04 – A Marca de Ravn
Julius chegou rápido ao bairro dos Jardins e facilmente encontrou o prédio onde deveria prestar suporte.
Apresentou a identificação na recepção do prédio comercial, recebeu o cartão de visita e seguiu ao andar indicado. Na verdade a empresa ocupa os três últimos andares do prédio, não era pouca coisa.
Assim que chegou ao andar indicado uma senhora, com cara de secretária das mais eficientes, veio lhe receber.
- Julius? – Perguntou séria.
- Sim. – Disse Julius estendendo a mão e ficando no vácuo enquanto ela lhe dava as costas e seguia já lhe dando instruções.
- Venha comigo, vou lhe mostrar a sala do servidor e mostrar o que precisa voltar a funcionar corretamente.
Ele sorriu um tanto encabulado e seguiu a mulher pelos corredores da empresa. Andaram cerca de cinco minutos até chegar à sala do servidor, congelando como deveria ser.
Ela lhe mostrou o organograma da rede, com indicação de salas onde haviam máquinas a ser configuradas, no total haviam setenta máquinas conectadas constantemente. Julius puxou o notebook da mochila, pegou os acessos de rede e começou a sua “mágica”.
Logo de cara percebeu que o link que garantia o acesso ao servidor era fraco demais para a rede e a quantidade de informações que eram processadas, foi tomando nota do que julgava ser necessário para manter os sistemas, que eram acessados de forma remota, online em tempo integral.
Fez algumas varreduras com programas de otimização e tentou solucionar os problemas, direto por ali, o que naquele momento não era possível, o baixo tráfego de dados proporcionado pelo link o obrigaria a desligar todo o sistema da empresa, e duvidava que pudesse fazer isso naquele momento. Desde o momento em que se sentou para trabalhar ficou rodando programas de varredura, optimização e correção e já estava nessa a mais ou menos uma hora.
Pegou o telefone que havia ali e ligou no ramal da senhora que o recebeu, havia se apresentado como Cida.
- Pois não – Disse ela ao telefone meio que sem paciência para lidar com o técnico de informática.
- Bem, fiz alguns apontamentos sobre o que precisa mudar na sua rede e algumas coisas pra ajudar a melhorar eu consigo fazer de imediato, mas vai levar umas duas horas de processamento e as máquinas tem que estar logadas, mas sem ninguém fuçando em nada, isso seria possível agora?
- Obviamente que não, quais nossas opções – Respondeu ela friamente.
Julius ignorou o sarcasmo típico de secretárias de gente graúda e prosseguiu.
- Posso voltar depois do expediente e rodar tudo, mas preciso que alguém fique aqui pra me acompanhar, regra da empresa, o restante vai depender de aprovações de vocês, pois irá alterar a infraestrutura da rede.
- Entendo, nosso expediente se encerra as 19:00, então se você puder voltar depois os seguranças acompanharão você.
- Por mim tudo bem.
- Pode preparar um orçamento para o restante que precisa ser feito?
- Sim, amanha meu chefe envia a fatura do que foi feito hoje e o orçamento para o que precisa ser feito. - Fez uma pausa esperando que ela se manifestasse, como não ocorreu ela continuou. - Se quiser peço pra ele enviar uma proposta de serviços de manutenção da rede.
- Tudo bem, pode mandar então. Precisa que eu o acompanhe até a saída?
- Não se preocupe, consigo sair sozinho.
- Fascinante – Disse ela com sarcasmo - Passar bem.
Desligou o telefone antes de ouvir a resposta de Julius.
Julius sorriu olhando para o telefone, “mocinha” arrogante pensou e começou a desconectar os sistemas, fechou os vidros de proteção dos servidores e colocou o notebook de volta na mochila, saiu da sala e seguiu alegre pelos corredores até a saída, olhando de rabo de olho aqui e ali para os computadores pode ver que a maioria das pessoas ali estavam “fazendo nada” na internet, alguns até com páginas de redes sociais logadas, se contratassem os serviços de Help Desk da empresa de Thiago a mamata ia acabar pra todo mundo ali.
Chegou aos elevadores e voltou para a rua, eram exatamente 15:30. Ficou enrolando nos arredores, parou numa praça ligou o Notebook e ficou jogando Magic 2014 na Steam, no modo off-line, fez um combo fenomenal de mais de cinco mil pontos, leva tempo pra concluir, mas vale a pena. O tempo corre quando se está a toa e logo eram 18:40. Guardou o notebook de volta na mochila e se dirigiu ao prédio pra concluir o serviço.
