09 - O Arcanjo e o Portal
Ana abriu os olhos e fitou o teto de palha por alguns instantes, dormia numa rede um tanto gasta o que deixava o sono bem desconfortável. Respirou fundo e deu uma olhada em volta, viu que o amigo ainda estava dormindo, um sono merecido visto que vinha fazendo sempre o trabalho pesado. Fitou-o por alguns minutos, era realmente um homem muito bonito. Tinha feições másculas e expressão decidida, como se a dúvida nunca lhe tivesse passada pelos olhos. Seu corpo era forte e bem feito, um verdadeiro guerreiro grego aos olhos da menina. Músculos definidos e grandes, um rapaz alto e moreno, aparentava no máximo vinte anos, enquanto ela tinha dezoito.
Ana com pouco mais de um metro e sessenta, era pequenina, porém com curvas perigosas, intensificadas pelo tom jambo da pele e pelos cabelos cacheados. Os olhos puxados lhe empregavam um quê indígena.
Levantou-se e olhou em direção a entrada do local onde estava, a escuridão tomava conta de tudo por ali o que indicava que ainda era madrugada. Perdeu algum tempo olhando em volta. Uma pequena oca no meio de uma floresta. Não haviam móveis, somente as vigas que sustentavam as redes. Instalaram-se ali naquela noite, não tinham para onde ir, ela perdeu boa parte da memória, não lembrava de muita coisa além de seu nome, alguns rostos sem nomes e programas de TV, nada demais, o que importava agora era sobreviver.
Ela e seu amigo haviam despertado na floresta, não sabiam como tinham ido parar ali, só sabiam que estavam juntos, o outro ainda não se lembrava do nome, ainda não sabia quem era, mas ela decidiu chamá-lo de Jack, uma das poucas lembranças que tinha era de um seriado internacional, sentia que gostava bastante. O personagem que melhor se encaixava em seu companheiro era Jack. Um dos personagens mais aclamados pelos fãs, era do tipo "deixa que eu te salvo, vai dar tudo certo" e era exatamente isso que o companheiro vinha fazendo até agora, tentando sair da floresta e deixá-la em segurança.
Haviam encontrado aquele lugar abandonado, as redes estavam gastas, quase desfeitas. Jack disse que a pelo menos um ano ninguém estivera por ali, as únicas marcas de passos eram de ambos. Ana vestia uma calça jeans que estava com vários rasgos devido ao trajeto, uma mini blusa verde escuro, tinha um colar de aparência estranha com pedras coloridas, uma pulseira que seguia a linha do colar e estava de tênis.
Estavam indo em direção ao sul, segundo Jack, procurando por uma estrada, haviam passado por vários rios pequenos, mas nada que chamasse muita atenção, precisavam seguir em linha reta, era a melhor chance que tinham.
Saiu da barraca e olhou em volta, graças a Lua Cheia e ao céu divinamente estrelado era possível ver como se o dia já estivesse chegando, mas sabia que não fosse isso estaria como cega, nada poderia ser visto.
Em volta da cabana estava tudo descampado, uma clareira com raio de pelo menos trinta metros.
A floresta a sua volta era incrível mesmo a noite, havia troncos enormes e antigos com copas frondosas que lhe caiam como um grande chapéu ou uma enorme cabeleira, os sons ouvidos dos animais noturnos, misturado ao coaxar dos sapos, o cricrilar dos grilos e até mesmo o uivo de um lobo solitário era realmente algo fora da realidade.
Ficou alguns minutos sentindo o vento frio noturno, sentindo as sensações da floresta, não era só o vento, tinha algo literalmente vivo naquilo tudo, era possível sentir o gosto das coisas inspirando o ar impregnado de vida. Vagava nessas sensações quando teve a atenção chamada por um ponto de luminosidade avermelhada que se colocava diretamente do outro lado da clareira, em linha reta de onde estava. A curiosidade falou mais alto e Ana estreitou os olhos tentando identificar o que gerava tal brilho, como não conseguia discernir sobre o que era, resolveu conferir de perto, deu um passo na direção da floresta e nesse momento Jack surgiu ao seu lado, olhar firme no mesmo ponto em que ela olhava, o que quer que fosse no limite da clareira, havia sumido.
