15 – Vende-se uma Alma
Aléxia despertou durante a madrugada. Havia dormido logo após o encontro com seu mestre na noite anterior, na verdade no inicio da noite passada. Consultou o relógio que marcava três da manhã, dormiu praticamente trinta e quatro horas direto, estava faminta, mas tinha algo importante a fazer.
Sentou-se na cama e espreguiçou-se, estalando alguns ossos, seios a mostra. Abandonou a cama revelando um corpo nu, simplesmente perfeito, curvas perigosamente excitantes.
Seu quarto era grande e luxuoso, destoava em muito da cozinha e do porão, onde estava mantendo seu convidado. O quarto tinha pelo menos vinte e cinco metros quadrados, exatos cinco metros para cada parede. Estas paredes eram forradas com um bonito papel que lhe empregava um “quê” de realeza, era florido e suas cores eram harmoniosas. O teto, mais alto que o normal, sustentava um grande lustre com dezenas de lâmpadas, sua cama ficava envolta em cortinas de cetim vermelho e sobre a cama ficam diversos travesseiros e almofadas.
A cama fica na parede oposta à porta bem no centro. De cada lado da luxuosa cama havia um criado mudo, na parede a direita fica uma escrivaninha com um grande espelho, ao lado de um guarda roupa onde todas as portas de correr são espelhadas. A parede a esquerda comporta uma mesa de computador e uma nova porta, que quando aberta, revela um grande “closet”. A frente da cama fica um grande “hack” com um televisor de cinqüenta polegadas e alguns aparatos eletrônicos.
A bruxa foi até o closet e procurou por uma roupa, vestiu uma grande túnica de um pano grosso, coberta de inscrições em latim, essas inscrições ficavam em volta de um grande pentagrama desenhado em sangue na região do ventre da mulher e nas costas bem no centro.
Aléxia mordeu o próprio dedo fazendo com que saísse um pouco de sangue, desenhou uma cruz invertida sobre a túnica, saindo do centro do pentagrama e terminando entre seus seios, estancou o sangue lambendo o ferimento e deixando o dedo como novo e deixou o quarto seguindo em direção ao porão.
Assim que adentrou no recinto, recitou um feitiço conjuratório que fez com que chamas emergissem do nada e iluminassem todo o local. Foi até o centro e com a adaga de que dispunha, uma adaga de rituais, desenhou um pentagrama grande, levou cerca de meia hora no trabalho, desenhando diversas inscrições e adornando algumas partes com seu próprio sangue. Quando estava completo era possível sentir a maldade e o poder que continha. Foi até o jovem deitado na cama e deu-lhe um safanão que o fez despertar de uma vez.
- Diga-me seu nome garanhão – ela não esperou pela resposta – Erik, ok então, vamos começar.
Erik olhou nos olhos de Aléxia e viu a encarnação do demônio, sob seus olhos ele via não uma mulher, mas um humanoide mutilado e disforme, ele sentia um poder imenso vindo daquele ser, sentia a vontade de matar, vontade de beber sangue, sentia o terror da própria morte. Começou a tremer violentamente, praticamente debatendo-se na cama, buscando liberdade, Aléxia sorriu e com o cabo da adaga acertou o rosto do rapaz que quase ficou inconsciente, fazendo com que seus sentidos não lhe permitissem mais lutar contra as amarras.
A mulher, ainda com a adaga em mãos, cortou a camiseta pólo que cobria o corpo do rapaz, deixando seu peito nu amostra, passou a adaga por seus músculos abdominais e cravou de uma só vez, fazendo com que o mesmo se contraísse por completo, tamanha foi a dor que sentiu. Lagrimas escorreram de seus olhos e sua boca se rasgou, pois o esforço para gritar rompeu os pontos que serviam de mordaça para o rapaz, um grito de dor e medo encheu o ambiente. Aléxia sorria doentia, retirou a adaga do abdômen do rapaz, reclinou o corpo e lambeu a ferida, fazendo com que a mesma se fechasse, cuspiu um pouco do sangue recolhido na face do garoto e foi até o pentagrama.
Com a adaga coberta de sangue ela tingiu alguns pontos do pentagrama com a “Vitae” do jovem, completando assim a primeira parte de seu ritual.
- Por favor, me deixe ir embora, não me faça mal – o garoto chorava desesperadamente, sua boca sangrava muito devido ao rompimento dos pontos e os consequentes cortes que surgiram nos lábios.