Foi recepcionado por um segurança metido a besta e levado até a sala do servidor, o cara ficou ali, com cara de general por uns vinte minutos, por fim convenceu-se de que não entendia nada do que estava acontecendo e não ia dar em nada ficar ali, voltou para seu posto.
O processo levou mais tempo do que ele havia calculado e ele saiu da empresa por volta das 23:00, mas o serviço estava feito, melhoria de 20% na estabilidade dos sistemas, era só resolver os problemas com os links de processamento de dados que a rede ia ficar bem, mesmo sem manutenção frequente, o que daria a Thiago um bom contrato sem muito trabalho.
Tentou falar com Kid e com Gustavo, mas ambos estavam “desconectados”, sabia que estavam bem, mas isso não quer dizer que não ficaria preocupado.
Voltou para casa e apagou, despertando apenas por volta das dez horas da manha do dia seguinte.
Após tomar café da manhã passou para Thiago um e-mail com todas as informações do serviço que prestou, tempo que ficou a disposição da empresa e o que precisava ser alterado para ele solicitar orçamento. Assim que terminou seu celular tocou, olhou no identificador e era Kid.
- E ai malandro, só de boa? – Disse Kid animado.
- “Ta” tudo na boa sim e contigo?
- Sempre – Respondeu Kid em meio a um sorriso, fez-se silêncio por algum tempo, aparentemente ambos lembrando do que havia ocorrido, então finalmente Kid falou.
- Irmão, vou me ausentar um pouco.
- Como assim? Pra onde vai?
- Sei onde o primeiro está, vou buscar conhecimento e poder.
- Você não sabe onde o primeiro está, ninguém sabe.
Kid sorriu triste.
- Eu sei sim, e consegui encontrá-lo, num sonho, ele vai me treinar, se eu conseguir chegar até ele.
- Eu vou contigo. – Disse Julius decidido, não havia muito o que pudesse fazer onde estava, tinha que esperar novas instruções e isso parece que vai demorar.
- Por mais que sair numa aventura contigo seja algo que muito me agrada, ele só atenderá a mim, se eu for contigo ambos iremos morrer, e não diga que não importa quem seja o inimigo e bla bla bla, é do primeiro que estamos falando.
Julius ficou em silêncio.
- Em fim, só queria te deixar ciente de que meu sumiço tem propósito benéfico para nós, não pense que abandonei meu posto, estou apenas num momento de recuo, pra dar um salto maior à frente.
- Tenho certeza disso, se eu tivesse o que fazer para melhorar minhas habilidades, mesmo que custasse minha vida eu faria. Tenha cuidado e tente me manter informado.
- Beleza, vou seguir para o Congo, África, quando chegar lá aviso você, vou tentar conseguir um telefone via satélite, talvez assim seja possível fazer contato contigo, mesmo de dentro da selva.
Julius suspirou, sabia que podia ser uma das ultimas chances de ver seu amigo.
- Quando parte seu voo?
- Hoje, as dezoito horas.
- Beleza, eu te deixo no aeroporto.
- Fechado – Disse Kid animado – Cola aqui em casa e vamos jogar Call Of Duty Black Ops Online.
- Demoro, vou dar uma arrumada aqui e to colando.
Desligou o telefone e mais uma vez suspirou, a decisão de Kid era de longe a mais perigosa que já tomou, se o que ele sabe sobre o Primeiro for verdade a chance dele sair vivo de um treino é quase nula.
Terminou de colocar a casa em ordem, que estava juntando poeira, e pegou a moto pra ir até a casa de Kid.
Chegou lá ao meio dia, pronto pra “filar bóia”.
Avisou Kid através da mente e antes de chegar ao portão, o mesmo já estava abrindo. Deixou a moto na garagem e desceu até a casa, cumprimentou o amigo e foram pra cozinha preparar algo pra comer, enquanto preparavam iam conversando.
- Como conseguiu encontrar o Primeiro? Nunca ouvi falar de alguém que tivesse conseguido.
- Eu tive sorte, na verdade alguns lupinos conseguiram, poucos e a muitas eras atrás. Quando conheci o mundo sobrenatural encontrei um ancião andarilho, foi o segundo a me ensinar algo, ficamos juntos por quase um século, ele estava morrendo, havia desistido entende, não queria mais estar aqui, e permitiu que o tempo cumprisse com o que lhe é natural, ainda sim viveu trezentos anos desde que decidiu morrer.
