03 - Seres da Escuridão
Larissa corria como louca pela Rua Governador Pedro de Toledo, seguindo na contra mão, saltando sobre carros com agilidade sobrenatural, velocidade excepcional e ainda sim, sentia que seu adversário a estava acompanhando. Acabara de dar fuga de um bar conhecido da cidade de Piracicaba, o “On The Rock Bar”, onde jovens iam se divertir, ela e o companheiro Diego haviam chegado a cidade na noite anterior, estavam sedentos, mas o paladar refinado exigia uma conquista bela e o lugar era perfeito. Iluminação fraca, clima de excitação entre os jovens humanos ali presentes, eram presas fáceis para as habilidades de um vampiro. Estavam lá a pouco mais de uma hora, já haviam escolhido a vitima, uma morena exuberante que atendia pelo nome de Rebeca, nova, bonita e cheia de vida.
Diego concordou de imediato e estavam conversando com a garota a alguns minutos, caçando lentamente e aproveitando cada sorriso, cada suspiro que a garota, inocente e ingênua dirigia a Diego a cada palavra, cada toque que ele lhe dava. Estavam parados no balcão do bar, um lugar muito bacana, com uma iluminação no meio do balcão de cor vermelha que mantinha o clima de sexo e romance aceso. O local não era muito grande, mas era bem distribuído, as mesas aos cantos estavam todas ocupadas, com “panelinha” de amigos consumindo álcool sem se dar conta do perigo em que se colocavam facilitando a caçada dos infernais.
Algo chamou a atenção de Diego, do lado oposto do salão, uma sensação de morte e sangue tomou conta do lugar, algumas pessoas chegaram a desmaiar tamanho o poder que fora liberado. Diego instintivamente acendeu os olhos, fez sinal para Larissa que de imediato se colocou a correr em direção a porta de emergência. Diego vasculhou o salão, as pessoas mais próximas espantadas com o brilho que vinha de seus olhos, Rebeca desmaiara e jazia no chão, passaram-se alguns segundos, sentiu a presença de Larissa abandonar o local, quando se virou para partir também, foi atingido por um soco violento no estômago que o fez arfar, dobrar os joelhos e cair no chão, ainda consciente, seus olhos apagados e um tanto perdidos, não viu quem o acertou tão pouco sabia onde estava agora.
- “Vou pegar sua coleguinha, garoto, depois que me divertir com ela, venho ter contigo”.
A voz que tomou conta de sua mente era fria e cheia de ódio, não lhe permitiu defesa, não lhe deu chance de contra ataque, Diego foi vencido facilmente o que indicava que o inimigo era poderoso. Ele mesmo não era um vampiro recém criado, era antigo, mais de cem anos, sempre se gabando de sua força, mas esta noite via-se completamente indefeso ante um inimigo que nem ao menos pode identificar. Olhou mais uma vez em todas as direções e correu para a porta, precisava alcançar Larissa antes de seu algoz.
A vampira iniciou uma corrida frenética pela rua em que estavam, ia desviando de pessoas e saltando sobre os carros. No inicio não sentia nada a seguindo, seja quem fosse que apresentou a intenção assassina, tinha ficado no bar. Correu sem parar até chegar a Rua Governador Pedro de Toledo, virou à esquerda tomando o sentido do centro indo em direção ao Parque da Rua do Porto, ali talvez, entre arvores e na escuridão conseguisse abrigo bom o bastante para se esconder, quando esses pensamentos lhe ocorriam sentiu novamente a intenção assassina, sentia seu perseguidor muito próximo.
Aumentou a velocidade a ponto que os humanos não a viam mais, era apenas um borrão disforme a passar como raio entre pessoas e carros, tomou a Avenida Ipiranga e, ainda correndo, olhou em volta. Havia uma viela a sua esquerda, entrou nela tropeçando numa lata de lixo, deu uma cambalhota ligeira ficando automaticamente de pé e ainda em corrida desenfreada aumentando ao máximo sua velocidade.