- Está perdendo pontos comigo garanhão – disse Aléxia com sarcasmo – se continuar assim não terá serventia para mim e irei apenas matá-lo, não gosto de homens medrosos – Deu uma gargalhada doentia, insana e macabra.
O jovem calou-se, lágrimas ainda correndo de se us olhos. A bruxa recitou um encantamento que manipula a matéria, o lençol envolveu o corpo do rapaz deixando apenas sua face exposta, e prendendo-o de maneira que não pudesse se mover, seu corpo foi suspenso até o teto dando uma cacetada que quebrou seu nariz, e foi jogado de costas sobre o pentagrama bem no centro. Ela entrou no pentagrama e sentou-se sobre o corpo do rapaz de maneira sensual e perversa ao mesmo tempo, então deu início a um ritual dimensional.
“Carnem et sanguinem, animam, in maledictione reputabitur. Per virtutem sanguinis Damnatorum aperire portas inferi circumdederunt me in tenebris”
Chamas vermelhas cercaram os dois e um abalo no véu foi provocado. As luzes, que Aléxia havia conjurado, se desfizeram. O recinto foi impregnado com odor de enxofre, o calor ficou insuportável, o breu tomou conta de tudo e nada podia ser visto além do circulo formado pelas chamas que queimavam ardentemente o pentagrama. Passados alguns segundos as chamas do pentagrama também se extinguiram e uma sala escura e mal cheirosa surgiu.
Nesta sala havia uma mesa de aço com correntes e algemas para as pernas, braços e o pescoço, havia também uma cadeira de aço e nesta a bruxa estava sentada.
A sala tinha cinco paredes formando um pentágono, e um pentagrama igual ao que havia no porão de Aléxia terminava em cada ponta, assim como o circulo fechava-se nas paredes. Em cada parede havia uma porta e todo o recinto estava coberto por runas amaldiçoadas e desenhos de morte, sangue e sofrimento. Num dos cantos entre uma parede e outra estava o jovem, de olhos arregalados, sem nada prendendo-o, olhava para a bruxa com medo e angustia.
- Calma meu querido, eu sou uma pessoa legal, quero te dar uma chance de sair dessa ainda com “vida”.
Fez uma pausa avaliando a situação.
- Vou direto ao ponto, para sair daqui com vida, precisa dos poderes que eu tenho e para ter esses poderes será preciso acordar algo com meu senhor, terá de fazer um acordo com Baal Zelon.
Erik estava obviamente perdido, Aléxia recomeçou a falar.
- Ele não gosta de ser incomodado, então antes de chamá-lo vou dizer o que ele quer, vou dizer o preço de ter o poder que eu tenho, vou dizer o preço de sua vida e este preço é algo pelo qual você nem dá valor, algo que não lhe fará falta alguma em vida, ele quer apenas sua alma. – Fez uma pausa sob o olhar de incompreensão do garoto – É tão complicado entender o que está havendo? Vou matá-lo, mas quero dar a chance de lutar, para isso precisa de poder, simples assim.
Ele nada disse, continuou grudado a parede, estava suando, sangue ainda escorria de sua boca e lagrimas de seus olhos. Aléxia olhou com desprezo, e levantou-se da cadeira.
- Pois bem, se não quer uma chance de vencer eu irei me divertir um pouco – foi até uma das portas e usando sua adaga desenhou uma runa, recitou um encantamento e cuspiu sangue sobre a runa, afastou-se olhando para o rapaz e sentou-se.
A porta onde ela desenhou a runa desapareceu, desfazendo-se em fogo e cinzas, de repente um som forte como o de um rugido monstruoso e agourento se fez ouvir e uma criatura começou a sair de lá. Era um tipo humanoide de touro, andava sobre as patas traseiras tinha o corpo grande, a face era toda de um touro, incluindo os chifres. A pata esquerda era de touro, mas a direita era disforme e havia uma clava embutida nela, os cortes de tal operação eram visíveis, sangue escorria pingando constantemente, com certeza a clava fora inserida no lugar da pata do animal empregando um aspecto desproporcional.
A pata que tem a clava fica sempre ao alcance do chão, os olhos da criatura eram negros.
