01 – No Inferno
Faustu chegou à cidade numa velocidade incrível, todo o sangue fervendo ao passo que mais uma batalha se colocava diante dele. Usando sua visão aguçada e sobrenatural, mesmo a quilômetros já pode perceber o fogo queimando casas e árvores, o vilarejo já fora sitiado, sua sorte agora estava lançada, se tivesse sucesso seria ainda mais poderoso do que já sonhara, todavia se falhasse seria atormentado eternamente, no fogo do inferno, cercado por sangue, agonia, dor e longe de qualquer esperança de dias melhores.
Chegou o mais próximo que pode do vilarejo sem chamar atenção, fosse dos angelicais, fosse dos humanos que combatiam sua gente.
Olhou em volta e viu o Lupino pegando uma criança nos braços, deixando para trás dois corpos inertes e desaparecendo floresta adentro.
Ficou mais alguns segundos escondido na orla da floresta, Seraf e Liurf a seu lado, suas auras o mais escondida possível. A batalha na cidade ia de mal a pior, muitos anjos chegaram, pelo menos trinta deles, digladiavam com anjos negros e demônios em fúria monstruosa, a fúria dos celestes lhes garantia poder de sobra e estavam levando a melhor sobre os infernais.
- É a nossa deixa, precisamos levar o corpo daqueles abençoados ao reino de meu pai, pegaremos o homem primeiro, sinto a concentração de poder celeste deixando seu corpo, precisamos deixá-lo novo antes que se esvazie. – Liurf disse isso a Faustu que apenas concordou e se concentrou, fundiu-se com a terra e desapareceu, Liurf e Seraf fixaram o olhar no corpo do homem.
Faustu surgiu da terra exatamente ao lado do corpo que era seu alvo, tomou-o em seus braços e saiu em corrida desenfreada voltando a floresta e seguindo as orientações de Liurf e Seraf. Um dos anjos celestes percebeu a movimentação e partiu em sua direção, Liurf sentiu o perigo, saltou virando-se para o anjo, juntou as mãos ainda no ar e recitou um invocamento demoníaco.
Shieshi no hi on Deamon no tiameta, inssurhe no Avalon!
Assim que terminou o feitiço e estendeu suas mãos a frente, com o anjo a poucos metros de atingi-lo, um anjo negro surgiu no ar, Liurf perdeu as forças e ia em direção ao chão. Seraf alçou voo e tomou Liurf, praticamente desmaiado, nos braços.
- Siga-me Faustu, rápido. – Rugiu para o vampiro.
Faustu foi tomado por medo incompreensível e aumentou o máximo que pode a velocidade.
Avalon surgiu, imponente e poderoso diante do anjo celeste que perseguia os infernais, o anjo não diminuiu a velocidade, sacou as espadas que estava carregando e desferiu um golpe mortal na altura do pescoço de Avalon, este por sua vez colocou a própria espada entre as duas espadas do celeste, no ponto exato onde elas se cruzavam, travando o golpe com facilidade. Deu um chute violento na linha do abdômen do celeste que o fez voar alguns metros para trás. O anjo se recompôs, guardou as espadas e virou-se feroz para Avalon.
- Saia da minha frente Avalon. – O Anjo Celeste praticamente cuspiu as palavras, como se a mera pronuncia daquele nome o enojasse. Avalon sorriu malicioso, estreitou os olhos e por fim falou.
- Ora, ora. Estou surpreso com isso, mas é bom saber que meu nome não foi esquecido por meus irmãos.
- Lembramos de todos os que traíram nosso Pai, pretendemos destruí-los por completo tão logo Ele nos permita.
O celeste que estava a frente de Avalon era pequeno, tinha apenas dois metros, sua pele era verde esmeralda, na verdade cintilante, suas asas brancas e resplandecentes refletiam o brilho de seu corpo. Não tinha cobertura alguma sobre o corpo, usava apenas um cinto que lhe permitia prender duas espadas curtas e uma trombeta, seus olhos eram amarelos brilhantes e os cabelos cristalinos, refletiam toda a luz que estivesse a sua volta. Em suas costas uma cicatriz enorme, de cima a baixo, obviamente um dos ferimentos sofridos durante a Batalha dos Mil Dias, quando todo o contingente celeste testou o poder dos arcanjos.