- Já não te pedi para não sair de perto de mim Ana? Se você sumir eu não sei o que vou fazer.
O rapaz olhava firme para o local onde vira o brilho, não tinha certeza do que era, mas não estava disposto a deixar sua amiga em risco.
- Olha que desse jeito eu me apaixono por ti.
- Não estou brincando, não lembro de nada sobre mim, não sei quem sou, não sei exatamente quem é você, mas de uma coisa eu sei. Sei que se te perder, perco a mim mesmo, perco tudo o que tenho, não faça mais isso.
Terminou de falar e puxou Ana com gentileza pelo braço.
- Ta bom Jack, calma, só estava dando uma olhada em volta, tem mosquito demais não da para dormir sossegada.
- Você reclama demais mocinha. – Disse ele em tom animado. - Vou amarrar sua rede ao lado da minha se você se mexer quero estar do seu lado, agora vamos o sol vai nascer em mais ou menos duas horas.
Voltaram ao centro da cabana, onde estavam dispostas as redes de dormir e Jack procurou uma forma de colocar a rede de Ana ao lado da sua, passados alguns minutos haviam sido armadas de maneira a ficarem realmente juntas, assim que ambos estivessem deitados ficariam unidos no ar.
- Pronto, deite-se primeiro, depois eu me ajeito.
- Tudo bem papai - Disse Ana em tom de zombaria.
Jack riu do tom da menina e olhou seu corpo por completo, a pouca luz que vinha para dentro lhe permitia ver o brilho dos olhos e a silhueta da menina, “Linda” pensou Jack.
- Duvido que seja minha prole, não tenho idade para fazer meus descendentes. - Disse Jack em tom de zombaria.
Ana sorriu e obedeceu, ajeitou-se na rede e aguardou que o outro fizesse o mesmo e a sensação que desfrutou foi de calor, pois apenas o pano da rede e suas roupas separavam seus corpos, ela se aconchegou como pode e procurou adormecer. Jack estava calado, porém acordado. Não sabia que tipo de ligação tinha com a garota ao seu lado, mas a simples ideia de vê-la longe deixava seu coração angustiado, não sabia o nome ao certo, mas julgando pelas diferenças de fisionomia, ela não era sua irmã, nem de longe pareciam ser parentes, ele a amava, não sabia a relação ainda, mas iria descobrir. E com esses pensamentos adormeceu.
O sol estava nascendo quando Jack acordou novamente, sua Ana ainda dormia, levantou-se devagar e foi em direção a porta, precisava sair para conseguir comida, mas seu coração lhe dizia que se deixasse Ana por um único momento sozinha, nunca mais a veria. A luz do sol invadia por completo a oca onde estavam, podia agora ver melhor o espaço que lhes serviu de abrigo esta noite.
Estava um lixo só, se tivessem que enfrentar chuva teriam tido problemas, o telhado quase não existia, não havia janelas, com certeza uma oca indígena que fora abandonada a anos. Olhando bem nos cantos viu que havia pedaços de madeira fina, aproximou-se e verificou que tratava-se de lanças velhas, o tempo já consumira sua força e sua capacidade de matar. Pegou uma delas e essa se desfez em sua mão, mesmo antes de poder analisar com mais cuidado.
Voltou-se para a entrada da oca e deu uma volta na armação, havia algumas arvores frutíferas em volta, diversas frutas cujo nome ele não tinha certeza, mas tinham aparência magnífica e apetitosa. Resolveu esperar Ana despertar para que fossem juntos buscar algo para comer. Voltou para a oca e sentou-se ao seu lado, ficou ali tentando imaginar o que se passava na mente daquela menina, linda menina. Uma madeixa de cabelo escorregou pelo rosto da guria, ele estendeu a sua mão e tocou sua pele, retirou os cabelos do rosto da menina e ficou alguns segundos com a mão ali, sentindo sua pele.
- Acho que já cabia um beijo - Disse Ana fazendo com que Jack se sobressaltasse.