Olhou para a bruxa e deu um urro, então ela indicou o jovem na parede que agora tremia involuntariamente. A criatura caminhou desengonçada na direção do rapaz, quando estava a seu alcance arriscou um golpe com a clava, o garoto desviou para o lado e evitou o golpe, mas no meio do pulo foi acertado por um violento chute que o levantou no ar e na sequência a clava acertou suas costas jogando contra o chão.
O monstro cravou os chifres nas costas do rapaz, ergueu no ar e levou até a mesa de aço. Abaixou o corpo com violência de maneira que o impacto contra a mesa desprendesse o humano de seus chifres e foi isso que aconteceu. Sangue espirrou em todas as direções, as correntes da mesa ganharam vida, envolveram o jovem e o prenderam, assim como as algemas nos pés, mãos e pescoço.
Com o corpo de Erik todo imobilizado a criatura desferiu novo golpe com a clava afundando toda a musculatura da região abdominal, o garoto gritava como louco enquanto mais golpes potentes eram desferidos no mesmo lugar. Sangue começou a escorrer por sua boca ao passo que seu corpo era dividido ao meio, os gritos cessaram e o garoto desfaleceu, a criatura deixou a sala e chamas surgiram no lugar onde estava a porta.
Aléxia aguardou alguns instantes sorrindo satisfeita e então algo começou a acontecer. O corpo do garoto começou a se refazer e ele despertou, uma dor excruciante tomou conta de sua mente e ele retornou a agonia em gritos, a recuperação do corpo era tão dolorosa quanto os ataques que levaram o corpo aquele estado de completa destruição. Estalos foram ouvidos quando as costelas partidas pelos golpes foram refeitas, a carne tomou conta de seu abdômen e a pele apareceu novamente, cada fase da recuperação foi dolorosa e os gritos confirmavam isso.
Todo o corpo foi recomposto, Erik tremia e suava devido o esforço que fez tentando suportar a recuperação. Aléxia se aproximou com sorriso no rosto.
- Já tinha visto um Belzebu antes? Creio que não, nos tempos atuais eles não saem do inferno, o que me deixa muito mais tranquila na hora de dormir. Este estava sob meu comando, mas quando estão por conta própria, meu garanhão, você não faz ideia de como pode ser tenebroso. Acha que consegue suportar meu poder sem nada nas mãos?
O garoto olhou, agora com ódio para Aléxia.
- Não vou vender minha alma, se quer tanto tire-a você mesma. – Disse isso e cuspiu em seu rosto.
Aléxia limpou o rosto e se afastou, caminhou até a porta a direita de onde havia saído a primeira criatura. Desenhou uma runa distinta da primeira ainda usando sua adaga, mas dessa vez, fez um corte na mão direita, e pressionou o sangue contra a runa.
- Esse é mais caro, mas vale cada gota de sangue – disse isso enquanto ia até a cadeira e sentava-se.
Assim que sentou-se a porta se desfez numa fumaça que misturava escuridão e sangue, de dentro dessa mistura estranha saiu um cão com três cabeças, conhecido como Cérbero, grande e forte, ele teve dificuldade para passar pelo portal, mas assim que passou foi em direção a Aléxia, que continuou calma mesmo mediante o ataque, quando estava quase acertando a bruxa ele estacou.
Sentiu o cheiro no ar e afastou-se, olhou em volta e viu o corpo do rapaz preso a mesa, caminhou lentamente e a cabeça do meio sentiu o cheiro doce do desespero emanando do humano, rosnou agitado. A cabeça da direita deu a primeira mordida engolindo toda a perna direita do rapaz que gritou tanto quanto no ataque do belzebu. Os gritos se prolongaram por um bom tempo, não era apenas a mordida, tinha algo mais ali, sua perna foi arrancada e a carne que sobrara estava em estado de decomposição acelerado a dor era descomunal, era desumano, era infernal.
Passados alguns minutos em gritaria e sofrimento a dor começou a aplacar e neste momento Erik teve a mente invadida por sussurros de agonia, sofrimento e dor de outras pessoas, ainda sentindo o sangue escorrer de sua perna ele tentou entender o que diziam as vozes e para seu terror reconheceu uma delas, tratava-se de sua mãe. O rapaz perdeu os pais ainda cedo, na adolescência, mas tinha certeza de ser a voz de sua mãe, ela gritava sentindo dor.
- Por favor, parem, não aguento mais isso, por favor, deixem-me em paz. – Agora podia ouvir com clareza o grito de sua mãe.
