17 – Sodoma e Gomorra
Estava Deus, o Senhor Soberano de todo o Universo, em seu palácio ouvindo a terra e vendo o mal que os homens faziam. Via o mal que os anjos caídos fizeram, mas também via a capacidade que o homem, por si só, tinha para o mal. Chamou então três de seus arcanjos, Gabriel, Israel e Uriel, estes estavam na terra guardando a vida de portais.
Ao lado do Trono de Deus estava Miguel, sempre austero, sua face inflexível deixava claro seu propósito, servir ao Deus Tremendo, seja qual fosse o inimigo que lhe afrontasse.
Gabriel, Israel e Uriel chegaram juntos a casa de Deus, cruzaram o portão principal e o Grande salão, subiram as escadas até a sala do Trono de Deus, e assim que entraram sentiram a ira de Miguel tomando conta do lugar, expandiram sua aura divina e continuaram até estar próximo ao Deus todo poderoso e do Arcanjo Miguel. Gabriel adiantou-se.
- Pai Amado, eis me aqui, que posso fazer por ti?
Gabriel estava ajoelhado, Uriel e Israel fizeram o mesmo, mas nada falaram, apenas acompanharam o irmão.
- Meus Arcanjos, meus filhos, amados e protegidos meus, é chegada a hora de mostrar aos homens que ainda existe um Deus para Eles, que ainda Estou aqui e posso ouvi-los e vê-los. Eis que decidi acabar com duas cidades para lhes servir de exemplo – A aura de Miguel se inflou ainda mais e era quase impossível manter a sanidade naquelas redondezas, os anjos que estava de guarda afastaram-se, pois sentiam-se mal, se sentiram oprimidos pela ira de Miguel. Gabriel, Israel e Uriel no entanto, tão somente expandiram sua aura e mantiveram-se na presença de Deus e do Titã enfurecido. Miguel colocou-se entre Gabriel e Deus e falou com Gabriel.
- Nosso Pai deseja a morte de nossos irmãos humanos, nosso Pai quer derramar sua ira sobre os fracos e sobre nossos irmãos caídos – Miguel falava com tamanha tristeza que Israel e Uriel apiedaram-se dele, mas Gabriel colocou-se de pé com um olhar duro.
- Se Meu pai assim deseja, será feito, sem pranto e sem contenda. – Olhou para Miguel com ferocidade – Deveria ter atendido ao chamado de imediato e tomado a frente na batalha.
Miguel estava completamente enraivecido agora, seu corpo emitiu um brilho intenso e em seguida entrou em chamas, o corpo de Gabriel teve o mesmo e feito, mas lhe faltou controle e seu poder expandiu-se demais derrubando a coluna mais próxima quando o corpo de Uriel, empurrado repentinamente pela explosão do poder de Gabriel, colidiu com a mesma. Israel afastou-se devagar, olhando incrédulo para tamanho poder.
- Quem pensa que sou? A Estrela da Manhã? Para questionar a vontade de nosso Pai? Sei bem o que deve ser feito, a vontade do Pai será cumprida, mesmo que custe a minha existência. – Miguel cuspiu as palavras, como se sentisse nojo – Todavia não me agrado do que será feito deles, são fracos e novos, ainda tem muito a aprender.
Sem aviso algum Gabriel moveu-se velozmente e aplicou um gancho titânico no rosto de Miguel, o golpe fora tão potente que atirou o Arcanjo Miguel contra o teto, o arcanjo colidiu criando rachaduras e ia caindo um tanto atordoado. Recuperou-se a meio caminho do solo e preparou-se para o combate, desceu em velocidade alucinante e quando estava a centímetros de atingir Gabriel desviou para a direita para escapar do contra ataque, segurando o braço do titânico. Girou o corpo com velocidade e o atirou contra o chão criando um buraco entre a sala inferior do saguão de entrada e a sala do trono de Deus. Uriel juntou as mãos e recitou um encantamento na língua que somente ele, Deus e Ya-Hel conheciam, no ar surgiram pesadas correntes que se enrolaram em Miguel atirando ao chão, Gabriel subia voando, saindo do buraco onde foi jogado e também foi preso por pesadas correntes e jogado ao chão. Uriel simulou um quadrado com os dedos e apontou para ambos, ao passo que uma cadeia feita de energia surgiu cercando os dois, separadamente por todas as direções.
- Basta, não permitirei que destruam a casa de Meu Pai.
Poucas vezes os arcanjos viam Uriel em fúria e esta era uma delas.
– Israel, tome sua espada e fique atento.
O arcanjo tomou a espada sem discutir, expandiu sua aura ao máximo que pode e a espada respondeu ao chamado inundando o local com um fogo espectral negro, como se as trevas saíssem dela.