Ana abriu os olhos e sorriu, já fazia três dias que estavam perdidos e essa, tirando as vezes em que ele lhe ajudara a atravessar cachoeiras, escalar morros, ou quando ela quase escorregava e ele estava ao seu lado para lhe dar suporte, era a primeira vez que a tocava voluntariamente, ou pelo menos que ela tenha percebido.
- Desculpe não queria acordá-la - Disse Jack desconsertado.
- Não por isso, preferia ser acordada com um beijo, mas seu carinho já me foi suficiente.
Disse isso olhando direto nos olhos do rapaz, olhos castanhos, profundos, cheios de vida.
- Não se preocupe, vou lembrar-me disso, teremos oportunidades - Fez uma pausa de efeito, enquanto Ana se colocava de pé e olhava fixamente para o rapaz a sua frente.
- Vamos procurar comida, ouço o som de um riacho, mas peixe no café da manha é complicado, temos frutas em volta, assim que comermos algo vamos seguir caminho, precisamos encontrar uma estrada.
Ela aquiesceu e seguiu o rapaz para fora, estava começando a ficar realmente afim do cara, ele transbordava paz, não fosse por isso já teria enlouquecido, perdida na selva, passando fome, sede e frio, mas Jack, seu Jack a estava mantendo viva, mantendo lúcida, mantendo calma.
Assim que saiu da oca um glorioso "Nossa" sai de sua boca, tamanho foi o susto com o que via a sua volta. No dia anterior, quando encontraram a oca, já caia a noite e mesmo com luz da lua não era possível compreender o quão exuberante era a paisagem em volta, arvores frutíferas e coloridas esbanjavam vida, aves tomando as copas das árvores com asas abertas formando verdadeiros chapéus extravagantes.
Um pequeno grupo de tucanos estava em cima de uma árvore próxima, eram absolutamente lindos, um pouco mais a frente havia o que lhe pareciam araras azuis, enormes, simplesmente sem explicação.
Uma das árvores possuía folhas azul avermelhadas, algo que seria visto como uma verdadeira pintura, brilhavam, devido ao orvalho lançado sobre elas pelo sereno noturno. Caminharam calados enquanto ela se maravilhava com tudo a sua volta, com o mundo de cores e vida que lhes circundava, chegaram a orla da floresta, indo direto a uma mangueira, pegaram uma para cada, andaram mais adiante e encontraram bananas, tomaram algumas para levar consigo durante a viagem, precisavam arrumar uma mochila para continuar a viagem, visto que a blusa que estavam usando havia sido levada no dia anterior durante a travessia de uma cachoeira.
Jack parecia pensar a mesma coisa, colocou as frutas que havia pegado no chão e retirou a camisa exibindo um corpo simplesmente perfeito, peitoral grande, músculos fortes, o abdômen não era excessivamente definido, mas permitia que se visse os músculos com facilidade, a pele morena valorizava cada detalhe, Ana não conseguia tirar os olhos do rapaz, não era a primeira vez que o via assim, mas o efeito era sempre o mesmo.
Jack amarrou as mangas da camiseta de forma a fechar-se como um saco, pegou as frutas que estavam no chão e virou-se para a garota.
- Não podemos carregar muita coisa de uma só vez, esse tecido é mais fino que o outro, mas temos que ter sempre um pouco conosco para o caso de não encontrarmos nada pelo caminho - levantou a cabeça a tempo de ver a garota ainda perdida em seu corpo, pigarreou alto.
- Vai ter que cuidar mais de mim daqui para frente tigrão, não da para se concentrar com você assim - Ela era direta.
- Tudo bem, como disse antes, não me vejo sem você.
A garota deu-lhe um sorriso e lhe entregou as frutas que carregava.
Voltaram até a oca, comeram algumas frutas e guardaram o restante na camisa do rapaz. Conversaram sobre o caminho que deveriam tomar e decidiram por procurar o riacho e ver em que direção seguia, caso estivessem indo na mesma direção dariam preferência por se manter ao alcance do mesmo, a fim de ouvir caso um barco a motor passasse por aquelas bandas. Já haviam visto diversos aviões em grande altitude, mas nenhum avião de pequeno porte que indicasse que havia uma pista por perto ou mesmo uma cidade.