- Fui o ultimo a quem ele ensinou algo e quando começou a me ensinar nos afastamos de tudo, quase virei um lobo de uma vez por todas morando em grutas e no seio das florestas, criei ali uma conexão com a casa de Gaia que jamais será rompida, aprendi muito com ele... – ficou em silêncio enquanto lembranças boas tomavam conta do momento, Julius aguardou paciente, já estava acostumado com essa reação de Kid, que alguns minutos depois voltou a falar como se não houvesse parado em momento algum... – Já no fim ele me falou sobre o primeiro, disse que era um segredo que lhe foi confiado e que eu não devia jamais contar a outro lupino, a menos é claro que lhe fosse perguntado diretamente por lupino de geração mais nova, ou se encontrasse um que fosse digno, até hoje não encontrei ninguém e na verdade fiz o que é mais prático, matei todos os que pareciam mais jovens, principalmente os mais selvagens. Não me orgulho disso sabe, mas tenha certeza de que estes deixaram de ser um problema para a humanidade.
- Ele me contou as histórias dos primeiros Lupinos, dos primeiros metamorfos na verdade e disse que todos vinham de um, o original, por isso um metamorfo tem que nascer assim.
- O primeiro era um homem, que de tão ligado a Gaia recebeu dela o dom supremo da natureza, o dom de controlar a tudo que pertence a Gaia e ela lhe disse que deveria fazer irmãos, lhes ensinar tudo que ela lhe ensinara e proteger a terra e os seres vivos que nela vivem.
- Bom, o resto é história da minha raça e você já sabe bastante, o que importa aqui é que ele me deu um nome, algo que aprendi logo cedo nesse meu mundo é que o nome é algo com que não se deve brincar. Você por exemplo me conhece como Kid, mas esse não é meu nome e eu nunca o repito em voz alta e sempre mantenho minha mente blindada para que ninguém o saiba. Gaia desenvolveu feitiços e maldições que tem condições básicas para funcionar, saber o nome é uma das condições, dificilmente saberá o verdadeiro nome de um metamorfo, pois o feitiço certo pode colocá-lo pra dormir eternamente.
Julius assobiou alto, interrompendo Kid.
- Essa é nova pra mim, quer dizer que não sei seu nome, que droga cara, toda nossa relação terá de ser revisada – Ambos caíram na gargalhada.
- É, foi mau cara, aprendi assim e sigo isso a risca, nem me arrisco de descobrir se existem mesmo ou não tais feitiços, apenas oculto meu nome. O ancião, antes de morrer, me deu um nome e eu o guardo até hoje, não basta saber o nome, tem que saber a quem o nome pertence entende, um nome não é nada se você não sabe de quem é, no geral precisa-se ter visto o ser pra que se junte o nome a criatura, mas no caso dele não, apenas acreditar que o nome pertence ao primeiro é o bastante e a um dia atrás eu o encontrei.
- Não esperava menos de você cara, mas acha mesmo que vale o risco? Esse cara parece perigoso demais, mesmo pra você.
- E é – disse Kid – o encontrei no mundo dos sonhos e olha isso - Kid virou de costas e levantou a camiseta que vestia, um corte nas costas, na parte de cima ainda estava com a cicatriz vermelha, normalmente já teria desaparecido, ele baixou a camiseta a virou-se para Julius – Ele fez isso no mundo dos sonhos e quando acordei estava sangrando, não há limites para o poder dele.
Julius olhava boquiaberto para seu amigo, nunca viu nada assim em seu quase milênio de existência.
- Cara, podemos treinar juntos, isso será o bastante – Disse Julius em súplica.
- Não vai mudar nada, temos quase o mesmo nível de poder físico e você é pouco melhor que eu em magias, não temos nada a aprender um com o outro, sabe disso, se eu for como estou para a batalha, voltarei a falhar, se eu for com o conhecimento que irei adquirir lá, posso ser realmente útil.
Julius abriu e fechou a boca algumas vezes, as palavras do amigo eram duras, mas verdadeiras, não havia muito a fazer.
Ficaram em silêncio e comeram, quando terminaram foram para a sala e ficaram jogando vídeo game até a hora de ir para o aeroporto, mal conversaram, apenas falaram sobre o jogo, empolgados enquanto atiravam para todos os cantos contra as outras equipes.