- Azazel, você não tem o poder necessário para me destruir, não seja imprudente e arrogante. – Avalon não estava zombeteiro, ou falava com arrogância, era apenas um irmão ensinando algo a outro. - Volte para os céus enquanto ainda pode e aguarde o dia em que meu senhor, A Estrela da Manhã, nos colocará frente a frente em batalha.
Azazel emitiu um brilho escarlate, destoando de seu corpo verde esmeralda, sacou as espadas e partiu para o ataque.
- Maldito anjo! – Grunhiu Liurf, ainda nos braços de seu escravo – Vamos levar o corpo deste homem para o portal que preparei, depois voltamos para pegar a mulher.
Faustu, ainda em velocidade alucinante, concordou e continuou na direção em que os demônios indicavam, seguiu veloz e em poucos minutos chegaram a uma clareira no meio da floresta, olhou em volta, Ivankovic já deveria ter chegado, ele devia estar ali para ajudar com os humanos, estava ficando preocupado com seu senhor.
- Faustu, coloque-se no centro, o feitiço levará carne e alma para o inferno, quando estiver lá não haverá distinção entre físico e espiritual e um dos outros demônios poderá guardar o corpo, voltaremos para cá e pegaremos a mulher.
Faustu odiava servir aos demônios, mas Ivankovic sempre dizia que devíamos ajudar sempre que pedissem, pois no geral eles pagavam bem, com dons e segredos, e este serviço daria a eles um novo dom.
- Entendido, vamos logo com isso, tem algo errado, Ivankovic já deveria estar aqui.
Liurf e Seraf fizeram os preparativos, pegaram essência de todos os que cruzariam o portal e iniciaram o feitiço, no instante seguinte estavam no centro de uma grande caverna, cercados por um abismo sem fim.
Estavam sob um tipo de tablado de pedra que flutuava no meio deste precipício. Havia um tipo de vapor que vinha de baixo, esverdeado e de aparência viscosa, havia apenas um caminho estreito entre o tablado e o restante da caverna. Faustu flexionou a perna para saltar.
- Pare! – Berrou Seraf – Temos que cruzar pela ponte estreita, se entrar em contato com essa névoa será consumido em segundos.
Faustu olhou assustado para a névoa.
- Pela ponte então. – Disse por fim e seguiram pelo estreito.
Essa magia era a ultima defesa contra uma possível invasão, todo o lugar era completamente a prova de celestes, mas mesmo assim a Estrela da Manhã achou por bem criar essa ultima barreira, caso alguém encontrasse uma forma de chegar aos portões do inferno.
Assim que cruzaram a ponte estreita, chegaram ao restante da caverna, nas paredes havia inscrições demoníacas que afastavam os angelicais e qualquer intruso, Liurf correu até uma das paredes, mergulhou a mão no pote que continha ainda a essência dos convidados e pressionou contra a parede, girou como se fosse uma maçaneta, ouviu-se um rugido tremendo e a forma de um grande portão em chamas foi revelada. Com estrondo os portões do inferno se abriram, ar quente e carregado de angustia chegou aos pulmões de Faustu, ele torceu o nariz por um instante, mas se recuperou antes que um dos infernais percebesse.
Cruzaram o portão e depositaram o corpo no chão, alguns demônios se aproximaram.
- Guardem esse corpo, se ele tiver um fio de cabelo arrancado, entregarei vocês a Avalon.
Os demônios afastaram-se um pouco e fizeram um circulo, sacaram as espadas e ficaram vigiando o corpo.
- Vamos voltar logo, precisamos do corpo da mulher.
Voltaram para a caverna, cruzaram a ponte até onde o pentagrama de deslocamento fora gravado no chão de pedra, como que em baixo relevo, de forma que só precisaram depositar o pagamento de essência para que o transporte fosse feito, assim que o feitiço foi ativado se viram novamente na clareira da floresta.
- Seraf, refaça o pentagrama e use o que restou de essência para preparar o caminho, teremos de ser rápidos.
Seraf assentiu e colocou-se a trabalhar enquanto Liurf e Faustu voltavam para o vilarejo.
Avalon e Azazel trocaram golpes poderosos, mas ficou claro que as palavras de Avalon continham a verdade, Azazel foi ferido gravemente no peito e abdômen, um corte superficial na garganta fazia com que sua essência escorresse pelo corpo nu, ainda sim ele estava vivo, era como se Avalon estivesse brincando com ele, sem preocupação alguma.