- Seu filhinho está aqui “vagabunda”, acho que deixaremos que veja no que sua mãe se tornou.
- Não, meu filho não. Soltem-no, por favor. – Novos gritos de dor encheram a mente do jovem e tão de repente quanto os sons vieram eles se foram e ele se viu novamente na sala, sua perna amputada e o sangue abandonando seu corpo.
- Mãe – disse o rapaz, a cabeça que mastigava sua perna, rosnou agitado enquanto a engolia.
A cabeça do meio investiu comendo metade de seu tronco, dessa vez não houve grito, a consciência quase o abandonou, a dor era aguda como no primeiro ataque, mas o ataque levou todas as suas forças, sentia o sangue vertendo em grande quantidade pelo buraco que dera lugar a metade de seu corpo. Mais uma vez os gritos de sua mãe encheram sua mente, e dessa vez eram claros desde o início, suplicava que parassem, que a tortura cessasse.
A imagem de sua mãe se formou em sua mente. Uma mulher bonita, morena de cabelos longos e finos, olhos um tanto puxados e corpo bem feito, mas essa imagem deu lugar a uma mulher sofrida, ensanguentada e de corpo nu. Um dos seios fora arrancado e do órgão sexual feminino escorria sangue constantemente, a imagem esfumaçou e sumiu e o garoto fora trazido mais uma vez para a sala, sem resistência alguma e sem se mexer ou falar qualquer coisa.
A cabeça da esquerda deu o ultimo golpe da criatura, arrancando todo o braço direito e parte do rosto do rapaz, dessa vez ele ia morrer, sentia isso. Sua mente foi mais uma vez empurrada para o local onde estava sua mãe e dessa vez ele pode ver o que se passava, sua mãe estava nua, acorrentada a uma cruz em forma de X feita de madeira de maneira que suas pernas ficavam abertas e vez após vez uma criatura horrenda passava por ali e a estuprava, gritos de angustia e dor saiam da boca da mulher e assim que a ela desmaiava, devido a brutalidade da criatura, era açoitada até despertar e tão logo estivesse acordada uma nova fase de estupro e tortura se iniciava, havia uma inscrição na base da cruz que prendia a mulher e dizia, “Aqui está uma mulher Infiel, que sua gana por sexo seja sanada eternamente”.
O Jovem deixou uma lágrima escorrer e quando tentou dizer algo se viu novamente na sala, Cérbero estava deixando o local e assim como ocorreu com a outra porta, chamas selaram a passagem.
O corpo reiniciou o processo de reconstrução, a dor agora foi muito maior, a reconstrução do corpo era bem pior que a restauração, recolocar no lugar nem se comparou a refazer por completo, os gritos ecoavam pela sala ao som das gargalhadas de Aléxia, levou mais tempo também, cerca de dois minutos de dor, angustia e gritos.
- Que mocinha sem vergonha, quer dizer que ela pulava a cerca? – Disse isso e explodiu em gargalhadas, o garoto sabia que era verdade, foi isso que o levou a ficar sem seus pais, pois quando seu pai descobriu que ela estava tendo relações sexuais com outro homem, matou a mulher e depois se suicidou.
- Se você fizer o que digo e me vencer, talvez tenha uma chance de tirar sua mãe desta. O que acha?
- Se tudo o que já ouvi está correto, assim que eu morrer vou vir para cá e nada do que eu fizer poderá tirá-la disso. – A voz do rapaz soou rouca e fraca, a tortura que acabara de receber enfraquecera sua mente e seu corpo, estava exausto – Não vou vender minha alma – disse decidido.
Aléxia sorriu e se aproximou do garoto. Beijou sua boca sob seus protestos e se afastou indo em direção a terceira porta. Desenhou uma nova runa na porta, essa era mais trabalhada e maior também, cravou a adaga em sua perna direita e retirou cravando na porta bem no meio da runa, a adaga brilhou e o sangue que estava na adaga foi drenado pelo símbolo que se tornou vermelho, Aléxia retirou a adaga e se afastou mancando um pouco.
- As vezes eles querem mais do que sangue, querem seus sentimentos, seu conhecimento, sua história, querem armas para usar contra você num momento oportuno e esta adaga retém essas coisas, dei-lhes um pouco de regozijo através de minha dor.
