoje, consegui falar com meu irmão. – Caminhavam em direção a casa, entrando numa sala de estar enorme. Paredes brancas, detalhes em gesso, iluminação harmoniosa, sofás que mais pareciam “pufs” superdesenvolvidos, lareira e um grande televisor, de pelo menos cinqüenta polegadas, preso a parede. Um lugar muito luxuoso, caminharam até o sofá e se sentaram. – Ele pediu mais uma semana, achei meio estranho, mas não creio que esteja em problemas, sua voz estava tranquila.

- Hum, legal, espero que esteja bem, vamos sair hoje?

- Negativo, hoje ficaremos em minha casa, saímos todas as noites, mas agora já me sinto segura contigo e assim talvez eu consiga ver você saindo para trabalhar - Deu uma piscadela para Faustu.

- Pra mim está ótimo – disse o vampiro com um sorriso no rosto e debruçou-se sobre a garota beijando como um amante ardente. No meio do beijo as luzes falharam e Faustu sentiu que algo ia acontecer, ele expandiu seus poderes psíquicos e fez com que Ângela caísse num estado de transe em que não pudesse sentir nada, estava praticamente inconsciente, deixou a garota no sofá e levantou-se para receber a entidade.

Uma espiral negra e mal cheirosa se formou na parede onde estava a TV e Avalon surgiu em meio à penumbra que caiu sobre a sala, olhava diretamente para Faustu em silêncio, depois olhou para a garota.

- Vampiros, - disse com desdém - sempre me impressiono com o nível de masoquismo emocional a que se submetem, são praticamente mestres na arte de sofrer e o pior é que fazem mal aos outros também, ou melhor, depende do vampiro eu creio. Sabe, se tivessem uma alma para atormentar, teriam muita serventia como demônios. – Fez uma pausa balançando a cabeça em desaprovação, usando de sarcasmo. – Mas em fim, a danação é sua, faça como quiser.

Faustu manteve-se calado, olhar fixo no Anjo Negro a sua frente.

- Tivemos mudanças nos planos, as coisas estão correndo mais rápido do que o esperado e tivemos a confirmação de que o Iluminado tem aliados em batalha, então estamos recrutando ajuda para você. – Enfatizou o máximo possível a palavra ajuda. - Você será assistido por um bruxo e estamos buscando outras criaturas, nosso inimigo tem suporte, nada mais justo que dar suporte a você também.

- Não preciso de ajuda, seja ele iluminado ou não, posso cuidar disso sozinho.

- O nome que conseguiu com o mercador não lhe trouxe lembrança alguma? Julius, O Iluminado, treinado por Joel, foi ele quem caçou e exterminou seu mestre. Ficou procurando por ti por décadas até acreditar que você já havia perecido. É ele quem você enfrentará e já soubemos que ele tem companhia, que ele tem ajuda além dos celestes, não vamos tolerar atrasos e perdas em nossa programação, você terá ajuda, em uma semana estarão prontos, ou ao menos, um deles você irá conhecer, tenho certeza de que será um encontro interessante, esteja pronto. Melhor parar com a brincadeira de vida humana.

Avalon foi embora e em segundos a sala voltou ao normal enquanto Faustu concordava com o nada ao passo que suas lembranças iam se encaixando, quando deixou o covil de seu mestre já sabia que estavam sendo caçados, e quando retornou alguns anos depois o encontrou vazio. Viu que a existência de sua família original havia sido extinguida para todo o sempre, lembrou-se de caçar o algoz de seu mestre por anos a fim e acabou desistindo e seguindo em frente, mas agora que sabia que ele estava vivo não tinha como não ficar ansioso com a batalha.

Com um sorriso demoníaco no rosto ele baixou os olhos e encontrou a face de Ângela, sua expressão se apaziguou, paz tomou conta de sua mente, ele beijou a garota que despertou como se nada tivesse interrompido a ação de beijar seu amante. Passaram a noite ali e meia hora antes de amanhecer o vampiro se retirou, deixando para trás um bilhete apaixonado. Enquanto ia embora pensava sobre o que esteve fazendo, sobre as palavras de Avalon e sobre o que estava sentindo, não sabia o que fazer, não queria deixar Ângela desprotegida, não queria deixá-la para trás na verdade, mas precisava ser feito e ele teria que lidar com isso em breve.