- Vamos parar por aqui, se voltar ao palácio celeste tenho certeza de que poderá ser salvo.
Avalon gargalhou após essas palavras enquanto Azazel foi tomado por fúria incontrolável e tentou um ultimo ataque.
- Que seja – Disse Avalon.
Azazel partiu imprudente contra Avalon, que desviou com facilidade, este descreveu um arco rápido e reluzente com sua espada, arrancando a cabeça de Azazel.
- Sinto muito irmão. – Disse enquanto o corpo de Azazel se desfazia em partículas de energia. Olhou para a floresta e viu Faustu e Liurf se aproximando, voltou aos céus, para a batalha.
Faustu mais uma vez se fundiu com a terra, apareceu ao lado do corpo da mulher, tomou-a nos braços e partiu, desta vez nenhum angelical percebeu a movimentação.
A batalha nos céus havia se equilibrado, mais anjos negros chegaram e a disputa estava acirrada.
Correram floresta adentro ao passo que Liurf recitava um feitiço, ao final estendeu as mãos aos céus e um grande hexagrama surgiu contra a luz da lua, um vermelho vivo circundava todo o desenho que rugia estridente, como se os sons do inferno viessem de lá.
- Recuar!!! – Gritou Avalon enquanto seguia para o portal aberto por Liurf. Foi seguido pelo contingente infernal remanescente, demônios e anjos negros fugiram do campo de batalha.
Os anjos celestes não entenderam nada, mas deixaram seus inimigos partir. Voltaram para o solo e passaram a afugentar vampiros que ainda consumiam sangue em meio à batalha.
Faustu corria muito com a mulher nos braços, Liurf estava debilitado, abrir tantos portais era problemático. Quando estavam chegando ao ponto de transferência Faustu sentiu um ataque vindo em sua direção, deu um salto para o lado ainda com a mulher nos braços e assim que aterrissou foi atingido por um soco violento no rosto que o obrigou a soltar a mulher, que rolou pelo chão.
O vampiro tentou reorganizar a defesa, mas não teve tempo e desta vez foi atingido no estomago por algo cortante, quando conseguiu ver o que estava havendo, deu de cara com um lupino em ataque furioso.
Liurf ficou aos berros enquanto ele e Seraf inutilmente tentavam afugentar o lupino e dar a Faustu a chance de pegar a mulher e correr para o portal.
Faustu estava gravemente ferido e sangue negro escapava pela ferida que não se curava como deveria, o ataque do lupino ia além da força e da selvageria, havia magia ali. O vampiro conseguiu se colocar de frente para o inimigo, mas ele era rápido demais, não conseguia uma brecha para atacar, olhou para os lados e viu que os demônios estavam indo para o portal, iam deixá-lo sozinho com a fera e deixar o corpo da mulher para trás.
- Fuja, funda-se com a terra, agora, não podemos com esse lupino. – Faustu reconheceu a voz de Ivankovic em sua mente, desviou de um ataque do lupino, transformou-se em névoa e desceu a terra.
O grande lupino socou o solo algumas vezes ao que uma grande cratera se abriu, uivou em fúria ao perceber que apenas o corpo da mulher estava ali. Tomou a mulher nos braços e voltou para o vilarejo.
Liurf chegou à caverna praguejando e amaldiçoando. Abriu os portões do inferno e deu de cara com a Estrela da Manhã, sentiu um medo insuportável tomar seu corpo, Seraf desmaiou, os outros demônios estavam nos cantos do saguão de entrada deste portão do inferno, choramingando, Avalon estava ao lado de Lúcifer.
- Onde está a mulher? – Os olhos de Avalon eram de puro ódio.
- Não conseguimos, Faustu foi atacado por um Lupino, poderoso demais para ele – fez uma pausa tentando não desfalecer – Seu servo, Ivankovic, não apareceu. Viemos embora, pois sentimos anjos celestes vindo em nossa direção, dou minha “vida” pela Estrela da Manhã e ele me deu mais de uma tarefa, não achei conveniente permitir que os celestes tomassem minha essência agora.
Liurf disse tudo de cabeça baixa. Avalon foi até ele, segurou sua garganta e colocou-o a sua altura, para que olhasse em seus olhos.