– Pai, peço que perdoe meus amados irmãos. – Uriel dirigiu-se ao Deus Supremo que até o momento não havia movido um único dedo para parar a batalha.
- Solte-me Uriel, ou juro que pagará por esse truque – Gabriel lutava desesperadamente para livrar-se das correntes. – Miguel não quer atender ao chamado do Pai, farei com que entenda que Ele é soberano.
- Não ouse questionar minha fidelidade ao Pai – Cuspiu Miguel enraivecido – Sigo Suas ordens ao inferno se necessário for, mas isso não quer dizer que concordo.
- Chega. – Disse Deus – Uriel, liberte seus irmãos do encantamento. Israel meu guerreiro amado, a espada não é necessária em minha casa. Gabriel e Miguel, meus filhos, espero contar com o bom senso de vocês ao serem libertos.
Uriel recitou um novo encantamento estendendo as mãos em direção aos irmãos, a cadeia de energia que fora feita se desfez e as correntes sumiram, Miguel e Gabriel colocaram-se de pé, mas mantendo certa distancia um do outro.
- Eu vejo, ouço e decido com sabedoria que não pode ser questionada ou compreendida por ninguém além de mim, Miguel sabe bem disso, porém sinto o amor que ele tem por Meus filhos. Darei a vocês uma chance de salvar as cidades de Sodoma e Gomorra, enviarei a eles dois de vocês, buscarão por “justos” e se os encontrarem em numero e qualidade eu permitirei que a cidade viva por amor a Meus filhos, todavia, se não encontrarem, e eu sei que não encontrarão, deverão vocês mesmos fazer cumprir a minha palavra. Deverão vocês mesmos sujar-se com o sangue e assistir a Estrela da Manhã recolhendo as almas perdidas.
Miguel estava boquiaberto, Gabriel carrancudo, Israel olhava incrédulo e Uriel com um olhar triste.
- Posso ir Pai? – Disse Miguel.
- Sim meu filho, para que veja a verdade do homem, te permitirei partir, tomará contigo a Uriel e tomarão o corpo de um dos meus filhos que lhe permitam e possam carregar a glória de Deus dentro de si, tomarão o corpo dos Portais que estão sob proteção. Miguel tomará o portal que está sob responsabilidade de Gabriel.
- Viaje, pois, ao mundo físico, tome partido na busca pelos justos e será a sua mão a dar o primeiro golpe. Porém meu filho, quando fraquejar, e digo quando, pois sei que irá, Gabriel será enviado, sem o manto negro, para assolar toda a região. – Fez uma pausa olhando para Gabriel que se colocara de joelhos com o rosto ao chão – Este era o plano desde o princípio e assim será. Israel voltará para vigiar o portal que está sob sua responsabilidade, ficará fora dessa contenda, pois assim se cumpre a minha vontade. – Israel fez uma reverência e se retirou da sala. Gabriel levantou-se com o olhar triste, dirigiu-se a Miguel e pousou a mão em seu ombro.
- Sinto muito irmão, não tenho gosto pela matança, sabes bem disso, mas se Meu Pai me diz para fazer eu vou e faço.
- Compreendo irmão, sei bem disso. Farei como meu Pai me Disse e tomarei um portal para que me leve até Sodoma e Gomorra, para que eu veja a iniquidade do homem e encontre os justos e dê-lhes uma chance de se arrepender.
Miguel disse as palavras com tristeza, parecia não ter certeza de que cumpriria tal tarefa, Uriel adiantou-se e tocou o ombro de ambos.
- Cada partícula criada por Deus cumpre o seu propósito, se o Pai nos diz para fazer, nós vamos e fazemos. – Disse com confiança – Vamos ao mundo das crianças, Miguel, vamos lembrar-lhes quem os criou.
Miguel fez uma reverência a Deus e alçou voo, Uriel juntou as mãos e deixou expandir sua aura, o pilar destruído, o teto e o buraco no piso em que estavam voltaram ao estado original de imediato. Fez também uma referência ao Deus Supremo e seguiu Miguel.
- Temos mesmo de fazer isso Pai? Miguel o ama acima de tudo, sei bem disso, mas tem um apego pelas crianças que não pode ser medido, ele nunca fará cumprir a Tua palavra.
Gabriel olhava com tristeza para o chão, não tinha forças para olhar na face de Deus.
- Será feito como eu disse que seria desde a fundação do Universo, tu, meu filho, irá punir Sodoma e Gomorra com o poder que Eu te dei, desde o princípio sabia que Miguel não seria capaz de tal calamidade. – Gabriel o olhou um tanto sentido – Não me entenda mal, meu filho, todos vocês sempre cumprem a minha palavra, mas Miguel nunca fará mal aos homens, é mais parecido comigo do que imagina. Não se sinta ofendido, não estou dizendo que é corja, ou que a algo de mal em ti e teus outros irmãos, mas como disse Uriel, cada partícula que criei segue o fluxo que eu lhes disse na essência que deve ser seguido e a Miguel foi dada a tarefa de proteger meus filhos, aqueles que podem escolher o próprio caminho.