 

 

Ao final do período de tortura, Baal Zelon veio ter com Erik, tomou sua alma pelas mãos e levou de volta ao corpo do jovem, que ainda estava caído no porão, assim que a alma foi depositada de volta no corpo ele despertou, levantou-se e sem dizer uma única palavra a seu Baal seguiu em direção a porta.

- Descanse por uma semana criança, apenas coma e durma, se tentar realizar algum feitiço ou encantamento nesse período, morrerá.

Zelon desapareceu e Erik foi até o quarto, tirou toda a roupa e deitou-se, adormeceu de imediato e passou a ter pesadelos com tudo o que vivera no inferno, todo o sofrimento revivido por sua mente. Esse foi o preço pago pelo conhecimento e poder que agora estava correndo em sua mente e por todo o seu corpo, sentia-se um ser amaldiçoado, sentia a morte dentro de si, mas sentia-se mais forte do que poderia supor ser possível, mais poderoso que tudo que ele já tinha visto. Mas o preço era alto, sentia sua alma contorcendo-se dentro de si, em busca de um alívio que nunca chegava, sentia a desgraça de seus atos apontando-lhe o dedo e declarando-o culpado.

Acordou no dia seguinte ainda muito fraco, ouvindo um celular tocando, ficou em silêncio por um tempo e percebeu que estava no bolso da calça que estava no chão ao lado da cama, estendeu o braço e pegou a calça, com esforço conseguiu pegar o celular e atendeu.

- Alo, Erik falando.

- Erik?!?! Por Deus, onde você está? – Era Ângela, sua irmã.

- To na pegada maninha, semana de retiro, você está bem?

- Eu já estava ligando para a polícia, o porteiro disse que você passou de carro por aqui quatro noites atrás com uma garota e depois ninguém mais te viu, estou acostumada com seus sumiços, mas quatro dias? A empresa tem um monte de coisas pra resolver, o que você tem na cabeça?

- Ta legal, olha, preciso de mais alguns dias, confie em mim, vai ficar tudo numa boa – Ângela resmungou algo e bufou – Valeu maninha, semana que vem estou na ativa, a propósito, que dia é hoje? – o telefone foi desligado do outro lado deixando Erik apenas com o to de ocupado.

O rapaz sorriu olhando para o celular que acabava de desligar-se tendo usado a ultima réstia de bateria, soltou o celular e voltou a dormir. Ficou nessa rotina de dormir e comer por uma semana inteira, mal podia mover-se devido ao desgaste sofrido na viagem de sua alma ao inferno. O corpo de Aléxia começava a exalar um odor ruim de podridão, mas agora que ele estava restabelecido e o prazo informado por Baal Zelon já expirou, poderia dar conta do problema rapidamente.

Desceu até o porão e sentiu a lufada podre ganhar seus pulmões, buscou na memória como conjurar fogo para incinerar o corpo e lembrou-se do encantamento, desenhou a runa no ar, mas ao invés de proferir o encantamento em Latim ele o fez na língua dos infernais. Uma linguagem ameaçadora e mortal, sentia-se praguejando contra o próprio Deus enquanto falava. Assim que terminou de dizer, estendeu as mãos em direção ao corpo da bruxa, o poder do encantamento foi tão grande que o assustou, nas lembranças que adquirira de Aléxia as chamas não tinham tanto poder, o corpo foi consumido por completo em segundos. Erik sorriu satisfeito e voltou para a cozinha, estava faminto, procurou por comida, mas a dispensa estava praticamente zerada, teria de sair para fazer compras.

Concentrou-se por um momento em sua casa, desenhou uma runa no ar e proferiu o encantamento na língua maldita. Abriu os olhos dentro do banheiro, percebeu então que não tomava banho a mais de uma semana, e já que estava ali, foi fazê-lo.

Terminou o banho, pegou uma toalha que estava ali e se secou, foi até o quarto e vestiu uma bermuda e uma camiseta polo, foi até a cozinha e tomou um belo café da manha.

A casa estava bem organizada, havia uma empregada que vinha toda manha, fazia a limpeza e ia embora, agora eram por volta de sete e meia da manha e ela chegaria em breve. Erik estava voltando para o quarto quando sentiu a presença de um ser espiritual, ficou em posição ereta e aguardou, as sombras tomaram conta da sala em que estava e Avalon apareceu.

- Você substituirá a garota!

- Sim meu senhor. - Mantinha os olhos na face de Avalon.

- Não estou lhe perguntando, você não tem opção.