Havia uma passagem à direita, julgando pela distancia em que seu perseguidor estava havia a chance de ele perder seu rastro. Entrou por ali e se deparou com um beco sem saída. Não diminuiu em nada a velocidade, o muro a sua frente tinha pelo menos três metros de altura, correu em sua direção, no fim do beco, e saltou, bateu a mão e os pés na parede de concreto e tomou impulso para cima finalizando o salto, caiu como pluma do outro lado e voltou a correr. Ainda sentia seu algoz buscando sua vida, olhou para traz a tempo de vê-lo saltar sem ter que se apoiar no muro como ela havia feito, ele era poderoso. Aumentou ainda mais a velocidade chegando ao seu máximo, estavam em um condomínio residencial, ela saltou o cercado de uma das casas e continuou de uma casa a outra, talvez o cheiro de humanos conseguisse tirar o inimigo de seu encalço, pensou ela, mas para seu desespero sentiu a presença chegando cada vez mais certo.
Continuou saltando de casa em casa até chegar ao outro lado do condomínio, saltou pelo muro mais uma vez e deu de cara com o parque, correu em sua direção. Chegou as grades de proteção e deu o melhor de si no salto, mesmo assim teve de se segurar em uma das grades para completar o salto, o impulso foi tão grande que a grade se desprendeu do restante da cerca e ficou como uma lança em sua mão, Larissa correu um pouco mais, parou olhando para a grade a tempo de ver o homem que a seguia saltando também, ele não tocou em nada, apenas saltou por sobre o cerca de ferro e quando estava na metade do salto Larissa arremessou a lança que zuniu indo em direção ao inimigo – “Seja você quem for, não vai desviar no meio de um salto” – Disse para si mesma, porém quando a lança estava próxima de atingir seu alvo o corpo do homem de desfez em névoa, a lança passou direto, o corpo voltou ao normal e ele tocou o solo reiniciando a corrida.
Larissa entrou em desespero, voltou a correr, agora com lágrimas nos olhos, forçou sua percepção ao máximo tentado sentir a presença deu seu comparsa.
- Cadê você Diego? Que droga. - Enquanto pensava nestas coisas, olhou para frente e teve que reprimir um grito, o cara que a perseguia já estava ali, parado, com sorriso no rosto.
Não tinha escolha, tinha que enfrentá-lo, talvez ganhar tempo pra que seu amigo chegasse. Seus olhos ficaram acesos, tudo se movia lentamente para ela nesse momento, deu um salto mortal sobre o oponente, sem tirar os olhos dos olhos dele, puxou sua pistola, olho no olho, fez mira, olho no olho, puxou o gatilho três vezes e para seu desespero ele não estava mais lá. Aterrissou e o procurou com olhos acesos e presas a mostra, ele era antigo, ela estava com problemas. Concentrou-se em seu comparsa e para sua alegria sentiu que ele estava chegando, se viesse logo poderiam ter uma chance contra o cara, ainda não sabia se era um vampiro, mas esse era o menor dos problemas devido às habilidades dele.
- Ele não chegará a tempo, vampira. Vou destruí-la antes que ele chegue aqui e vou persegui-lo ate destroçá-lo também.
Sua voz soou fria e sombria.
- Mas vamos nos divertir um pouco antes disso, vocês invadiram meu território e isso não acontece com frequência.
A voz dele era cheia de ódio, fria como o gelo, ele não estava blefando.
- Quem é você e onde esta? Saia da minha mente eu não lhe dei permissão.
Larissa arfava, não precisava de ar nos pulmões, mas o medo começava a dominá-la. Era uma menina loira um tanto mirrada, pele branca devido a sua condição de vampira, olhos rubros que no momento brilhavam como brasas, seu rosto era a verdadeira personificação do pânico, devia ter no máximo um metro e sessenta de altura, corpo bem feito típico de vampiras que precisam seduzir para se alimentar.
- Você é apenas uma criança, minha cara. Não preciso de sua permissão.