Seraf despertou, sua aura se estendeu quando viu seu senhor preso pelo anjo negro, levantou-se e pousou a mão sobre o cabo da espada. Avalon estreitou ainda mais os olhos vendo a reação de Seraf, e voltou-se para Liurf.
- Já cansei de dizer que não suporto covardes, quando falar comigo olhe em meus olhos. – Liurf estava sufocando, não que respirasse, mas a pressão espiritual exercida por Avalon era monstruosa.
- Calma, meu amigo. – Lúcifer falava com tranquilidade – Ele fez bem, não me serve de nada morto. – Fez uma pausa olhando para o homem, tocou seu corpo e ele voltou a respirar – A Alma ainda está presa ao corpo e a graça ainda está nele. Preferia os dois, mas este já é mais um para minha coleção.
Avalon soltou Liurf, que caiu no chão ofegante, além de ter consumido muito poder abrir os portais, havia algo sinistro no simples toque de Avalon, era como se agonia e desespero acompanhassem seu toque, como se todo desespero do mundo lhe pertencesse. Seraf se aproximou e o ajudou a levantar.
- Lúcifer – Poucos tinham intimidade, ou coragem, para falar com a Estrela da Manhã dessa forma – Eu podia sentir o poder divino na mulher, não era tão forte quanto este homem, mas ainda sim, é bem o que procuras, perdemos uma grande chance.
- Não se preocupe com isso Avalon, temos tempo e não faltam tantos assim, só precisamos estar atentos aos sinais e presságios, mais destes humanos incomuns irão surgir, como muitos já surgiram, teremos mais oportunidades.
Avalon olhou mais uma vez desgostoso para Liurf, mas por fim se acalmou.
- Agora, vamos ver o que temos aqui. – Caminhou até o homem que estava vivo, mas inconsciente e deu-lhe uma cutucada com o pé. Daniel abriu os olhos, piscou algumas vezes até se acostumar com a iluminação precária, sentiu o cheiro pútrido de carne em estado de decomposição assim como o cheiro de carne queimada misturando-se ao enxofre, respirou fundo até conseguir ficar calmo e colocou-se de pé. Olhou os demônios a sua volta, olhou os anjos negros e por fim fixou seus olhos em Lúcifer, - que ser maravilhoso - pensou.
- Mesmo considerando tudo o que li e já vi do divino, devo dizer que nunca imaginei que seria tão perfeito e belo como é, Lúcifer, Estrela da Manhã.
- Viu Avalon, ele é capaz de se dirigir a mim, melhor do que alguns de seus homens o são, de fato a graça de meu Pai não lhe abandonou.
Avalon semicerrou os olhos em direção a Liurf e por fim dirigiu-se a Daniel.
- Não pense você, humano, que haverá salvação para ti nesta cova, como houve para Daniel na cova dos leões, não somos tão misericordiosos e muito menos estamos sob o julgo do Altíssimo.
Daniel aproximou-se de Avalon, tocou seu braço direito e disse.
- Ajoelhe-se perante o Senhor dos Exércitos.
Avalon sentiu a perna ceder e quase ajoelhou, usou toda sua força espiritual para manter-se de pé, tirou a mão de Daniel de seu braço e deu um passo para trás.
- NUNCA. – Gritou sacando a espada.
- Pare Avalon, isso só mostra que tenho exatamente o que quero aqui, ele tem tanta convicção quanto preciso que tenha.
- Não sei o que tem reservado para mim Pai, mas minha alma lhe pertence e o castigo que receber aqui jamais será suficiente para negá-lo.
Os olhos de Lúcifer emitiram um brilho vermelho e parecia correr um rio de sangue em seus olhos, ele abaixou seu rosto até ficar rente ao de Daniel.
- Tenho milênios para minar sua vontade, milênios. – Levantou-se novamente. - Mas hoje é um dia de festa, vou lhe apresentar aos outros que como você, foram abandonados pelo altíssimo.
- Como queira. – Disse Daniel em tom animado, parecia não compreender o quão enrascado estava, ou quão violento e desesperador seria seu futuro e sua estadia naquele lugar.
Lúcifer caminhava tranquilo e elegante, branco e perfeito a frente, Daniel vinha uma pouco atrás e Avalon estava ao seu lado, louco para cravar a espada no peito do humano. Caminharam por quase uma hora até chegar a uma grande porta, cercada por milhares de anjos negros.