- E eu não estou considerando que tenho opção, estou apenas concordando – Avalon sorriu, o garoto era mais decidido pelo menos.

- Enviarei um outro soldado contigo e talvez alguns mais, este que conhecerá em breve é um ser antigo que será de grande ajuda nas batalhas físicas, ele é um tanto arrogante, mas deixei claro que devem trabalhar juntos. Ele chegará hoje ao anoitecer, quero que se conheçam, ainda há tempo para isso.

- Como quiser, mas sabe que posso me virar sozinho – disse essa ultima parte na língua infernal, Avalon olhou com espanto e sorriu.

- Isso é bom, mas conheço o poder com o qual estarão lidando, precisamos de tudo que conseguirmos. No livro de Liath existem feitiços de proteção contra anjos e também inscrições para bani-los temporariamente, são feitiços fortes que precisam de uma paga alta, prepare-se para usá-los, vejo as sombras angelicais sobre nossas cabeças, não quero falhas.

- Sim, meu senhor.

Desapareceu e deixou Erik sozinho.

Ele foi até o quarto e colocou um terno, teria um dia normal de trabalho antes de seguir nessa viagem maluca ao lado de demônios.

Pegou as chaves do carro e seguiu para a Avenida Paulista, onde a sala da empresa que herdara de seu pai ficava.

Chegou lá por volta das nove da manhã, cumprimentou os porteiros e subiu até a cobertura do prédio, entrou na sala e foi recebido por sua secretária. Uma senhora de uns quarenta anos, ela nem fez questão de argumentar o sumiço, só se preocupou em despejar todas as pendências em cima do chefe, ele esperou a moça sair e começou a trabalhar. Por volta das duas da tarde ele parou para almoçar, sua secretária pediu comida chinesa e ele estava comendo em sua mesa mesmo, dado o volume de problemas pendentes, então o ramal de sua sala tocou.

- Fala Tia Cida.

- Sua irmã está aqui. – Quando ela terminou de dizer isso a porta se escancarou e sua irmã, Ângela, veio em sua direção decidida – Maninha, que bom te ver. – Disse com um sorriso no rosto.

Ela simulou um sorriso e deu-lhe uma bofetada.

- Seu idiota, me deixou sozinha por quase dez dias, está ficando maluco? Eu não dou conta dessa merda toda aqui.

Ele esfregava o rosto e sorria, abraçou a “irmãzinha” com amor e apertou bem forte.

- Estava com saudades

A garota o olhou meio sem jeito, por causa do tapa que lhe aplicara.

- Onde você se meteu? Devia ser uma senhora mulher pra te deixar off por tanto tempo.

- Ela era de matar. - Disse sorrindo - Mas deixa isso pra lá, o que importa é que voltei e estou sempre cuidando de você, está bem?!

Ela assentiu com a cabeça.

- Tenho que te contar, estou saindo com alguém, conheci no Pachá na noite em que você sumiu.

- Cara de balada? Você já fez melhores escolhas.

- Esse cara é diferente. Na dele sabe, e tem um ponto super positivo, não gastei um centavo desde que começamos a sair, já descartei o interesse financeiro. O problema é que ele trabalha muito e mora em outra cidade, só nos vimos à noite até agora.

A mente de Erik, agora conhecedora do mal, trabalhou rápido e ele colocou-se alerta e preocupado, mas disfarçou para não alarmar a irmã.

- E vocês já se viram quantas vezes?

- Acho que todas as noites desde que ficamos pela primeira vez. Por quê?

- Nada, só curiosidade. Melhor conhecer o cara, já faz anos que não tenho que bancar o pap...bom que não tenho que bancar o irmão mais velho super protetor, acho que vou dar um susto nesse cara.

Ela lhe deu um soco no braço e sorriu.

- Tudo bem, ele vem pra minha casa hoje, podemos ir a um restaurante.

- Ou vocês podem ir lá em casa e eu compro pizza?!

- Pizza? Ta maluco? Não vou levar o cara pra comer pizza na sua casa.

- Irmãzinha, você não entende a cabeça de um homem, o sonho de todo homem é ganhar uma pizza. – Deu um sorriso – Leve o cara lá em casa, se ele está saindo contigo e não te deixa pagar nada é porque está acostumado com o que temos, vinte horas está bom pra você?

Ela ficou olhando meio desconfiada da receptividade do irmão, mas por fim concordou, beijou seu rosto e saiu.