Do lado de fora do Palácio Celeste Uriel voava ao lado de Miguel em silêncio a caminho da passagem que os levaria ao mundo humano. A expressão de Miguel era de pura tristeza, os anjos que encontrava pelo caminho ficavam com expressão preocupada nos olhos, não viam o arcanjo assim desde a queda de Lúcifer. Levaram pouco mais de trinta minutos para chegar à passagem, voaram com o mundo nas costas, lento e sofrido.
A passagem ficava no meio de um vale profundo, cercado por uma floresta multicolorida e montanhas rochosas altas e imponentes, deviam ter pelo menos duzentos metros de altura o que, vendo de cima, dava a impressão de uma verdadeira muralha a proteger o vale e a passagem.
Esta, por sua vez, era feita de pedra maciça, polida e de aspecto indestrutível. Sua superfície lisa e ondulada, dava a impressão de ter sido limada pouco a pouco, a pedra era de um negro fosco hipnotizante. A passagem é composta por dois meio-arcos com pouco mais de dez metros na base e iam se afinando até chegar a um milímetro na ponta superior que se tocavam a altura de aproximadamente trinta metros.
Um véu negro espectral não permitia que se visse por entre eles. Essa construção ficava num tablado feito de mesmo material, porem praticamente plano com o diâmetro de mais ou menos cinqüenta metros. Os arcos tinham inscrições na língua Angélica e desenhos que indicavam a transcendência da matéria.
Miguel desceu dos céus, suave e pesaroso, tocou o tablado e sentiu a corrente de energia atravessar seu corpo, era o teste, se um anjo tentasse chegar ao mundo dos humanos sem autorização divina ou invocação de alguém que lá estava, seria de imediato consumido e destruído. O livre arbítrio é uma lei absoluta para Deus, e nenhum dos seus está autorizado a intervir a menos que o homem lhe convide a estar em sua vida. Uriel pousou e também sentiu a energia percorrer seu corpo, buscando suas intenções e a verdade que trazia.
Miguel dirigiu-se ao portal e sibilou palavras na língua antiga, a língua dos milênios que apenas os arcanjos conheciam.
“Yaveh, Naet no Tumet. Taluc no in, akre in Gaterin Iná no Comuné enda Climárati in no sher kinow in comuné iné nos Ramenô.”
O véu tomou vida e ondulou por alguns segundos enquanto transformava-se num véu em vermelho sangue! Aumentou a intensidade das ondulações até transformar-se num rio de sangue, vertical como uma cascata, Uriel adiantou-se e o cruzou primeiro, Miguel suspirou e seguiu o irmão.
Assim que cruzaram a passagem, chegaram ao mundo que foi dado aos homens, próximo a Negebe, os “Portais” de que tomariam posse eram peregrinos da alvorada e pernoitavam naquelas redondezas. O véu se partiu as suas costas e uma tempestade de areia monstruosa se formou, tinha quilômetros de comprimento e pouco mais te trinta metros de altura, parecia uma parede sólida pronta a destruir tudo. É isso que ocorre sempre que um Arcanjo sem o manto negro chega ao mundo físico, desastres naturais. O planeta não está preparado ainda para recebê-los.
Uriel, Mestre da Matéria, voou acima da parede de areia que se movia em todas as direções, formou um triangulo usando as mãos, focou-se no centro do distúrbio que movia a areia e recitou.
“Mai, Uriel, Sheik Iná no Karnaki, advogo. Reyluxe.”
A areia baixou de uma só vez, fez-se silêncio e calmaria, Uriel inspirou profundamente ainda pesaroso sobre sua missão.
No tempo dos homens eram aproximadamente oito horas da noite, a escuridão já tomava conta das terras em que se podia por os olhos, Miguel sentiu o cheiro, deixou as sensações próprias a este mundo inundarem seu corpo celeste e direcionar sua mente, Uriel fazia o mesmo. Passados poucos segundos seguiram juntos na mesma direção.
A poucos quilômetros dali, que foram vencidos em poucos instantes dada a velocidade dos arcanjos, chegaram num amontoado de tendas e barracas nos arredores de uma pequena cidadela em Negebe, ao centro dessas barracas havia alguns homens e mulheres ouvindo, em volta de uma fogueira, as palavras de um humano ainda moço.
- Eis que o tempo passa e a iniquidade de nossos irmãos está tomando conta dos corações e manchando a memória de nossos antepassados, é hora de despertar meus irmãos, hora de curvar-nos diante do Deus Altíssimo enquanto Ele ainda nos escuta, pois chegará o dia, e não tarda, em que nos será cobrado o preço da desobediência. – Fez uma pausa, pensativo. – Nada será como é hoje e aquele que se voltar contra o Senhor dos Exércitos será punido com fogo.