Foram de moto até o aeroporto, seguidos por Aiol e Sion.
Em silêncio fizeram a viagem e em silêncio Kid se dirigia ao portão de embarque, Julius o acompanhando cabisbaixo.
- Relaxa cara, eu vou conseguir.
- Não estou apenas preocupado contigo, eu mesmo não tenho muito o que fazer para melhorar e isso me diz o quanto estou decepcionando meu Senhor.
- Cara, na boa, Ele que está acima não lhe daria tal tarefa se não fosse capaz de cumprir, apenas confia, como sempre fez, e segue em frente.
Julius continuou em silêncio ainda olhando para o chão. Kid deu-lhe um soco no estômago que quase o fez vomitar, o Iluminado levantou os olhos a tempo de ver seu amigo indo embora, mão direta para cima em punho fechado. Julius sorriu e se recompôs, certamente seu amigo iria retornar. Voltou para sua casa e adormeceu.
Gustavo voltou do sótão ainda tentando compreender as palavras de Ravn, ainda tentando absorver que o velhote, mais uma vez, havia salvo o dia para ele.
De tudo o que leu, o que lhe chamou mais a atenção foi saber que Ravn o via como seu próprio filho, algo com o qual Gustavo não estava acostumado, nunca tivera uma família muito presente e desde a adolescência passou a viajar para lá e para cá longe dos pais.
Algo mais lhe chamou a atenção, já ouvira antes mencionarem em um livrou ou dois sobre compartilhar a essência, sempre seguido da palavra proibido, mas ainda sim, como algo possível, fracionar a alma e permitir que parte de algo que lhe pertença fique para trás. Acreditava que era disso que se tratava, já sabia de algumas possibilidades quanto a onde poderia estar a essência de Ravn, agora precisava saber como entrar em contato. Shamira, infelizmente, está morta, mas sua irmã Ynara não.
Foi até o telefone e ligou para o celular de Julius, não sabia onde estava, mas com certeza poderia ajudar a encontrar um dos Peregrinos da Alvorada.
O telefone tocou até quase cair na caixa postal.
- Pronto.
- E ai “fiote”, ta na boa?
- Opa Gu, tranquilo e você? Tudo bem ai?
- Poderia estar melhor se tivesse comida na minha geladeira, ta me devendo uma semana de refeições.
Julius caiu na gargalhada.
- Coloca no caderno de devedores que tu tem ai, um dia eu pago. – Disse em tom animado, meio que esquecendo de tudo o que havia ocorrido nos últimos dias.
- Já anotei e na verdade percebi que você tem débitos anteriores, vê se agiliza ai.
Ambos desataram a rir.
- Em fim, preciso encontrar algumas pessoas e acho que você pode me ajudar – Fez uma pequena pausa esperando que Julius dissesse algo.
- Meu silêncio é sua deixa garoto.
- Essa respostinha de velho já encheu o saco – Disse zombeteiro – Peregrinos da Alvorada, sabe me dizer do que se trata?
- Ravn era o líder dos Peregrinos, não que houvesse uma cadeia de comando definida, mas a habilidade de liderança dele acabou fazendo dos outros seus subordinados, não que ele os visse assim, estavam mais para família. O que tem eles?
- Preciso encontrá-los, pode me ajudar?
Julius respirou fundo.
- Só resta um deles, Ynara, os outros estão mortos.
- Sabe como entrar em contato com Ynara?
- Posso dar um jeito, mas porque isso?
- Ravn deixou algo com ela que me pertence, preciso vê-la, coisa de mago.
- Tá legal, você vai ter que ir até a aldeia dela, duvido que outro meio de comunicação, que não seja frente a frente seja possível, ela deve estar bloqueando tudo.
Gustavo deu um gemido contigo de desgosto.
- Sabe como chegar até ela então?
- Sim, precisamos ir até a China.
Outro gemido de desgosto.
- Se é assim, então quando podemos partir? Será que Kid quer ir também?
- Kid está em outro lugar cuidando de alguns assuntos, vamos só você e eu.
- Ele está bem? – Perguntou preocupado.
- Sim, vai treinar, volta em breve. Você banca essa, to indo de suporte. – Disse Julius sorrindo.
- Cara, tu já me deve uma grana, isso não está certo. – Disse rindo – mas tudo bem, vou procurar os voos e assim que tiver algo te aviso.