Enquanto ela saia o bruxo desenhou uma runa no ar, a runa da besta, queria sentir as fragrâncias como um animal. Inspirou profundamente e sentiu o cheiro de um vampiro, esperou a menina sair e desenhou outra runa no ar, recitou um feitiço para conjurar o livro de Liath, que simplesmente estava sob sua mão ao final do feitiço. Ele sentia como usar a língua dos infernais tornava o feitiço muito mais poderoso, mas também sentia o mal que isso causava, percebeu sua irmã tropeçar do lado de fora do escritório e alguns itens caindo quando sua secretária foi ajudá-la.

Recitou um encantamento e não precisou “pagar” para que o livro se abrisse, colocou sua mão sobre o livro que levou até a pagina de que precisava, feitiços, encantamentos e runas contra vampiros. Pensou por um instante e buscou na memória quantas runas Aléxia podia ativar num dia, ela conseguia ativar oito runas, ele praguejou e buscou no livro uma forma de mudar isso, de aumentar o numero de runas que poderia usar num mesmo dia, o livrou se auto folheou mais uma vez e parou diante de um feitiço poderoso, levava ao todo três horas para se concluir e seria necessário um segundo bruxo ou o demônio com o qual selou o acordo.

Tomou nota dos ingredientes, e memorizou as runas e os feitiços, pegou as chaves do carro e saiu.

- Amanha termino essa bagunça, nona – disse para a secretária – se cuida.

Desceu para o estacionamento, pegou o carro, foi ao centro comprar o que precisava e voltou para casa, queria preparar o ambiente, não ia atacar a toa, mas não pretendia deixar o fulano levar sua irmã, literalmente, para o mau caminho.

Chegou em sua casa por volta das dezessete horas invocou Baal Zelon.

- Baal Zelon, Baal Zelon, Baal Zelon. – Seu senhor surgiu a sua frente.

- Isso é caro meu jovem – Disse Zelon lendo a mente de Erik.

- Não ligo, sinto que isso me será muito útil, se o senhor concordar eu quero começar agora.

- Não temos sangue amaldiçoado aqui.

Neste momento Erik desapareceu e reapareceu em seguida, um garoto de uns quinze anos, magro, face ossuda, cabelos negros, longos e oleosos. O garoto se sobressaltou quando viu Baal Zelon.

- Meu Baal. – Disse assustado – O que o senhor quer de mim?

Zelon olhou para Erik e depois para o garoto.

- Bem vindo Jader, sua hora chegou eu creio. – Jader arregalou os olhos e ia desenhar uma runa no ar quando teve a garganta cortada por Erik, o sangue começo a escorrer, Erik conjurou um jarro e encheu com o sangue do garoto.

- Você é muito decidido garoto – Disse Zelon – Com certeza passaremos muito tempo juntos.

Erik sorriu doentiamente, parecia um demônio.

Zelon mandou Erik deitar-se de costas e sem camisa no chão, pegou o jarro contendo o sangue, ainda quente, de Jader, mergulhava a garra no jarro de sangue e com o sangue tatuava runas e inscrições no corpo de Erik que se debatia, só não gritava porque estava com a mão na boca e a mordia causando grandes cortes. Levaram quase duas horas nesse processo, ao final Zelon e Erik juntos pronunciaram um encantamento, as marcas de cicatrizes transformaram-se em tatuagens comuns, ao todo doze runas e seus respectivos feitiços na língua dos infernais foram gravados no corpo de Erik.

- Isso consome sua vida criança, para não perecer você terá de periódica....

Erik o interrompeu.

- Eu seu, terei de viver do sangue de seres amaldiçoados, a cada duas luas novas eu devo beber isso ou serei consumido pelo poder, porém em troca eu posso usar todas as runas com seu poder máximo.

Zelon sorriu e desapareceu.

Erik deu início aos rituais de proteção da casa, tratava-se de manter o ambiente com uma infusão de ervas que entorpece vampiros, fazendo com que seus movimentos fiquem mais lentos, um feitiço de proteção faria com que o vampiro necessitasse da autorização de quem fez o feitiço para entrar no recinto.

Ia usar os feitiços de fortalecimento, velocidade e quatro elementos, mas isso já fora feito e o preço foi pago, podia usar tudo isso o quando quisesse. Quando terminou de realizar os ritos e feitiços eram quase dezenove horas e trinta minutos, ligou para a pizzaria e pediu que entregasse as pizzas por volta das vinte e trinta. Tomou banho e se vestiu, colocou bermuda jeans folgada e camiseta polo branca, calçou um chinelo e foi para a sala e ficou na sala jogando “Mortal Kombat” para “XBOX360”.