Seguiram por entre arvores por alguns minutos guiando-se pelo som das águas de um rio e procurando não se desviar da rota sul baseando-se na posição do sol. O som se intensificou e eles apertaram o passo, não tinham garrafas então ficar perto da água era uma obrigação, mais alguns minutos se passaram e finalmente puderam ver o rio. Era uma visão exuberante, havia uma cachoeira de pelo menos sete metros de altura a coisa de cem metros de onde eles estavam, tinha aproximadamente quatro metros de largura desaguando em uma piscina natural que se formara com o passar dos anos. Tinha coisa de quinze metros de diâmetro, e a saída que permitia ao rio continuar contava com pelo menos seis metros de largura que se estendia após um grande numero de pedras disposta de maneira desorganizada, assim como a natureza planejara. A fauna em volta era colorida e cheia de vida, um cenário realmente cinematográfico.
Ficaram lado a lado por alguns instantes apenas admirando a paisagem. Jack se adiantou e foi em direção a base da cachoeira, tirou as calças e mergulhou, a correnteza em direção a continuação do rio era forte, mas no leito dava para ficar numa boa.
- Venha Ana, refresque-se um pouco, vamos seguir em alguns minutos.
- Não to a fim Jack, parece muito forte e de qualquer forma o gelo que costuma ser cada cachoeira que passamos me deixa desinclinada a aquiescer. – Deu um sorriso pensando em de onde tirara tal texto, por fim completou. - Vamos cruzar a cachoeira ou seguir deste lado mesmo?
Terminou de dizer isso e seu sangue gelou, Jack estava com os olhos fixos nela e uma expressão de terror em seu rosto, olhou em volta tentando entender o que estava causando aquele medo e acabou soltando um grito agudo, a poucos metros dela vinha uma onça pintada correndo como o vento, boca escancarada, olhos fixos nela, a garota estendeu as mãos adiante para se proteger e teve que se sobressaltar quando a figura forte e esguia de Jack se colocou a sua frente, entre ela e a onça. O animal cravou as garras na terra e parou abruptamente. Jack caminhou lentamente, não sabia o que estava fazendo, mas era como se pudesse se comunicar com o animal. A onça abaixou-se por completo enquanto Jack aproximava-se, este estacou, pensando que ela poderia atacar a qualquer instante. Ficaram parados, Jack, Ana e a onça por mais de um minuto, tensão, a onça então se levantou e correu de volta à floresta, Jack virou-se a tempo de segurar Ana, que se atirava em seus braços soluçando e chorando.
- Meu Deus guria, calma, ela se foi e não nos fez mal algum.
Ana não conseguia responder, vira a morte correndo em sua direção e não o animal em si. Encostada ao peito nu do companheiro levantou a cabeça e podia jurar que vira asas as costas do mesmo, se afastou a fim de ver melhor, mas nada estava lá, devia estar ficando louca, pensou consigo mesma. Recostou-se em Jack mais uma vez e esperou as funções de seu corpo se normalizarem, levantou o rosto, deu em breve beijo nos lábios do rapaz e se separou.
- Obrigado, acaba de salvar a minha vida, novamente na verdade, muito obrigado mesmo.
Jack não respondeu, o gosto dos lábios da menina a sua frente o havia deixado inebriado, ele queria mais, queria abraçá-la e beijá-la com força aqui e agora, fechou os olhos, inspirou profundamente por alguns instantes, precisava recuperar a compostura, abriu novamente os olhos e viu que a garota ainda lhe sorria.
- Já lhe disse, não vivo sem você. Agora vamos antes que esse bicho volte, precisamos andar o máximo possível antes do anoitecer, vamos ficar próximos ao rio mesmo, ele deve serpentear por algum tempo, mas esse é de longe o maior que encontramos, pode ser que deságue em um rio maior ou que embarcações sejam encontradas, a chance de encontrarmos alguém será bem maior.
- Jack, como fez aquele bicho parar?
- Não sei, apenas sabia que se ficasse a sua frente ele não ia atacar, não sei de onde tirei isso - Disse sem interesse no assunto.
- Sem essa, você parecia ter ordenado que parasse, como fez aquilo?