- Vou pra sua casa, ai partimos, pode ser?
- Beleza, pode colar.
- Certo, até daqui a pouco.
Gustavo desligou o telefone e foi até o computador procurar informações sobre voos para a China, encontrou um para Hong Kong no dia seguinte, a passagem era absurdamente cara, mas ele não tinha escolha. Comprou as passagens e começou a guardar alguns itens na mochila, foi até a biblioteca e preparou um feitiço de conjuração, alguns dos ingredientes que pretendia levar eram difíceis de passar pela vistoria das malas feitas por cães, então ia deixar tudo pronto pra conjurar os ingredientes e objetos quando chegasse ao seu destino.
Um dos itens era a caixa com a Adaga, deixou tudo pronto e assim que terminou, meia hora depois, Julius chegou a sua casa.
O contingente angelical que estava na terra no momento da Batalha chegou ao céu, tinha uma vibração estranha no ar, como que se faltasse algo.
Os arcanjos entraram em fúria e voaram em velocidade incomensurável até o Palácio Celeste, quando estavam se aproximando viram os outros Arcanjos ajoelhados na escada, chorando muito. Gabriel havia destruído a escadaria com um soco, Miguel estava atônito e Ya-hel completamente abatido, parecia a beira da morte.
- Onde Ele está? - Perguntou Uriel assim que tocou o solo – Não posso senti-lo.
Gabriel abriu e fechou a boca várias vezes, mas nada disse e Miguel continuava em choque, Ya-hel aproximou-se dos irmãos, chorava essência.
- Foi embora, disse que o fim ainda não é este e que precisava aprontar outras coisas, disse que quando nosso irmão se levantar, daqui um ano, devemos repudiá-lo, depois sumiu, diante de nossos olhos, nada de sua graça pode ser encontrada, no céu ou na terra, nem no que posso sentir do Universo, nem meus olhos que tudo veem e tudo sabem, nada, absolutamente nada veem sobre nosso Pai.
Gabriel levantou-se com a fúria dominando seu ser por completo.
- VOCÊ – Esbravejou apontando o dedo para Uriel. Seguiu como um titã destruidor e acertou um golpe certeiro no rosto de Uriel jogando-o a quilômetros de distância, Israel colocou-se no caminho de Gabriel que saltou para seguir em novo ataque contra Uriel. O arcanjo enfurecido acertou Israel na linha do abdômen, o golpe poderoso deveria atirar Israel a quilômetros também, mas Gabriel agarrou as asas de Israel, girou no ar e o arremessou no chão abrindo uma cratera de pelo menos dez metros de profundidade.
Uriel já retornava, também furioso para contra-atacar, mas Gabriel está num nível de poder que é demais, mesmo para outro arcanjo, a fúria sempre lhe serviu bem, e ele nunca foi visto assim antes.
Acertou mais um soco na face de Uriel que o deixou meio tonto, acertou outro e mais um, levou-o ao chão e lá socava como se fosse seu maior inimigo ali, Uriel apagou e Gabriel continuava batendo, de repente levou um golpe que o tirou de cima do Mestre da Matéria apenas alguns metros, ele se recuperou e já retornava quando Miguel, Ya-hel e Mikael conseguiram segurá-lo. Israel estava de pé perto de Uriel, tentando acordá-lo, a fúria de Gabriel foi aplacando-se e finalmente havia controle o bastante para que os outros arcanjos o soltassem.
Jogou-se no chão novamente e chorou, como uma criança que acaba de se perder dos pais.
Levantou-se a tempo de ver Uriel despertando, com as feridas no rosto se curando.
- Você trouxe isso sobre nós, todos vocês! Perderam portais, amaram mais aos homens do que a nosso Pai! Falharam, como vocês ousam falhar com nosso Pai! – Gabriel gritava em meio as lágrimas – Meu Pai se foi e nada nos deixou a não ser a vergonha de ter falhado com Ele.
- Basta! – Bradou Miguel – Nosso irmão não tem culpa, nenhum de nós tem, se o problema aqui fosse culpa ou pecado contra nosso Pai, Ele teria nos banido e não ido embora!!!
- Gabriel está certo – Disse Uriel olhando para o chão – Nossas tarefas sempre foram simples e mesmo assim vez ou outra falhamos, não somos dignos de estar na presença dEle.