As vinte horas em ponto a campainha tocou, Erik respirou fundo, estava tudo pronto, foi até a porta e abriu, deu de cara com Faustu e sua irmã abraçados.

Ângela soltou seu amante e abraçou seu irmão, ambos ficaram se encarando, ela voltou-se para Faustu que estava com uma expressão enjoada no rosto.

 - Coroa, você está legal? – Disse preocupada.

- Sim estou – disse olhando para Erik que ainda o encarava por trás da irmã.

Erik recuou para dentro da casa chamando pela irmã, ela entrou puxando Faustu pelo braço, mas alguma coisa o travou, Faustu arregalou os olhos. Ele pensou rápido sob olhar desconfiado de Ângela.

- Como assim, gata, a casa é de seu irmão, ele deve me convidar a entrar – Então Faustu falou a mente dele.

– Quem é você?

- Sou novo nisso, só estou garantido que ficaremos com o sangue em nossos corpos.

Erik olhava com uma expressão séria no rosto sem abrir a boca e Ângela olhava de um para o outro.

- Vamos embora Faustu, meu irmão deve estar ficando louco.

- Cama ai maninha, nem me deixa molhar o bico, pode entrar Faustu, “em nome de Avalon, fiquemos em paz”, como dizem os celtas.

Faustu entendeu de imediato que tratava-se do bruxo, um ponto a menos de preocupação, ele era esperto. Cruzou a entrada da porta que perdeu o efeito sobre ele assim que teve sua entrada autorizada, seguiu até Erik e apertou sua mão, enquanto tinham outro diálogo mental.

- Infusão de ervas?

- Sim.

- Sabe que não me pararia para sempre.

- Não precisaria de todo esse tempo, meu objetivo é manter minha irmã em segurança.

- Então temos um objetivo em comum.

Mantiveram o perto de mãos por alguns instantes sem pronunciar uma única palavra.

- Estou ficando com ciúmes – disse Ângela e os dois soltaram as mãos.

- Seu irmão é bonitão, mas não faz o meu tipo.

Todos riram.

A noite prosseguiu tranquila, a pizza chegou e todos comeram, inclusive Faustu, mantendo o disfarce. Mais ou menos a meia noite Faustu foi embora com Ângela, e às três da manha ele retornou para a casa de Erik, tentou entrar direto, mas não conseguiu então apertou a campainha.

- Pode entrar Faustu, o Ancião.

Faustu entrou na casa e não sentiu mais a lufada da infusão de ervas.

- Porque ainda está ativo o circulo de proteção?

- Ficará assim enquanto essa tal batalha durar, não quero ter surpresas se posso evitá-las.

- Entendo, faz muito bem. Não me lembro de ver um bruxo que conhece os escritos de Liath desde meus duzentos anos, achei que os livros estavam perdidos.

- E estavam, este foi recuperado de dentro do Vaticano, foi escondido lá na época da inquisição, quando toda mulher acusada de bruxaria era queimada, tentaram destruir o livro, mas não conseguiram. Foi recuperado na idade média, junto com algumas armas demoníacas muito poderosas.

- Como você pode saber disso, ela é sua irmã de sangue, sinto o cheiro.

- Coisas de bruxos e demônios meu caro, mas isso não vem ao caso. O fato é que hoje sou um cara com poder o bastante para proteger minha irmã, esteja ciente disso.

- Sou um vampiro antigo, ando relaxado perto de sua irmã, não cairei nos truques daquele livro novamente.

Ambos mantiveram o olhar de desafio e mais uma vez o efeito conhecido se deu, e Avalon surgiu das sombras. Olhou para os dois, avaliou a situação e se adiantou.

- Vejo que já fecharam um acordo entre cavalheiros, isso me deixa menos infeliz, assim será mais fácil cumprir a missão e talvez tornar as coisas mais interessantes por aqui.

- Como assim interessantes? – Perguntou Erik.