Alguns dos ouvintes mexiam-se empertigados enquanto outros simplesmente divertiam-se com as palavras, este jovem estava junto de um segundo, de pele escura e face carrancuda, este levantou-se e passou a falar.
- Não haverá misericórdia para aqueles que não buscam a face do Altíssimo e tão pouco haverá pranto por aqueles que forem punidos, nos foi dado o direito de escolher o caminho e cada caminho tem lá suas consequências.
- E quem vocês, porcos, pensam que são? Por acaso julgam-se limpos dos pecados e prontos para ver a face desse Deus impiedoso? – Um homem levantou-se e estendeu os braços de maneira a abranger todos os que ali estavam. – Não há no mundo lugar para falhas? Não há neste Deus misericórdia para com seus filhos? Prefiro eu continuar então servindo a mim mesmo. Nasci escravo e devo morrer escravo? Nasci na sarjeta e não tenho o direito de conseguir comida? Se este seu Deus tem tanto poder assim, para que seja necessário temê-lo, porque não nos ajuda agora. Estamos todos famintos e cheios de doenças, porque acha que não entramos na cidadela? Não somos bem vindos, tidos por escória e corja. Devemos nos considerar então culpados pelo que somos desde que nascemos?
O homem fez uma pausa e voltou a encarar o rapaz que falava sobre seu Deus.
- Não, meu jovem, seu Deus não pode nos assistir, porque é mera ilusão. Eu faço minhas regras e busco minha sobrevivência, não fosse pela minha faca, minha família já teria perecido de fome, não fosse pela minha força não teríamos o que vestir. Nasci escravo e agora sou livre, para ir e vir, se estivesse preso as suas regras, as leis do seu Deus, morreria de fome e sede nas mãos de um senhor tirano e violento.
Algumas pessoas em volta murmuraram em aprovação enquanto outras se afastaram do homem sentindo um pouco de medo.
- Aqui se faz aqui se paga. O Senhor meu Deus é único e Soberano e se houver em ti maldade que não pode ser tratada, tu e tua família vão pagar o preço com suas almas e não com suas vidas, a punição divina será eterna, nossas vidas aqui não passam de um sopro e sendo assim não temos tempo para cometer a maldade e aquilo que o desagrada. Maldito é o homem que não tem honra e não busca a justiça.
Terminou de dizer essas palavras e olhou para o céu, viu os arcanjos os observando e voltou a falar.
- O Senhor a quem sirvo pode fazer muito mais do que imagina sua mente fraca e despreparada, e na hora que lhe aprouver Ele há de mostrar sua face e garanto que neste momento lembrar-se-á de cada palavra que aqui foi dita. Peço agora que procurem em seus corações os pecados que cometeram e arrependam-se, façam conforme toda a lei e busquem a presença de Deus, não há outra forma de salvação.
Terminou de falar e se afastou da fogueira indo em direção ao lado sul do acampamento, onde somente leprosos ficavam. Passou por eles orando e pedindo a Deus que lhes permitisse continuar a viver, que lhes desse uma chance de provar seu valor. O outro jovem que falara lhe seguia de perto, entoando cânticos de louvor ao Deus Tremendo.
Assim que se distanciaram do acampamento Uriel e Miguel foram ter com eles.
- Saúde e Paz aos filhos do Deus Vivo – disse Uriel – Que o Senhor abençoe tu e tua descendência para todo o sempre.
Miguel manteve-se calado.
- Onde está Gabriel? – Perguntou o jovem de pele negra.
- Ficou no Palácio Celeste junto do Deus Supremo, está à espera para cumprir a vontade do Pai assim como nós, que aqui estamos.
O outro jovem adiantou-se.
- Que se passa Uriel? Quem é o irmão contigo?
Miguel abriu a boca e voltou a fechá-la, a tristeza de sua tarefa o preenchia por completo.
- Este é Miguel, o segundo Arcanjo. Veio tomar o lugar de Gabriel na proteção do outro portal.
- Meu nome é Haabi – disse-lhe – Como já lhe disse antes, Uriel.
- Desculpe-me, filho do Deus Vivo, não quis ofender lhe. Não temos muito tempo, o Senhor nosso Deus nos incumbiu de uma tarefa, devemos ir a Gomorra e a Sodoma, buscar por justos e devemos fazê-lo na forma de homens.
Miguel adiantou-se e tocou o ombro de Haabi.
- Peço a ti, filho do Deus Vivo, que me permita tomar o teu corpo e fazê-lo meu, para que possa cumprir a vontade de Meu Pai.