- Não seja tolo – Ya-hel se interpôs entre todos os irmãos – Eu já sabia que essa hora chegaria, e devemos crer que isso é bom, não sei onde nosso Pai está, nem quando Ele retornará, mas esse é um dos primeiros passos para o fim do mal que conhecemos, não fizemos nada além do que já está escrito.
Todos ficaram em silêncio, por mais que desejassem do fundo de seus corações crer nas palavras de Ya-hel, a culpa e o desespero de verem-se sem seu criador por , lhes trazia angustia e dúvida, sentimentos mundanos que não deveriam estar se apoderando dos arcanjos.
- Ele retornará em hora devida, como Ele mesmo já decidiu que será. Devemos apenas continuar com nossas obrigações, proteger aqueles que são fieis ao Pai.
Miguel respirou fundo algumas vezes ainda em choque, nunca em sua existência deixou de sentir a graça de seu Pai ao seu lado.
- Vamos nos acalmar e continuar a servir como sempre fizemos. – Disse isso e entrou no palácio, ficaria ao lado do trono, como sempre esteve.
Ya-hel seguiu para seus aposentos noutra parte da cidade, Mikael conjurou o manto negro e seguiu em direção ao portão mais próximo, voltaria para a terra. Uriel seguiu com Mikael.
Gabriel e Israel decidiram permanecer nos céus e começaram uma campanha para treinar os exércitos celestes, estariam prontos para a batalha com a Estrela da Manhã e com certeza sairiam vitoriosos.
Julius e Gustavo partiram em direção ao aeroporto de Guarulhos de moto, deixariam no estacionamento até que voltassem. Iriam até Hong Kong e de lá teriam que fretar um voo para Hardin, depois seguir de carro por uns dois dias até onde quase não há mais civilização e então seguir a pé, floresta adentro. O iluminado já esteve neste local antes, um humano normalmente não encontraria o local, por conta dos feitiços de proteção e mesmo que fosse possível encontrar a viagem é muito desgastante e perigosa.
Trata-se de três dias de caminhada em mata fechada, sem muitas fontes de água o que indica que se faz necessário carregar água, comida apenas o que puder carregar também, e a tribo fica no meio de um vale que só se tem acesso subindo colinas monstruosas.
Os amigos seguiram em ritmo tranquilo, não encontraram inimigos no caminho, Sion e Aiol eram muito eficientes em lhes garantir proteção.
Quando chegaram a aldeia, praticamente uma semana depois de tudo o que ocorreu, encontraram Ynara a entrada do local, como se os estivesse esperando. Na verdade era exatamente isso, os feitiços de proteção da vila lhe avisaram sobre os intrusos.
- O que querem aqui. – Ynara não estava de bom humor, o que geralmente é bem ruim.
Gustavo adiantou-se.
- Preciso que faça algo por mim – Ela fechou o cara.
- Não devo nada a nenhum de vocês, o que eu podia fazer já foi feito! – Ela praticamente cuspiu essas palavras aos gritos, alguns guerreiros se aproximaram nervosos.
Julius adiantou-se
- Mande que recuem, se alguém levantar um dedo contra ele eu mato todos.
Ynara se transformou de imediato e foi seguida por quatro guerreiros, Gustavo saltou para trás, acabara de se dar conta de que não ativou nenhuma runa naquele dia, precisava agir rapidamente. Sion e Aiol colocaram-se frente ao mago impedindo o ataque dos ursos, Julius entrou em batalha violenta com dois deles enquanto Ynara assistia tudo urrando em violência e selvageria.
Julius não se incomodou em parar o inimigo de forma pacífica, quando esses guerreiros entram em batalha vem pra matar ou morrer, nunca pra vencer apenas.
Os guerreiros eram rápidos, mas não o bastante, em segundos de batalha a vantagem já ficou definida, ambos tinham cortes na linha do peito, um deles tinha o “braço” direito quebrado e o outro estava mancando, Julius se dirigia para um ultimo ataque com a espada silvando dada a velocidade em que se movia, mas foi atingido em cheio por uma patada monstruosa de Ynara. Gustavo atirou chamas na direção dela o melhor que pode, percebeu que seu corpo não estava em boas condições, estava faminto e cansado da viagem.