- Se sobreviverem a essa batalha talvez eu brinde vocês com conhecimento e verdade sobre o que está por vir, por hora é necessário que sigam minhas ordens sem questionar – fez uma pausa e olhou para os dois. – Encontramos algo de valor na floresta amazônica e nos preparamos para tomar de assalto, isso ocorrerá em breve, sabemos que estão em nosso rastro, incluindo o Iluminado que nos atormenta à séculos, é ai que você entra Faustu, quanto ao bruxo servirá de apoio, o iluminado não está sozinho, esta acompanhado de anjos, lupinos e um mago, sozinho Faustu não dá conta – olhou para Faustu com desdém – devem partir hoje, serão nossa linha de frente contra o ataque físico, partam assim que possível.

Desapareceu e a luz retornou ao recinto.

- Sujeitinho legal esse – Disse Erik – Melhor seguir caminho, vou comprar as passagens, tem alguma identidade que possa ser usada?

- Não se preocupe comigo, eu me viro, o que me incomoda é que nenhum de nós ficará aqui. Quem vai cuidar de minha Ângela?

- Sua Ângela? – Disse Erik com um que de diversão, ao que Faustu nada respondeu apenas tentando sustentar alguma dignidade e indiferença no olhar.

- Farei alguns feitiços para ela, assim que amanhecer, então vamos viajar amanha ao anoitecer, faremos um serviço rápido e voltaremos. É isso ou eu fico sem alma e você sem existência e de quebra eles vem molestar minha irmã até ela desejar a morte, forçam ela a vender a alma e tem mais uma nas mãos e ninguém para protegê-la.

Faustu ficou em silêncio, a ideia de deixá-la desprotegida era incompreensivelmente absurda.

- Tudo bem, faremos assim, você faz os feitiços e eu coloco meus lacaios para cuidar das coisas por aqui. São humanos que querem ser transformados, são leais a mim e farão tudo o que puderem para protegê-la caso tenha algum problema.

- Lacaios? Você é estranho cara, não sei o que minha irmã viu em você.

Erik usou o tele transporte para buscar um dos lacaios de Faustu em sua residência, assim que o trouxe Faustu o instruiu e o liberou com uma grande quantidade de dinheiro para passar um tempo na cidade. O bruxo ainda foi até a casa de sua irmã enquanto ela dormia e a cobriu com todos os encantamentos de proteção que conhecia, incluindo alguns em que uma paga era necessária e ele teve que causar um pequeno ferimento em sua irmã, sob efeito de feitiços, e em seguida curar seu ferimento, quando terminou, teoricamente ela era indestrutível, ou melhor ainda, não podia ser encontrada, seja por celeste seja por criaturas da noite.

Voltou para casa e instruiu sua empregada a preparar uma mala para viajar, avisou que tinha um convidado no quarto de hóspedes, que não deveria abrir a porta em hipótese alguma e que todas as janelas deveriam permanecer abertas, a fim de que entrasse bastante luz. Foi ao trabalho e teve um dia normal, sem novidades, para seu descontento a pilha de papéis que precisava de revisão e aprovação havia crescido consideravelmente.

Voltou para sua casa por volta das dezoito, o sol já havia se posto e Faustu estava na sala jogando Vídeo Game, um jogo chamado Devil May Cry, atirava, trocava golpes de espada e matava divertindo-se. Erik ficou na sala por um tempo vendo a diversão do vampiro e por fim foi tomar uma ducha, quando saiu o vampiro já havia desligado o game e estava parado em frente a janela.

- Tem certeza de que os feitiços a manterão segura? – Sua voz era um tanto triste.

- Cara, você está começando a me assustar, quer tanto assim minha irmã? – Faustu baixou os olhos e cerrou os punhos.

- Ela é minha vida, não consigo sequer pensar em algum mal sendo feito a ela sem ter a certeza de que destruirei tudo que estiver envolvido nisso.

- Isso quer dizer que dará a ela a vida que recebeu? – Perguntou Erik em tom de desafio. Faustu virou-se para o bruxo com um olhar furioso.

- Nunca! – Declarou com fervor – Ela é minha vida, pois tem vida nela mesma, jamais tomarei isso dela.

- Quer dizer que em breve você irá abandoná-la?

- Não posso, não consigo pensar nisso também. – Ficou em silêncio alguns instantes – Deixarei que ela decida, sim deixarei, contarei a verdade sobre minha existência, sobre quão terrível posso ser, se ela me permitir ficarei com ela até que envelheça, tenha rugas e morra em idade avançada e o sofrimento eterno pertencerá somente a mim.

Erik avaliou as palavras e a expressão decidida de Faustu e não conseguiu não sentir um pouco de pena do vampiro.