Estes abriram caminho para o trio que se aproximava, cruzaram a grande porta, que se abriu ao toque de Lúcifer, e chegaram a um grande hall circular, na verdade um pentágono. Em cada parede deste lugar havia uma porta, um pentagrama fora gravado no chão e no centro dele haviam quatro caixas feitas de ouro maciço.
- Eu tenho quatro arcas sabe, trouxe da casa de meu pai comigo e descobri uma coisa interessante com elas, algo que talvez meu pai nem saiba que é possível.
- Ele é onisciente Lúcifer, parece que não passou tempo o bastante com Ele para saber dessas coisas. – Daniel olhava o lugar com interesse.
Um lampejo de fúria passou pelos olhos de Lúcifer, mas ele se conteve.
- De fato, você tem razão, mas uma hora dessas eu te pego num momento de bobeira e começo a minar sua convicção, fique esperto. – Disse sorrindo.
- Não creio que chegue a isso, mas é o filho querido de meu Pai, tenho certeza de que conhece truques o bastante pra tentar esse feito.
Daniel estava na verdade apavorado, mas sabia que demonstrar isso só alimentaria a força de Lúcifer.
- Veremos quanto tempo se manterá assim, mas em fim, como eu dizia, descobri algo interessante durante milênios de testes e experiências, a maioria fracassou devo dizer, mas obtive muitos resultados positivos e finalmente consegui o que queria, consegui criar minha gente, é daí que vem os demônios, aprendi a moldar a alma humana para representar sua verdadeira natureza, mas eu pensei, isso não é perfeito, posso fazer melhor que isso e eu o fiz, venho aumentando o poder de meus generais desde então, preparando-os para o dia em que serão transformados em algo melhor e mais poderoso.
Fez uma pausa de efeito olhando para o rosto de pura incompreensão de Daniel, sorriu satisfeito.
- Descobri uma forma de fazer de meus generais, verdadeiros Arcanjos.
Daniel arregalou os olhos, olhou em volta, Avalon sorria malicioso.
- Isso é impossível, a criação de Deus não pode ser copiada!
- Não meu caro, eu sou original, veja, meus demônios tem poderes naturalmente e esse poder depende apenas deles, é bem diferente do que os humanos fazem, magos tomam poder da matéria, metamorfos não passam de aberrações da natureza, iluminados dependem de Deus, bruxos dependem de meus demônios e aqueles que operam milagres em nome de Deus são nada mais nada menos que recipientes do poder divino, veja bem, você se enquadra neste caso, é um mero recipiente, mas veja como isso é bom, não há no mundo poder mais limpo e mutável do que o poder divino, com as ferramentas certas pode-se realizar grandes feitos, e eu tenho tais ferramentas, eu sei moldar esse poder para que seja feita a minha vontade, não a de meu pai.
Daniel ficou calado, não conseguia formular uma resposta para tal loucura. Avalon foi até ele.
- Sabe o que é mais engraçado? Você, que serve ao Altíssimo será parte daquilo que o colocará em seu devido lugar.
Daniel virou-se para Avalon a tempo de ver sua mão lhe dando uma bofetada que o levou novamente a inconsciência.
- Avalon, meu caro, não destrua esse corpo, precisamos fazê-lo desistir antes de obrigá-lo a me servir!
Ambos começaram a rir de forma doentia, uma das portas se abriu, havia muitos humanos lá, sendo açoitados por seres que não podiam ser vistos, amarrados as paredes do lugar, eram exatamente, contando com Daniel, noventa humanos em sofrimento e agonia constantes.
- Coloque Daniel junto dos outros, falta pouco agora, dois portais e dez humanos de grande poder, quando conseguirmos isso meu plano entrará em ação e terei minha revanche contra meu Pai.
Avalon assentiu, tomou Daniel pelo pulso, alçou voo e o colocou acorrentando em uma das paredes próximo a uma mulher que estava em delírios constantes.
O Anjo Negro sorriu satisfeito, voltou-se para a sala e olhou em volta, muitas criaturas jamais vistas por humanos fora do inferno estavam ali, alimentavam-se do sofrimento e desespero daqueles que um dia serviram a Deus.
Foi até o centro onde havia um arco de pedra, respirou fundo e tomou uma faca que estava no chão, era amaldiçoada pelo próprio Lúcifer, cravou a faca no próprio peito e gritou em agonia e dor indescritível, a faca foi enchendo-se de sua essência e por fim emitiu um brilho negro.