- Olha guria, já disse que não sei, bom para nós que ela se assustou, não sei como poderia defende-la contra aquilo, só sei que não consigo sequer imaginar você sendo ferida por alguém, quer seja humano, quer seja animal, quer seja qualquer coisa, agora deixa disso precisamos caminhar.
Pegou a calça no chão pensando no assunto, não lembrava de como havia deixado a água e menos ainda de como chegara tão rápido até sua Ana, só sabia que estava grato pelo animal não ter atacado antes de sua chegada.
Prosseguiam viagem descendo o rio, Jack sentia-se confiante quanto a chance de encontrar um barco ou uma vila de pescadores, esperava recobrar a memória o quanto antes, talvez a civilização lhe permitisse isso.
Caminharam durante a parte da manha, animados com a possibilidade de encontrar pessoas por ali, Jack sentia-se um pouco contrariado agora, pois percebia que o rio estava serpenteando muito, o que fazia com que se levasse mais tempo para percorrer chão.
Quando o sol estava bem alto decidiram parar para comer, encontraram pedras próximas ao rio e Jack se colocou a tentar pegar algum peixe, passados alguns minutos ele havia pego o bastante para os dois comerem agora e levar consigo caso tivessem que seguir pela floresta afastando-se do rio.
- Vou preparar os peixes, vamos comer e seguir viagem, tem alguma coisa errada por aqui, não quero ficar muito tempo no mesmo lugar - Jack olhava em todas as direções, tentando entender o porque de tanta preocupação, sentia como se estivessem sendo seguidos.
∞
Yago se esgueirou por entre as árvores subiu em uma delas e ficou de tocaia, seu parceiro, Will, se adiantou até o limite da clareira, farejou o ar e sentiu o doce cheiro do sangue chegar até ele, grunhiu agitado.
- Finalmente encontramos, a menina está acordada, o outro dorme. Vamos agora.
Deu um passo em direção a cabana e neste momento surgiu das sombras um demônio e se colocou diante do vampiro.
- Calma criança da noite, o ser que defende essa desgraçada perdeu a memória, mas duvido que tenha perdido suas habilidades, chamamos vocês aqui para capturá-la e nos ajudar a derrotar o inimigo, estamos em cinco demônios e dois vampiros, não somos suficientes, como já lhe disse.
Enquanto o demônio falava ouviu-se passos próximo a cabana, dela surgiu uma garota, parou em frente a entrada, deu uma olhada em volta e fixou os olhos na direção do grupo demoníaco que estava em conferencia. Os olhos de Will acenderam-se e mais uma vez um grunhido saiu de sua garganta, flexionou os joelhos a fim de iniciar uma corrida, mas estacou, o rapaz que ainda não fora visto por ele estava em frente a garota, não viu ele se mover, ele simplesmente estava na frente da garota.
O demônio, que a pouco estava a sua frente, havia desaparecido, seu parceiro Yago estava com olhos assustados procurando pelos demônios, mas nada encontraram, Will fez um sinal e ambos seguiram floresta adentro.
Caminharam pela floresta por alguns instantes, estavam famintos e o cheiro de sangue da garota não lhes saia da mente, seu sangue tinha um cheiro delicioso.
- Podem parar por aqui crianças - Disse um dos demônios.
- Porque vocês fugiram, é apenas um inimigo, podemos dar conta.
- Não criança, nós não podemos, nosso numero não é o bastante, se aquilo ainda um milésimo de seu poder, mesmo um exército de vampiros anciãos e uma miríade de demônios seria insuficiente. Isso deve te dar uma ideia do que é aquilo, você é velho o bastante pra conhecer o sobrenatural.
- Pelo medo que sente creio que seja um arcanjo, mas isso só seria possível se aquela garota for um portal, é disso que se trata?
- Isso criança, e o Arcanjo “passou” por ela, ele não a possuiu, ele uniu sua essência com a dela, nunca antes algo assim fora visto, nunca antes um arcanjo desejou ser um humano a ponto de se passar por um. Agora este ser está agindo nos dois planos, é mais perigoso agora do que jamais foi, não por poder tocar o plano físico, isso ele sempre pode, mas ele tem uma ligação com o portal que pode ser nossa ruína, ou a dele. Pelo que vimos, ele não se lembra de quem é, não sabe de seus dons, não conhece sua natureza, se conhecesse já estaríamos mortos.