- Espero que sobreviva a esta batalha, tenho certeza de que ela gostará da ideia de ter um sugador de sangue por perto, sempre teve mau gosto quanto aos caras por quem se apaixona.

Disse isso de forma descontraída enquanto pegava a mochila preparada por sua empregada.

- Se for assim mesmo que se sente, saiba que vou gostar de tê-lo por perto morcegão.

Faustu deu um meio sorriso e voltou-se para a janela.

- Que horas é o nosso voo?

- Faltam trinta minutos, vou tele transportar para uma quadra de lá e seguimos a pé.

Faustu o olho espantado, tele transporte era o melhor jeito de ir a algum lugar sem ser notado, mas fazer isso com um acompanhante inapto nesse quesito era cansativo e “caro”.

- Tem certeza que consegue fazer isso Sr. Potter? - Disse Faustu desdenhando.

Erik deu uma gargalhada, era a primeira vez que pensava no assunto, transformara-se num bruxo, assim como o viadinho das estórias teen de Harry Potter.

Parou de rir com lágrimas nos olhos.

- Sim, fica tranqüilo, o preço para as coisas simples foi pago já a algum tempo, não se preocupe com isso.

Erik caminhou até ele e tocou seu braço, no segundo seguinte estavam na rampa de acesso de pedestres no aeroporto de Guarulhos. O bruxo deu uma sacudida na cabeça, tele transporte não era caro quando a runa foi ativada mediante o uso da língua infernal, mas fazer isso na presença de um vampiro era diferente do que as memórias de Aléxia lhe diziam. A mente do vampiro meio que compartilhou informações no processo e Erik teve um vislumbre do “sentimento” que Faustu tinha por Ângela que o deixou mais seguro da relação, pelo menos por hora.

Assim que chegaram a entrada do aeroporto uma fileira de anjos se interpôs entre eles e o hall principal, um dos anjos, com olhar furioso se aproximou ao passo que um Anjo Negro fez o mesmo, ficaram ali, encarando-se até que Faustu passou por dentro de ambos puxando Erik pelo braço.

- O que está rolando? - Perguntou Erik.

- Se os anjos tem certeza de que algo será feito durante o voo, procuram uma forma de impedir que embarque, disparam alarmes, chamam humanos sensitivos e causam transtorno, é um saco, os dois ali estavam em uma discussão sobre os direitos que temos de passar creio eu, mas em fim, não podem nos impedir diretamente, só precisamos seguir em frente.

- Bom saber, Aléxia tinha medo dos anjos, posso sentir, ela os evitava, creio que seja por causa da educação religiosa que tivera, conhecia seu destino.

- Quem é essa? - Perguntou Faustu sem muito interesse, apenas mantendo uma conversa amigável com o cunhado.

- É complicado, explico outra hora.

Faustu nem insistiu. Fizeram os procedimentos de embarque sem dificuldades e logo estavam acomodados no avião que os levaria a Manaus. De lá ainda teriam um pequeno caminho a seguir escoltados por demônios, e teriam de viajar a noite, devido à condição de Faustu.

O voo seguiu normalmente, sem surpresa alguma, desembarcaram e logo de cara foram recebidos por um demônio, dentre os milhares que ali estavam, foram informados de que o grupo celeste chegou um dia antes e deveriam se apressar, já haviam humanos dominados por demônios prontos a levá-los onde fosse necessário.

Conseguiram um caixão para Faustu a fim de chegar aos limites da floresta ainda naquela tarde e assim o fizeram, embrenharam-se mata a dentro, os demônios abandonaram os corpos na margem do rio, Faustu se alimentou deles e seguiram viagem.

Na noite em que chegaram à floresta e iniciaram a jornada a pé tiveram uma grande surpresa, um abalo monstruoso no véu, os demônios partiram acelerados na direção do evento, Erik apenas desejou usar os dons e todos eles se ativaram de imediato, sem proferir encantamentos, sem desenhar runas sem perder tempo, apenas quis e foi atendido, sentia a força de todos os poderes que lhe foram conferidos, sentiu os quatro elementos dançando a sua volta, e na verdade era isso mesmo que ocorria, quatro esferas brilhantes, marrom, azul, branca e amarela dançavam em volta de Erik representando Terra, Água, Vento e Fogo. Seguiu Faustu numa corrida desenfreada para alcançar o inimigo.

Seria este o primeiro impasse entre as forças na batalha que se seguia.