Uma alma pecadora foi trazida a Avalon que ainda arfava e se remexia tamanha fora a dor sentida. No Arco de pedra pendiam quatro correntes, e a alma foi presa ali, Avalon recitou um encantamento na língua de Lúcifer.
Amus it hamenu
Amus it fordalia
Tuma na kami
Tuma no Sincalia
Shermack, hamelo kuntetsu nomae
Kamon Diabrelhe!
A alma debateu-se furiosamente, Avalon cravou a faca na alma, um ultimo brilho azulado foi emitido a alma tornou-se negra, apenas um monte de nada negro. Avalon soltou as correntes e o ser que agora era aquela coisa medonha silvou e rugiu.
Avalon apontou para Daniel e a criatura foi em sua direção.
O anjo negro olhou doentiamente enquanto o corpo de Daniel recebia a primeira saraivada de dor e desespero.
Avalon voltou a presença de seu mestre. A porta se fechou e eles foram até o centro da sala pentagonal.
- Ainda precisamos da arca da aliança, não conseguimos descobrir seu paradeiro, sem ela não poderemos dar início a seu plano.
- Paciência Avalon, paciência. Sua mania de ser eficiente comigo chega a incomodar um pouco, não posso lhe dar o lugar de um deles, sabe disso, a menos é claro que seja capaz de destruir um deles, ai sim, você seria com certeza, substituto.
- Não faço por isso, faço por vingança, sempre lhe servi nos céus, e isso não irá mudar aqui.
Lúcifer encarou o anjo negro, sem desprezo ou aversão nos olhos, apenas o olhou, curioso até, nunca entendeu porque Avalon sempre lhe serviu dessa forma, nunca questionou ou discordou, o que Lúcifer queria feito, era feito e ponto final.
- Mas ainda sim, se tivesse poder suficiente para vencer um dos generais, de fato seria ingrediente perfeito em minha criação.
Avalon sorriu malicioso.
- Um dia posso tentar, mas por hora, só quero ver esse plano em ordem de execução.
- Falta pouco meu caro, muito pouco.
Saíram da sala pentagonal e chegaram ao grande salão protegido por anjos negros, passaram por eles e voltaram a seus afazeres, Lúcifer se dirigiu a seu trono e Avalon foi procurar por Liurf.
O inferno é grande, como se todo o universo estivesse ali, corredores sem fim, celas que guardam almas que em breve serão torturadas e grandes salões para torturas.
Estava nos arredores do palácio de Lúcifer, uma cidadela onde a maior parte dos anjos negros mantinha residência, o céu no inferno é vermelho como o sangue e é sempre noite.
Anjos Negros e demônios de alto escalão tem “dormitórios”, por assim dizer, cavernas com portas na verdade, tudo no inferno é coberto por ossos e a cor de sangue pinta tudo, o cheiro de enxofre não incomoda os infernais, mas qualquer outra criatura que ali se encontre tem dificuldade para respirar.
Avalon seguiu para os dormitórios demoníacos e em poucos minutos estava em frente a caverna de Liurf.
Seraf e outros três demônios guardavam a entrada.
- Chamem Liurf, não vou entrar nessa espelunca.
- Meu senhor está se recuperando, salvar a vida de tantos anjos negros não é tarefa fácil. – Disse Liurf entre dentes.
Avalon deu-lhe um soco no rosto que o deformou, ele bateu contra as grades que fechavam a caverna e se estatelou no chão. Os outros três demônios ajoelharam-se mantendo os olhos em Avalon.
- Vou chamá-lo, meu senhor. – Disse o menor deles.
- Depressa.
Seraf levantou-se, seu rosto se curando aos poucos. Olhou nos olhos de Avalon e voltou a posição de guarda ao lado de seus companheiros. Poucos segundos depois Liurf veio, apoiado em seu lacaio, assim que cruzaram a porta de sua caverna, livrou-se da ajuda e esperou Avalon falar.
- Precisamos de um bruxo poderoso para cumprir uma tarefa difícil, tem contrato com alguém?
- Não meu senhor, meus contratos estão saldados, mas ouvi dizer que Baltazar, Senhor das Dimensões, tem um contrato vigente, com um humano ganancioso e poderoso, talvez seja o que precisa.