O demônio terminou a frase e se recostou em uma das árvores mais próximas, outros quatro demônios se uniram ao grupo e ficaram em silencio, fizeram um circulo e ficaram de prontidão, deixando apenas o demônio que falava e os vampiros em seu interior.
- Vamos ficar em volta do acampamento até que os outros cheguem, vamos segui-los durante o dia e voltamos para pegar vocês à noite, eles estão em ritmo de humanos comuns, não precisamos nos apressar, tem uma vila indígena por aqui e temos mais aliados lá, provavelmente na próxima noite já teremos o contingente necessário para empreender contra aquele ser.
Foi a vez de Yago falar
- Se é mesmo um arcanjo, não existe em terra numero suficiente de vocês para sequer distraí-lo, e se ele recobrar sua memória nós não teremos chance.
- Calma criança, não são demônios comuns que vem para cá, são anjos caídos, sabem lidar com arcanjos, sabem enfraquecer suas convicções, sabem fazê-los distrair, eles irão abrir uma brecha para que a menina seja levada, é neste ponto que vocês entram, fique calmo, por hora sua existência não está em risco - Terminou a frase e riu do vampiro a sua frente - Peço que não nos incomode, apenas obedeça, temos que pegar aquela garota com vida, é uma ordem do próprio Lúcifer.
Ficaram em silencio enquanto os vampiros saíram para se alimentar, não gostavam de beber de animais, mas os únicos humanos na região não poderiam ser tocados, sumiram na floresta seguindo o rastro de uma onça. Correram em velocidade alucinante entre árvores, raízes e galhos, era incrível ser um vampiro, a noite não lhes roubava nada da visão, muito pelo contrário parecia que o próprio astro rei os guiava, bastava invocar os olhos da besta e tudo se tornava dia. O dia sim lhes fora roubado, o dia lhes fora tirado a força quando o sangue maldito tocou seu corpo, quando o sangue pútrido chegou a sua garganta.
Seguiram o rastro e encontraram o animal, não era uma luta e sim um abate, a onça não tivera chance alguma contra a dupla, alimentaram-se daquele sangue que aos sentidos dos vampiros era como ração, não tinha a força do sangue humano. Voltaram para onde os demônios estavam, usaram o dom vampiresco que lhes dava maior força e literalmente cavaram suas próprias covas, deitaram e se cobriram, estavam em meio a floresta não precisavam se preocupar com caçadores de vampiros então não havia problemas construir um abrigo precário para se esconder nas horas de sol.
Assim que os vampiros se esconderam o sol se mostrou ao grupo de demônios, um dos menores se aproximou do líder que falava com os vampiros.
- Como faremos a partir daqui Baal Liurf?
- Devemos nos dividir como temos feito enquanto procurávamos o portal, três de vocês vão velar essas crianças e um irá comigo, assim será mais rápido o reencontro do grupo ao anoitecer, Seraf você vem comigo quero que faça um teste para mim.
Um dos demônios se adiantou, fez uma reverencia e se colocou ao lado de Baal Liurf.
- Dominem animais durante o dia caso seja necessário defender os corpos, não podemos ter atrasos, temos que pegar o portal custe o que custar.
O Demônio menor falou novamente.
- Meu Baal, isso quebra o acordo, se formos pegos teremos problemas, devemos mesmo dominar os animais?
- Devia extinguir sua existência agora mesmo pela insubordinação, mas tenho pouco tempo e muito trabalho então vou desconsiderar suas palavras, apenas faça o que lhe digo e talvez eu esqueça suas palavras ao invés de apenas desconsiderá-las.
Terminou de dizer isso e deu um soco de cima para baixo no demônio acertando sua cabeça e fazendo-o cair de joelhos. Sacou a espada com um movimento que não pode ser visto e direcionou a arma ao pescoço do demônio, parando o golpe quando estava a milímetros, forçou a um pouco e produziu um corte superficial.