A guerreira sumiu de seu campo de visão e o mago sentiu sua presença à sua direita, ele tele transportou-se para o céus, mas assim que chegou lá viu a ursa, enorme, feroz e insanamente selvagem subir em sua direção num salto. Julius se interpôs entre ambos, Aiol e Sion seguravam os outros guerreiros para que não se envolvessem na batalha, o golpe que o Iluminado recebeu sangrava muito, e a fúria também começava e dominar seus movimentos, mesmo no ar consegui mover-se a direita do ataque de Ynara e cravou-lhe a espada no ombro direito, ela girou e o atingiu jogando-o ao chão, ele aterrissou cambaleando e foi atacado pelos dois guerreiros restantes, estalou os dedos e fogo explodiu de sua espada fazendo com que Ynara caísse urrando de dor e distraindo os guerreiros no chão tempo o bastante pra que acertasse um golpe forte o bastante para levá-los a inconsciência. Ynara gritava muito, Julius uniu as mãos e recitou um encantamento que fez com que as chamas aumentassem, Julius estava também fora de controle. Gustavo assistia a cena dos céus, incrédulo, não parecia seu amigo. Conjurou um bloco de gelo, magia antiga que fez quando esteve viajando para o Polo Norte, muitos anos atrás e arremessou sobre Julius que só teve tempo de cobrir a cabeça antes de ser atingido em cheio. O Mago conjurou água e direcionou a Ynara, mas as chamas que a queimavam não sediam, olhou para Julius a tempo de vê-lo levantar-se com uma expressão mais calma no rosto, ele respirou fundo e extinguiu as chamas.
- Que merda é essa Julius? Ta ficando louco? Viemos aqui conversar e resolver problemas, não criar mais!! – Gustavo deu uma bronca federal em Julius que apenas baixou a cabeça, levantou a mão e a espada saiu do ombro de Ynara e voltou para sua mão.
- Me desculpe Ynara, não tive intenção.
A guerreira estava de volta a forma humana, o braço direito com queimaduras terríveis, mas em regeneração acelerada.
- O que quer de mim, Mago. – Ynara ignorou o pedido de desculpas do amigo e falou apenas com Gustavo.
Ele aproximou-se dela, para ver melhor os ferimentos, ela estava nua, linda e perfeita, mesmo suja e machucada. Olhando os ferimentos viu uma tatuagem em seu braço, jurava já ter visto isso antes. Sim, era o emblema que Ravn usava.
- Esse era o símbolo dos Peregrinos da Alvorada? – Perguntou apontando para o braço dela.
Ela baixou os olhos e viu que a tatuagem continuava completamente visível e na verdade estava cintilando de forma suave.
- Não, isso foi um feitiço de Ravn, um truque muito incomodo e perigoso, mas bastante útil. Só me lembro de ver cintilar assim quando o feitiço foi feito. Deveria ter sumido quando ele morreu.
Gustavo arregalou o s olhos e segurou o braço de Ynara.
– Não pode ser - Disse em voz baixa, balançando a cabeça.
- O que disse? – Perguntou Ynara sem entender.
- Vim aqui buscar algo que Ravn deixou para mim, acho que está literalmente contigo.
- Como assim? Ele disse que era um feitiço de conjuração apenas, o que é isso então?
- Se eu estiver certo, parte de Ravn....da alma dele está ai e está cintilando pois está ligada a mim.
Gustavo desenhou um circulo no chão, recitou um encantamento e tocou o centro do circulo, neste momento a caixa com a adaga apareceu no meio do circulo.
- Preciso apenas que recite um encantamento pra mim, o resto é comigo. – Disse Gustavo olhando nos olhos de Ynara, ela o fitou por um instante – Não posso recitar se não me disser o que recitar, anda logo moleque.
Gustavo sorriu animado.
Pegou a carteira e abriu um bilhete com a anotação que havia feito do encantamento que precisa ser recitado.
Lamagra, alcume niath Ravn. Acountinaum tune ourer medjayh almost tune attur kal-amite. Lamagra, alcume niath Ravn.
Ynara repetiu as palavras com as mãos sobre a caixa, esta levitou no ar alguns instantes, abriu-se e a adaga saiu de lá, ficou flutuando a frente de Gustavo algum tempo. A marca no braço de Ynara se desprendeu de seu corpo, e uma névoa etérea adentrou a adaga. Ele olhou para Ynara e para Julius sorrindo.
- Deseje-me sorte!
Antes que Julius pudesse fazer qualquer coisa Gustavo recitou.
Lamagra
A adaga emitiu um brilho azulado e depois rubro e cravou-se no coração de Gustavo jogando-o para trás, ele estava agora lançado à própria sorte.