Haabi sentiu a tristeza de Miguel e colocou-se de joelhos.
- Seja feito como deseja Miguel e que se cumpra a vontade de Deus, mas peço somente que me permita saber o que se passa, porque a tristeza toma conta do seu ser.
Miguel tirou as mãos do ombro de Haabi e caiu de joelhos ao seu lado com o rosto enterrado nas mãos e nada disse.
- Temos de procurar por justos em Sodoma e Gomorra, como já lhes disse, e caso não sejam encontrados devemos destruir as cidades e matar todos os homens, mulheres e crianças que ali estão. Servirão de exemplo para os outros, terão menos tempo para praticar o bem e o arrependimento.
Haabi levantou a cabeça estupefato, o outro jovem caiu de joelhos.
- Desculpe Cabian – Disse Uriel – mas também preciso pedir-lhe teu corpo para andar entre os homens e saber da verdade, saber de seus crimes e de suas palavras, e caso não encontre os justos levaremos vocês em segurança para longe das cidades e iremos consumi-las com fogo e cobri-la de sangue.
Cabian levantou-se com lágrimas nos olhos e pulso fechado.
- Seja feito como me pede, Uriel, Mestre da Matéria, e que se cumpra a vontade de Deus.
Uriel e Miguel tocaram os corpos dos homens que ali estavam e desapareceram, os homens retorceram-se de dor por alguns instantes e por fim caíram na areia do deserto, ficaram desacordados por alguns minutos enquanto o silêncio reinava absoluto.
∞
Em meio às areias do deserto, a muitos quilômetros dali, os anjos negros vigiavam, com olhos de falcão as ações dos Arcanjos. Makaliun, Brugos, Death, Akila e Hermut espreitavam sorrateiros e silenciosos em busca de uma brecha que lhes permitiria cumprir a vontade da Estrela da Manhã. Tinham sob seu comando uma miríade de Anjos Negros, todos a postos e preparados para atacar tão logo lhes fosse permitido e o teriam feito a pouco, não tivessem sentido a vibração no véu e a aura de Miguel se aproximando, sabiam que provocá-lo agora não seria prudente.
A miríade de inimigos dos arcanjos estava abaixo do nível da terra, suprimiam suas auras o máximo possível para não chamar a atenção dos arcanjos.
- Perdemos tempo demais com suas estratégias Brugos – Disse Death – teríamos sucesso agora se atacássemos.
Brugos grunhiu agitado e lançou a Death um olhar mortal.
- A estrela da Manhã me deixou no comando justamente por saber que os outros aqui não poderiam cumprir sua vontade, deixou claro que devo aguardar um momento de confusão, não o vi ainda e se Death pensa ter visto julgo que seja um tolo e não deveria fazer parte dos planos de Lúcifer.
Death, cerrou o punho e ia em direção a Brugos com fúria nos olhos, mas foi parado por Akila.
- Já temos problemas demais aqui, se falharmos hoje não haverá misericórdia e a Estrela da Manhã irá extinguir nossa existência, concentre-se em sua tarefa Death. Colocou o dedo no peito nu do Anjo Negro e virou-se para falar com Brugos. – E você, criança, não está no comando por ser o melhor de nós, está no comando para gerar contenda que é e sempre será a vontade máxima de nosso mestre, não se iluda.
Brugos sorriu com desdém.
- De fato, temos trabalho a fazer.
Sentiram um abalo de força espiritual monstruoso.
- Eles despertam.
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O corpo de Cabian foi levantando-se de vagar, ao seu lado Haabi já estava de pé, expressão triste, porém decidida. Miguel, que ocupava o corpo neste momento, faria cumprir a vontade do Pai.
- Devemos nos apressar, levaremos três dias viajando neste corpo, não quero me demorar por aqui, podemos quebrá-los. – Conter um Arcanjo em corpo humano demanda muito poder espiritual do humano e concentração do Arcanjo, se tiverem que deixar o corpo de imediato para uma batalha certamente a morte cairá sobre o portal, assim como se ficassem no corpo por muito tempo.
Uriel ficou de pé e sentiu o ar, havia algo de errado, sentiu o cheiro do ar, sentiu as vibrações da terra e da natureza.
- Anjos Negros e demônios, muitos deles, estão em toda parte.
- Também os sinto, mas é normal que estejam aqui, estão afligindo e destruindo a vida dos homens que lhes dão essa chance – Miguel baixou a cabeça e inspirou profundamente. – Vamos seguir nosso caminho, essa contenda não nos diz respeito.
A viagem a pé entre Negebe e Gomorra levaria no mínimo três dias, mesmo na velocidade acima do normal e tendo em vista que seria possível viajar dia e noite, cruzar o deserto em um corpo físico não é tarefa fácil.