- Espero que tenha entendido. – disse entre dentes - Vamos Seraf.
Tomaram a direção da oca onde o portal e o arcanjo se encontravam, levaram poucos segundos para atingir o objetivo, pararam entre as arvores e dissiparam ao máximo sua presença a fim de não chamar a atenção do arcanjo.
- Faremos um teste hoje, vamos ver o quão modificado está nosso inimigo, por hora vamos apenas segui-los - Disse Baal Liurf.
- Sim meu Baal, como queira. – Seraf era um demônio comum, mas de um senso de honra insuportável aos olhos dos outros demônios, servia Baal Liurf a séculos e tudo o que o mestre lhe ordenava era cumprido.
Ficaram em silêncio enquanto viam o arcanjo dando a volta na oca olhando a armação e voltando para dentro, passados alguns minutos saíram, pegaram frutas e voltaram para a oca, mais alguns minutos e estavam andando em direção ao rio próximo ao acampamento.
- Seraf, tem uma onça a menos de um quilometro daqui, domine-a e traga-a para cá, assim que o arcanjo nos der uma chance vamos contra o portal, sem medo de matá-la, veremos como o arcanjo responde.
Seraf aquiesceu e seguiu na direção indicada, Baal Liurf continuou seguindo seus inimigos, passados alguns minutos encontraram uma cachoeira, assim que parou para espiar o arcanjo e o portal uma onça se aproximou do demônio com os olhos grudados na beira da floresta, já sabia o que fazer.
Viu o arcanjo tirando as calças e pulando na água, era o sinal de que precisava. Partiu em corrida alucinada em direção a garota, quando estava a quatro metros do alvo viu a figura do arcanjo surgir a sua frente. Asas enormes surgiram as suas costas, uma lança dourada pendia na bainha, olhos de fogo surgiram em sua face, focando os olhos do animal, mas não parecia ver o demônio Seraf.
Preso ao cinturão havia um chifre dourado, que lhe servia de trombeta, adornado com diamantes, rubis, jades e outras pedras preciosas, era absolutamente perfeito. O demônio estacou sem sair do corpo do animal e fazendo com que o mesmo apenas olhasse para o arcanjo a sua frente, ficou nessa posição por alguns instantes o arcanjo olhava diretamente nos olhos do animal, não estava vendo o demônio, apenas o animal, Seraf recuou alguns passos e correu em direção a floresta, reencontrou-se com Liurf e deixou o corpo inerte da onça.
- Meu Baal, o arcanjo ainda não pode nos ver, algo o está bloqueando, ele sabe que tem que proteger a garota e suas habilidades de batalha ainda lhe servem, não o vi mover-se até estar a minha frente, mas após isso tenho certeza de que ele via apenas o animal.
- Muito bem meu servo, muito bem, isso nos servirá bem. Imagino que assim que um ataque espiritual for direcionado a ele, seu entendimento retornará, mas um ataque pode fazer toda a diferença entre vencer e perecer. Vamos continuar de olhos abertos e seguir os dois, assim que os outros chegarem e for noite faremos nosso movimento. Haverá sangue e dor, sim haverá e a morte com certeza cairá sobre alguns dos nossos, mas se tudo correr como planeja Lúcifer em breve o reino dos céus cairá e tomaremos posse de tudo que nos foi roubado através dos séculos.
Fechou a cara num pensamento rancoroso, Baal Liurf é um demônio antigo, já participou de várias batalhas e a tempos está farto da guerra contra o reino do Altíssimo. Na antiguidade foi conhecido como senhor dos portais, um mago poderoso e conhecedor de muitos ensinamentos, um dos primeiros demônios forjados pelos anjos caídos, uma das primeiras almas privadas da presença do Senhor dos Exércitos. Assim que sua alma corrompida demonstrou gana pelo mal, Lúcifer lhe permitiu voltar a ativa, transformou-lhe num demônio, permitiu sua ida e vinda do inferno e desde então ele acumula mais e mais conhecimento, chegou a comandar um reino inteiro, era adorado por milhares de homens e mulheres, crianças eram oferecidas em sacrifício a seu nome. De fato, um dos poucos demônios que gozavam de algum respeito dos anjos negros.