- Faça contratos o quanto antes, precisamos de poder de fogo.
- A caça as bruxas que o cristianismo vem fazendo, está mantendo os humanos longe dos contratos, pode levar algum tempo, se quer alguém com força de vontade e convicção, precisarei de tempo para fazer um contrato descente.
Avalon eriçou as penas de suas asas, tamanha a fúria.
- APENAS FAÇA!
Alçou voo e foi procurar por Baltazar.
Liurf caiu de joelhos e foi amparado por um de seus lacaios, Seraf caiu de joelhos também e ficou imóvel, concentrando sua essência na cura do ferimento que lhe fora causado.
- Seraf, vá ao mundo dos homens, vasculhe tudo, sabe do que precisamos.
Seraf assentiu e foi a passos lentos em direção ao portão do inferno mais próximo. No caminho foi recrutando alguns dos lacaios de seu senhor. Iriam para a terra, aterrorizar e criar caos, era assim que nasciam os melhores bruxos, era daí que vinham os contratos mais poderosos.
Poucos demônios tem a capacidade de selar contratos, no geral apenas aqueles que já foram “Baal” de alguma cidade, aqueles que já tiveram adoradores, que já sentiram as vantagens de se ter seguidores fiéis, sacrificando crianças em seu favor, entregando-lhe almas. Anjos negros também podem selar contratos, mas detestam fazê-lo, não gostam da ideia de fazer algo por humanos, mesmo que na verdade estejam ganhando em troca, sua alma.
Avalon seguiu a contragosto para os dormitórios dos anjos negros, eram parecidos com ruínas gregas, bem construídas, com estatuas aqui e ali. Não gostava de lidar com Baltazar, tinha algo errado com ele, parecia estar sempre tramando algo por conta própria.
Chegou as ruínas de Baltazar, não havia guardas. Aterrissou e aguardou alguns instantes, se ele estivesse lá viria a seu encontro em breve.
A figura de Baltazar surgiu das ruínas, sorridente e despreocupado, caminhou até ficar a menos de dois metros de Avalon.
- Como posso ajudá-lo, meu irmão?
- A Estrela da Manhã tem pressa em uma tarefa, alguns anjos negros e demônios estão nela a um bom tempo, mas acho que um bruxo teria mais serventia, tem coisas que nos passam despercebidas que eles podem ver.
- Está dizendo que essa raça medíocre supera a nossa?
Avalon aplacou a fúria antes mesmo que se manifestasse.
- Estou dizendo que a Estrela da Manhã quer algo e tenho certeza de que a melhor forma de conseguir é com um dos bonecos de barro.
- E o que eu tenho a ver com isso?
- Ora, meu irmãozinho, é de longe o Anjo Negro com o maior numero de contratos já registrados, sei bem que deve haver um ativo no momento, na verdade ouvi dizer que há um ativo no momento, no entanto, só lhe direi do que se trata se me garantir que esse boneco vale a pena. Precisamos de um bruxo ou bruxa de poder verdadeiro, não sei se tem a capacidade de conceder isso a seus servos, mas em fim, precisava perguntar.
Baltazar sorriu malicioso e por fim começou a dar gargalhadas.
- Nunca vai confiar em mim não é mesmo? Pois bem, existe um humano, entregou muito a mim e está disposto a entregar ainda mais, talvez até aprender a língua infernal.
Avalon ficou interessado.
- Bom, tente conseguir isso, se ele...
- Ela, seu nome é Liath.
- Tanto faz, se ela conseguir aprender a língua de Lúcifer, vou incrementar o contrato.
- Como assim? – Perguntou Baltazar.
- Darei a ela parte de meu conhecimento e do seu, feitiços demoníacos e poder. – Fez uma pausa sob olhar incrédulo de Baltazar – Espero que esteja pronto, sabe o que dividir a essência comigo irá lhe causar.
- Não farei isso, posso dar poder a ela por mim mesmo.
Baltazar ficou alterado ante a perspectiva de partilhar a essência com Avalon.
- Não estou pedindo sua permissão, estou lhe informando que será feito assim, a estrela da manhã já está ciente.
Baltazar fechou a cara e voltou para suas ruínas.
Avalon deu as costas ao local e alçou voo, teria de solicitar permissão a Estrela da Manhã para o que acabara de propor.