Iniciaram uma corrida em meio a escuridão noturna e as dunas de areia no deserto, tanto Uriel como Miguel permaneceram calados por um bom tempo. Quando estavam a pouco mais de três quilômetros de distancia do ponto de partida os Anjos Negros deram ordens ao exercito sob seu comando para que seguissem os arcanjos.
A viagem foi dura e cansativa, descobriram que para um tempo tão extenso de possessão era necessário cuidar do corpo com mais frequência, alimento, água e descanso tornaram-se necessários o que fez com que a viagem levasse muito mais tempo do que o previsto, levaram quase cinco dias para cruzar o deserto escaldante e as noites frias. Por fim, na Manhã do quinto dia de viagem chegaram aos limites de Gomorra, ficaram por ali, orando e conversando até que sentissem que era tempo de ir adiante, e no final deste quinto dia, entre orações e clamores sentiram o toque do Senhor e marcharam a caminho da entrada da cidade.
“E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló sentado à porta de Sodoma; e vendo-os Ló, levantou-se ao seu encontro e inclinou-se com o rosto à terra” (Genesis 19:01)
Ló era um homem já de idade um tanto avançada, pele morena própria aos daquela região, estatura mediana, servo do Senhor dos Exércitos, estava ele sentado à entrada da cidade ao final da tarde, sentindo a mudança do clima, e com expressão preocupada, pois tivera sonhos em que sua casa era destruída e sua descendência amaldiçoada.
Olhando para fora dos portões da cidade viu que vinham em sua direção dois homens e com eles um poder espiritual que ele jamais havia sentido, quando os homens estavam a pouco mais de vinte metros de distância, Ló pode ver que não vinham sozinhos, dois anjos estavam como que dentro de um corpo que não os podia conter, os homens moviam-se conforme os anjos e Ló entendeu que estavam ocupando os corpos dos humanos. Correu e direção aos anjos e prostrou-se colocando sua face na terra.
“E disse: Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite, e lavai os vossos pés; e de madrugada vos levantareis e ireis vosso caminho...” (Genesis 19:02)
Miguel olhou para Ló com amor e também com pena, ficou calado e Uriel adiantou-se.
- Grato somos, Filho do Deus Vivo, todavia temos aqui uma missão e para cumpri-la temos que passar a noite em vossas ruas e buscar aqui servos do Pai.
Ló sentiu um medo tremendo, conhecia a iniquidade da cidade e sabia que os anjos seriam molestados como forasteiros e tidos por corja e seriam atacados pelos moradores dali, adoradores de Baal.
- Peço-vos pois, que pernoitem comigo, minha casa será sua casa e a vontade do pai à de se cumprir, como em tudo o que Ele deseja, peço-vos, deem a este homem a graça da presença dos Anjos do Senhor em sua casa.
Miguel dobrou um dos joelhos e tocou no ombro de Ló.
- Que seja feito como quer, amado. Passaremos a noite em tua casa e a vontade de Deus à de se cumprir.
Uriel adiantou-se para questionar, mas Miguel apenas levantou as mãos em sua direção, como que pedindo-lhe uma chance. Uriel pensou por alguns instantes e decidiu-se.
- Assim seja, como disse o Filho do Deus Vivo, vamos passar a noite em sua casa.
Ló levantou-se com lágrimas nos olhos, e indicou o caminho aos anjos. A cidade não era muito grande, mas ainda sim divida-se em muitos bairros, havia uma rua principal que cortava toda a cidade, esta seguia sinuosa entre os bairros, passando pelo centro mercantil. As casas pareciam feitas de barro, tinham aparência fraca e velha. Enquanto passavam toda a gente que ali estava olhava com curiosidade para os homens que seguiam com Ló a passos largos. Caminharam cerca de trinta minutos e a noite começava a cair quando entraram na casa de Ló.
Era uma casa pequena, um piso superior acessado por uma escada de madeira e o piso térreo, nada mais. Ló entrou, trancou a porta ao passar, ofereceu aos convidados bancos para que se sentassem e seguiu ao fogão para acender o fogo e cozer pães.
“... e vieram com ele, e entraram em sua casa; e fez-lhes banquete, e cozeu bolos sem levedura, e comeram” (Genesis 19:03)
Miguel e Uriel comeram muito, visto que os corpos que ocupavam clamavam por alimento, quando terminaram sentiram o peso em seus estômagos e riram de si mesmos, jamais haviam ocupado um corpo por tempo que lhes fosse necessário o alimento e tão pouco haviam sentido antes fome.
- Eis que prepararei para os senhores uma cama de palha, para que possam deitar-se e descansar e amanhã farão conforme a vontade do pai.
- Faremos assim então, descansaremos em sua casa, Ló, servo do Deus Vivo e tão logo o sol nos agracie com sua luz, sairemos e andaremos pela cidade e eis que se cumprirá a vontade do pai.