Larissa sentiu um golpe violento na mão que segurava a arma, outro no estômago a fez dobrar os joelhos e tontear, antes que seus joelhos tocassem o chão seu rosto foi impulsionado para cima pelo cano de sua própria arma. Os olhos dele não estavam acesos, ele não exibia presas, mas com certeza era um vampiro, Antigo o bastante para nem precisar usar os poderes do sangue para lutar contra ela, lagrimas de sangue escorreram de seu rosto enquanto a dor em seu estômago se intensificava, uma lágrima caiu no chão, o vampiro inspirou fundo e fez uma cara de nojo.
- Você é apenas uma infecta, uma fedelha de no máximo dez anos e ousa vir a meus domínios!!!
O vampiro estava com uma expressão destrutiva em sua face e, para desespero da vampira, seus olhos se acenderam e seus dentes foram expostos. Ela tremia involuntariamente, ele exalava desejo de morte, sangue e dor. Ele agarrou o cabelo da menina e bateu seu rosto contra o chão, afastou-se e olhou na direção de onde vieram.
- Seu amigo esta chegando minha cara, quer morrer com ele ou prefere que seja cada um com sua vez?
Larissa, um tanto tonta, colocou-se de joelhos, seu rosto estava desfigurando, mas refazendo-se devido aos poderes do sangue. Tentou levantar a cabeça para ver seu inimigo, mas não conseguiu e nem respondeu, não por não ter resposta para esta pergunta e sim por não conseguir abrir a boca, tamanho o medo que sentia.
- Já que não consegue nem falar, sua fedelha, vou esperar seu amigo chegar e vê-la nesta condição deplorável, ele vai tentar salvá-la e isto me dará um instante de diversão.
Diego saltou a grade, com agilidade maior que a amiga, correu em alta velocidade varrendo o terreno em busca de Larissa, o parque estava completamente escuro àquela hora da noite, sentiu a presença de Larissa a norte de onde estava e avançou nesta direção, passando entre árvores até que chegou ao ponto onde ela estava. Avistou-a derrotada no chão, aninhada atrás do inimigo, tremula e quase sem sentido. Sacou uma submetralhadora e atirou contra o inimigo quando estava a mais ou menos cinco metros de distancia, dali não erraria pensou. Para seu descontento o vampiro sumiu diante de seus olhos, ele olhou em todas as direções, as árvores em volta não ajudaram no trabalho, a única fonte de luz vinha dos postes na rua que geravam sombras compridas para dentro do parque.
Olhava ao redor quando sombras tomaram forma de tentáculos e seguiram em sua direção, ele desviou da primeira investida, mas um segundo tentáculo conseguiu acertar sua mão e a arma foi atirada longe, o vampiro se preparou para correr atrás, mas era tarde, seus pés estavam presos ao chão como que por mágica e o vampiro vinha em sua direção com a submetralhadora apontada pra ele. Quando estava a menos de dois metros deu uma rajada no joelho esquerdo e metade de sua perna foi arrancada. Diego gritou como nunca e foi ao chão.
- Regenere-se vampiro, pare de chorar!
O Vampiro mais velho terminou a frase e deu uma gargalhada como se fosse o próprio demônio.
- Pare, por favor, posso servi-lo, podemos ser úteis senhor! - Diego não sabia o que fazer, era obvio que não teria a menor chance contra o vampiro, mas não queria morrer.
- Me ser útil, esta brincando comigo? O que acha que um fedelho como você pode fazer por mim? Sou mais antigo do que pode supor caro vampiro, você não me serve.
O Vampiro adiantou-se, segurou o pescoço de Diego e destruiu sua traqueia, apertou um pouco mais e a cabeça separou-se do corpo, espalhando bolotas de sangue negro, grosso, pastoso e de aparência horrenda por todo o local.
Larissa não fez nada pelo amigo, estava em choque paralisada pelo poder do Vampiro. Ele caminhou até ela, abaixou-se, deixou seus olhos se encontrarem e lhe sorriu, de repente a garota sentiu-se segura, a salva e feliz, não entendia o porque de tanto medo, não sabia onde estava e nem porque, só sabia que o ser maravilhoso que estava a sua frente lhe faria bem. Ele encostou os lábios nos lábios dela e inspirou profundamente. Quando se afastou, viu o próprio demônio a sua frente e tentou gritar, mas era tarde, sua cabeça também havia sido separada do resto do corpo. O vampiro se levantou, jogou a cabeça da menina longe, seria incinerada junto com o vagabundo em uma hora quando o sol saísse, começou o caminho de volta a sua casa, seu covil.