Sentou-se e aguardou. O efeito conhecido se desenvolveu e a porta se desfez por completo, uma espiral como um buraco negro surgiu, gritos ecoaram pela sala e uma criatura disforme saiu dela, a criatura se aproximou do rapaz e tomou a forma de sua mãe, nua, mutilada e ensanguentada. O rapaz tentou libertar-se sem sucesso.
- Calma meu filho, não se preocupe, mamãe está bem, transo todos os dias sem cessar, nem preciso mais dos empregados de seu pai, tenho criaturas das trevas a meu dispor, estou feliz – deu uma gargalhada, seguiu até o garoto e beijou sua boca, quando afastou-se havia se transformado em seu pai.
- Isso não está certo meu filho, não deve beijar os lábios de sua mãe, eles pertencem a mim e somente a mim.
A mente do rapaz foi levada a um lugar completamente diferente de onde estava, tratava-se do escritório de seu pai, a sala de espera que precedia a sala de seu pai estava vazia, o garoto se adiantou e abriu a porta, e lá estava seu pai, sentado em sua cadeira. Um belzebu estava atrás dele e desferia golpes constantemente em suas costas com o chicote que ficava no lugar da pata direita, sangue escorria das costas de seu pai constantemente, formando uma poça que ia até o meio da sala, nessa poça estava a mãe de Erik.
Nua, ela tinha relações sexuais com um ser de forma humana, mas sombria, sem face, sem feições. Tocava todo o seu corpo enquanto o pai do garoto assistia com lágrimas nos olhos, a mulher sentia prazer em cada movimento, transavam sem parar, o garoto queria sair da sala, mas a passagem estava bloqueada.
- Não há saída – disse entre as pancadas que recebia - eu consegui justamente o que queria meu filho, eu tenho sua mãe só para mim, nenhum homem pode tocá-la, essa besta das trevas não permite, agora ela é só minha, já tentei sair daqui, não é possível.
O garoto virou-se para seu pai, que chorava, enquanto sua mãe se deliciava com a criatura a sua frente.
- Mais, eu quero mais, quero mostrar a esse bosta o que eu buscava fora de casa, quero que ele saiba o porquê de eu “precisar” de outros homens, de vários homens, todos os dias.
A mulher terminou a frase entre gemidos. Na base da mesa havia uma inscrição que dizia “Aqui está o homem da casa, aquele que disciplina com ferro com ferro será disciplinado. Aquele que pergunta o óbvio o óbvio recebe em resposta”. A sala se dissolveu e ele estava novamente aprisionado a mesa de aço.
O jovem olhou em volta e viu que Aléxia estava ensandecida, ria como uma louca acompanhada pela irmã do rapaz. Nesse instante ele gritou.
- NÃO!!! Ela não pode estar morta, ela não pode estar aqui. – O desespero nos olhos do garoto superavam em muito qualquer coisa que tinha passado até o momento – Ela está viva, eu sei que está.
- Calma maninho, eu estou bem, por enquanto, mas quem sabe não venho passar um tempinho aqui com você? O que acha? – A criatura voltou a sua forma original, ou seja sem forma, parecia apenas um amontoado de carne pútrida e fedorenta.
Arrastou-se até o garoto pela parte dos pés, assim que o tocou um grito monstruoso escapou por seus lábios, a criatura estava corroendo seu corpo aos poucos, desfazendo pele, músculos, veias e ossos, os gritos mais uma vez encheram o ambiente e ecoaram numa escala de agonia e dor desumanos.
Enquanto a criatura consumia seu corpo, sua mente foi mais uma vez molestada, ele se viu em momentos esquecidos de sua infância. Viu-se chegando em casa, na volta da escola, subindo a escada de entrada, passando pela porta, indo a cozinha saltitante em busca de algo para beliscar e se deparar com a mãe na cozinha fazendo sexo com o motorista da família. A imagem se desfez e uma nova surgiu e ele viu-se chegando de seu primeiro dia de curso de escola técnica, um dia de glória onde se comprovara eficiente o tempo dedicado aos estudos, subiu as escadas e viu seu pai espancando a mãe, que já estava quase inconsciente. A imagem se desfez novamente e se viu retornando ainda do curso da escola técnica, entrou em casa, subiu as escadas chegando ao corredor, ia a seu quarto, mas ouviu alguém choramingando, voltou indo em direção ao quarto da irmã e encontrou seu pai molestando sua irmã. Lembrou-se das lágrimas escorrendo pelo rosto da pequenina que soluçava enquanto seu pai tocava seu corpo, lembrou-se da fúria que tomou seu corpo e da pancada com o mochila que ele deu em seu pai que praguejou caindo de lado, levantou-se e saiu do quarto deixando filho e filha sozinhos.