E quando preparavam-se para dormir ouviram passos de várias pessoas se aproximando da casa, de repente várias batidas na porta e um homem passou a gritar.
- Ló, meu amigo. – soava com sarcasmo e embriagues – Traga-nos os homens que contigo estão para que possamos conhecê-los, não é bom que um forasteiro se esconda dos cidadãos.
Gargalhadas, muitas delas, tomaram conta do ambiente. Ló arregalou os olhos. Uriel estava com uma expressão fria e destrutiva. Miguel, ao contrário do irmão, encontrava-se boquiaberto, tomado pelos sentimentos dos humanos, conseguia discernir desejo de sangue, dor e morte. Conseguia sentir a diversão que eles tinham em praticar o mal.
Ló adiantou-se e correu até a porta.
- Peço-vos irmãos, que não façais mal aos meus convidados, se por bem acharem, tomem para ti minhas filhas e façam como bem entendem, mas a estes homens não façam mal, suplico-vos. – Ló estava em pânico, tomado por medo, não queria que suas filhas sofressem, todavia não queria que os anjos do Senhor se irassem.
- Talvez tome eu as tuas filhas, Ló, mas somente depois de conhecer os teus convidados e tomar deles o que eu quiser. – Novamente gargalhadas encheram o ambiente e dessa vez as batidas na porta eram mais fortes e a porta parecia que ia ceder. Miguel caiu de joelhos chorando e repetindo – Perdoai seus filhos, ó Pai, eles não sabem o que se passa, da a eles mais uma chance. – Terminou de dizer essas coisas e prostrou-se, Uriel irou-se sobremaneira e seguiu para a porta.
- Saiam daqui, homens de má fé e maus caminhos, tenham certeza de que a ira do Senhor cairá sobre suas cabeças. – Uriel estava rugindo e Ló se colocou de lado da porta.
Do lado de fora as batidas ficaram mais fortes e a porta começou a estalar, a madeira partiu-se e foi possível ver do lado de fora, uma multidão como que de toda a cidade estava por ali, amontoados, rindo doentiamente, olhos arregalados, às costas dos homens e mulheres diversos demônios riam e zombavam dos anjos.
- Não conhecemos o seu Deus. – Disse um dos homens – Não podemos seguir ordens de um ser que nunca foi visto. Estouraram novas gargalhadas entre homens, mulheres e crianças que ali estavam.
Uriel estendeu as mãos na direção da porta, recitou um encantamento e o que ainda restava da porta explodiu derrubando todos os homens e mulheres num raio de cinco metros em volta da casa.
- Não podem vê-lo dizem vocês. – Disse entre dentes saindo da casa sob o olhar assombrado de humanos e dos demônios que ali estavam. – Então passarão as ultimas horas de suas vidas sem nada ver, apenas sentindo o terror e ouvindo os sons agourentos da morte. Eu, Uriel Arcanjo, destruirei essa cidade e tomarei a vida de vocês e o Arcanjo Renegado, a Estrela da Manhã tomará vossas almas e as carregará para o inferno onde não há brisa, não há frescor, não a mansidão. Lá haverá choro e suplicas de misericórdia e no entanto tudo que receberão é o que lhes cabe, sangue e dor.
Abriu os braços e concentrou-se por alguns instantes.
- Não o deixem recitar o encantamento. - Rugiu Brugos – Ataquem agora.
Milhares de anjos negros chegaram, Uriel olhou assustado enquanto os inimigos aproximavam-se em velocidade alucinante.
- Faça. – Ouviu Uriel, as palavras vinham da alma de Cabian. Uriel gritou ferozmente e abandonou o corpo do portal. Um brilho imenso se fez, Cabian caiu já morto no chão, Uriel soltou um grito agourento de puro ódio, seu corpo foi tomado por chamas, o fogo afugentou os anjos negros que vinham em sua direção, ele virou-se para Miguel que ainda chorava com o rosto em terra.
- Miguel, seu tolo – Fúria incompreensível tomara conta de Uriel neste momento e ele gritava e seus gritos estouravam como trovões – O que ainda faz ai em prantos? Leve Haabi para longe daqui. Volte e pegue também Ló e suas filhas. Ló vá procurá-las.
Miguel levantou-se com dificuldade e partiu da cidade as pressas sob o olhar assustado dos homens que ali estavam, Ló viu os demônios fazendo cerco em Uriel e desatou a correr em busca de sua família. Miguel forçou o corpo de Haabi o máximo que pode, corria desenfreado. Correu por quase uma hora chegando a uma campina onde poderia deixar o corpo de Haabi em segurança. Sentou-se no chão e cruzou as pernas, concentrou-se ao máximo e abandonou o corpo, assim que o fez o humano tombou de lado, respirava com dificuldade.