A atmosfera a sua volta mudou, uma espiral negra e fumacenta surgiu à sua frente, eriçando os pelos de seu braço, o frio dominou todo o local e mesmo as sombras pareciam recuar. A espiral foi abrindo-se até ter a dimensão necessária para passar um elefante adulto e de dentro da espiral um Anjo Negro surgiu. Tinha mais de três metros de altura, era muito forte, olhos como em fogo constante. Diferente de Krinus ele não tinha feições de besta, era um dos anjos que caíram junto com Lúcifer, um dos lacaios da Estrela da Manhã. O demônio caminhou ate o vampiro e lhe fez um breve aceno que foi retribuído.
- O que faz aqui, meu senhor?
- Venho lhe trazer um trabalho Faustu, temos pressa nisso, este ser já se colocou em nosso caminho por vezes sem fim, preciso que o destrua, trata-se de um Iluminado.
A voz do demônio era forte e avassaladora, Faustu vacilou por um instante ao ouvir a voz destruidora do demônio entrando por seus ouvidos sem que o demônio tivesse aberto a boca.
- Um Iluminado – Disse Faustu um tanto incrédulo e obviamente em dúvida se ouviu correto - Não vejo um destes desde meus duzentos anos, tem certez...
Antes de terminar sua pergunta sentiu o forte punho do demônio prendendo sua garganta, tentou invocar sua força vampiresca, mas não foi suficiente. Usou a força do sangue e invocou as sombras, das sombras ao redor surgiram tentáculos sombrios que foram ficando mais grossos, seguiam em direção ao Anjo Negro, mas desviaram e envolveram o vampiro que foi jogado ao chão completamente vencido. Avalon falou novamente.
- Não brinque comigo moleque, você acha que é antigo? Sou um anjo caído, criança, estou aqui desde o inicio. Não me desafie. – Dessa vez o Anjo Negro abriu sua boca ao falar e o resultado era absolutamente terrível, sua voz soava como um trovão, desespero, agonia, dor e morte eram sentidos a cada palavra, Faustu se contorceu, preso pelas sombras - Essas sombras, foi você quem conjurou, livre-se delas e recomponha-se agora.
Faustu controlou o medo e dissipou as sombras, levantou o mais dignamente possível e voltou a falar.
- Devo matá-lo ou trazê-lo ate vossa excelência?
Avalon controlou seus poderes e riu ao ouvir o tom insolente do vampiro.
- Deve matá-lo, está claro para meu mestre que ele não irá desistir de seus dons para servir a nossa causa, ou mesmo para ter paz. Destrua-o, se for capaz, e retorne aqui com a cabeça dele e seu sangue em um jarro. Se fizer isso lhe ensinarei um truque para conseguir mais poder e continuar a assustar crianças da sua laia, assim talvez um dia você tenha poder suficiente para me desafiar.
Faustu manteve uma expressão fria no rosto, olhos semicerrados, mas nada falou, apenas fez um pequeno aceno concordando com as ordens.
- Em breve receberá notícias sobre sua tarefa.
O anjo negro desapareceu.
O vampiro recuperou o pouco de cor que lhe sobrara, respirou profundamente e começou a caminhar, faltavam poucos minutos para o sol nascer e as ruas em volta do parque estavam começando a apresentar movimento. Apesar do uso dos dons não sentia sede, já tivera o bastante esta noite antes de brincar com os vampiros que matara.
Decidiu voltar à toca, tinha que verificar seus pertences, se teria uma batalha com um Iluminado antigo, seria necessário muito sangue, sangue fresco e inocente, caminhou apressado, um único pensamento se sobressaindo aos outros, um dia iria mostrar ao Anjo Negro que sua força era tão grande quanto à dele.