A imagem se desfez mais uma vez e ele se viu atendendo o telefone, ainda morava na casa dos pais, mas a tempos não falava com nenhum deles, a ligação vinha lhe informar que seu pai matou sua mãe e se suicidou em seguida, lembrou-se da satisfação que sentiu com um pouco de culpa.
A imagem se desfez e dessa vez ele viu a casa de sua irmã, no bairro dos jardins, o portão se abriu, o quintal vazio, olhou em volta procurando por ela e não encontrou, quando seguia em direção a porta de entrada viu que Aléxia estava lá e com ela a criatura disforme.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO
Voltou para a sala, seu corpo fora consumido até a altura do peito, não havia sangue dessa vez, pois uma baba cobria os ferimentos e impedia que o sangue escorresse, olhou para Aléxia com fúria nos olhos.
- Chame seu mestre e faremos um acordo.
Aléxia assentiu, aproximou-se dele, tocou a mesa e as correntes afrouxaram e as algemas se partiram liberando o corpo do jovem, mais uma vez seu corpo foi reconstruído entre gritos e gemidos de dor, mas assim que ficou inteiro deixou a mesa com os olhos na bruxa.
Ela fez um sinal para que ele se colocasse junto dela no centro do pentagrama, ele resistiu um pouco e depois seguiu para lá.
Aléxia recitou o encantamento e a sala foi sumindo aos poucos, as chamas que envolviam o pentagrama reapareceram e depois o porão e lá estavam eles. A bruxa balançou as mãos e o corpo do rapaz foi liberto dos lençóis, Erik colocou-se de pé, ela já estava invocando o demônio, as luzes falharam e a penumbra tomou conta do lugar Zelon surgiu das sombras atrás de Aléxia, e se adiantou, ela por sua vez se colocou de pé.
- Ele está pronto?
- Sim estou – respondeu o jovem.
- Vejo que está decidido, isso será interessante, já sabe meu preço, o que quer em troca?
O garoto caminhou até ficar lado a lado com Aléxia.
- O que eu pedir eu terei?
- Depende do quão sombrio você esteja disposto a ser.
- Se me garantir que minha irmã não será molestada, não existirá limites para o que possa fazer.
Zelon ficou muito interessado, olhou para o garoto como quem olha para um brinquedo novo, Aléxia percebeu o perigo e começou a fazer uma runa, mas já era tarde, o rapaz era bom de briga, tomou a adaga de sua mão, e de baixo para cima cravou entre o queixo e o pescoço, pela extensão da adaga atingiu o cérebro, Aléxia tremeu por alguns instantes e parou de se mover. Erik deixou que ela caísse no chão e cuspiu.
- Quero todo o conhecimento que ela tem – disse isso e retirou a adaga – já sei que essa adaga agora tem o sofrimento e o sangue dela, some isso a minha alma e serei seu servo enquanto eu viver.
Zelon olhava para o corpo inerte de Aléxia sem acreditar, o garoto tivera tanta certeza do que queria que nem piscou enquanto a matava.
- Assim seja – Disse Zelon, pegou a adaga e cravou no peito do rapaz, ele tombou no chão contorcendo-se de dor, segurando a cabeça e gritando, toda a memória de Aléxia passando para ele, todo o conhecimento sendo drenado de seu dono e repassado para o jovem. Zelon foi até o corpo de Aléxia e retirou sua alma que debatia-se furiosamente. O jovem passou pelo menos dez minutos gritando e se debatendo, ao final, retirou a adaga do peito e se levantou.
- Podemos prosseguir com o feitiço?
- Sim, meu jovem, sim. Esteja preparado, a dor de tudo o que sentiu agora nada é se comparado ao sofrimento que está por vir. Será levado a boca de meu mestre e somente um coração sem escrúpulos e egoísta pode suportar a sua presença. Veremos se está pronto para este poder.
Baal Zelon foi até o garoto, passou suas garras por seu corpo retirando um pouco da essência de sua alma, pronunciou algumas palavras na língua sombria, conhecida apenas pelos infernais e um portal se abriu, a alma do garoto se desprendeu do corpo e passou pelo portal.
Do outro lado chegou a uma sala ampla, na verdade, olhando mais atentamente deu-se conta de que tratava-se de uma grande gruta. As paredes eram manchadas de sangue e fogo brotava constantemente do chão em alguns pontos. O teto era alto e ao reparar melhor podia-se ver que haviam ossos esmagados lá, haviam crânios e esqueletos completos forrando todo o teto.
Estava na entrada deste grande salão e do outro lado a mais ou menos cinqüenta metros era possível ver um grande trono feito de ossos e neste grande trono percebia-se um grande ser alado, com asas negras como a noite. Baal Zelon seguiu em passos firmes, seguido de perto pela forma espectral do rapaz, quando estavam a cinco metros de distância do trono foi possível ver a face de Lúcifer, A Estrela da Manha, o rapaz achou estranhou, era um ser magnífico, não entendia como poderia ser um demônio.
- Sim de fato é estranho não é mesmo? Como um ser dotado de tanta divindade pode estar num porão como esse? Faço-me essa pergunta a muitas eras, desde que meu Pai, por orgulho, me retirou de sua presença, mas em fim, são coisas do passado e do por vir, o que quer de mim Erik?
Baal Zelon adiantou-se.
- Como deve sentir, ele selou um acordo comigo, queremos que ele saiba a língua morta, meu senhor. A língua que somente o Arcanjo Sombrio pode ensinar, queremos que seus feitiços deixem de ser arremedos e passem a ser completos.
- O último humano que conseguiu este poder teve de enfrentar a fúria de meu pai – calou-se lembrando-se de Thybério, um dos poucos capazes de rivalizar em poder a Merlin, foram de épocas distintas de fato, mas o poder sombrio que estava neste só foi parado com intervenção divina. - Isso foi divertido. O que ele tem a me oferecer, já que a alma dele já é minha – Lúcifer enfatizou a ultima palavra.
Zelon retirou uma caixa da cintura e estendeu as mãos ajoelhando-se para Lúcifer.
- Ele será marcado pela alma de Aléxia, meu senhor, será responsável por seus erros, parte da culpa lhe cairá. E ainda, tomará parte em meus planos, será responsável também por muitas das almas corrompidas que virão até nós em busca de poder.
Lúcifer tomou a caixa das mãos de Baal Zelon e abriu, um brilho azulado tomou conta do lugar. Lúcifer olhou para Erik e sorriu.
- Pois bem, que assim seja.
Assim que terminou de falar Erik sentiu uma lança atravessar seu corpo espectral de cima pra baixo, cruzando no ombro esquerdo para a perna direita, uma dor aguda tomou conta de tudo e ele perdeu a visão. Sentiu uma nova lança atravessar seu corpo no outro ombro indo ao chão e perdeu a audição, uma lança atravessou-lhe da cabeça saindo pelo reto e ele perdeu o olfato. Ficou ali cravado, tentando se mexer e gritar, então sentiu seu corpo flutuando e foi levado para outro lugar.
- Dois dias terrenos Zelon, esse será o preço, se a alma dele resistir ele voltará para seu corpo, assolado pelas lembranças da tortura, mas também será dotado da língua dos infernais, seus feitiços serão mais poderosos que os de Tybérius ou Merlin e mais destrutivos que os de Liath A Bruxa.
- Meu senhor, dois dias terrenos são equivalentes há cem anos no inferno, ele não resistirá, na melhor das hipóteses se tornará um demônio.
- Então não tenho nada a perder, vá.
Baal Zelon curvou-se ante seu mestre e se retirou.
Erik viu seu corpo sendo carbonizado, esfaqueado, espancado, imagens de sua mãe e seu pai sendo torturados enchiam sua mente constantemente e sem descanso, assim como imagens de sua irmã sendo molestada por demônios enquanto ela lhe pedia ajuda.
Sua vontade de proteger a irmã o impelia a continuar, impelia a não desistir, todos os dias a oferta de desistir do poder lhe era feita, era tudo o que precisava para sair dali, mas ele queria poder, havia sentido e poder de Aléxia, se tivesse isso quando pequeno teria cuidado melhor de sua irmã, seu pai não a teria tocado.
Resistiu em meio a lágrimas e gritos, em meio a sangue e ódio. Resistiu.