- Vá...arf arf arf, tire Ló daquele lugar de morte.
Miguel fez um aceno e partiu em velocidade monstruosa.
Assim que Miguel e Ló partiram Akila surgiu com Death a seu lado, suas armas Sagradas em suas mãos emitindo fogo! Atrás dos Generais milhares e milhares de anjos negros, Uriel tinha expressão dura.
- Acabo de tirar a vida de um justo, filho de meu Pai, acha que o numero de vocês será o bastante pra aplacar minha fúria. As palavras saíram como o rugido de muitos leões, nunca se vira na história Uriel demonstrar tanta sede de morte.
- Não somos os mesmos do dia da guerra, Uriel, não pense que seus truques vão parar nossa vontade de servir a Estrela da Manhã e a oportunidade de tirar de Deus um de seus protegidos – Disse Akila com desdém. – Vamos destruí-lo, tomaremos sua arma e exibiremos sua carcaça morta aos seus amigos. – Deu uma gargalhada selvagem e disparou contra o arcanjo, seguido de perto por Death e uma centena de anjos negros, todos selvagens e furiosos.
Uriel girou a lança sobre a cabeça algumas vezes ao passo que se formou um circulo de fogo, ele o arremessou contra a horda que vinha em sua direção, Death, Akila e alguns anjos negros esquivaram-se, mas trinta deles não tiveram a mesma sorte e foram consumidos de imediato pelo fogo.
Death girou sua foice e desenhou um arco na direção do arcanjo, o golpe foi crescendo a medida que se aproximava de Uriel e a instantes e acertá-lo foi bloqueado por um escudo conjurado por este. O escudo cobria todo o tamanho de Uriel, com quase três metros de altura por um de largura, tinha detalhes em relevo por toda a extensão com imagens de um leão rugindo e fogo por toda a volta.
Pelo lado oposto ao ataque de Death, dois anjos negros, grandes e vorazes, tentaram acertar o arcanjo, que gingou para trás evitando o primeiro golpe enquanto partia o adversário em dois, o segundo tentou afastar-se mas a lança trespassou o peito e ele ficou cravado na mesma, Uriel olhou os outros inimigos.
- Venham crianças, tenho muita sede hoje. Minha Lança não se alimenta a milênios. – Sacudiu a lança atirando o Anjo Negro, sem vida, para longe, Death já havia enviado outro ataque, parecia ser a estratégia dos generais, manter-se longe enquanto os anjos negros atacavam, Uriel refletia sobre isso quando Akila, veloz e mortal, aproximou-se ao ponto de colocar sua espada, Destruição de Divindade a milímetros do peito de Uriel, que moveu-se rápido e desviou o golpe com sua lança girando o corpo e acertou o escudo com força descomunal no general que partiu para o solo como um míssil, destruindo algumas casas que ali estavam, a luta abandonara de uma vez por todas o concebível ao plano espiritual, os generais, anjos negros e arcanjos, estava lutando em ambas as esferas e não havia maneira da cidade sobreviver ao impasse.
Uriel subiu girando, o feixe de fogo lançado no segundo ataque por Death passou longe de seu alvo, cinco anjos negros o aguardavam acima, Uriel girou o corpo esquivando o primeiro e lhe aplicando um chute de cima para baixo e lançando este para o chão também em uma esfera de fogo que destruiu outras casas. Continuou subindo, e atirando anjos negros para baixo, quando estava acima da cidade e de todos os anjos negros desceu em velocidade inexplicável, passou pela nuvem de anjos negros, dos aproximadamente sessenta que ali estavam, nenhum ficou vivo, todos caíram em chamas em direção ao chão.
Nesse ponto todos os anjos que estavam a distancia, pelo menos três mil anjos negros, moveram-se como uma torrente maligna de encontro a Uriel, o arcanjo sussurrou algo ao escudo, este se transformou em cinco espadas, não emanavam fogo, mas eram armas tão poderosas como se podia esperar que o mestre da matéria seria capaz de conjurar. Por fim Uriel estendeu os braços e soltou sua lança, esta ficou flutuando a sua frente os punhos de Uriel cobriram-se de ouro com clavas afiadas e pegaram fogo, todo o corpo do arcanjo estava coberto por chamas, as cinco espadas giravam em torno do Arcanjo e este partiu em direção dos inimigos.
Death e Akila, posicionaram-se um de cada lado da nuvem de inimigos que envolvia Uriel, que no centro, matava Anjo Negro após o outro, de onde estavam lançavam esferas de energia e fogo contra o arcanjo, os ataques pareciam uma coreografia e sempre que Uriel desviava de um o outro vinham em sua direção, passaram pouco mais de uma hora nessa situação, metade dos anjos negros já havia caído, Uriel estava cansado, três das cinco espadas haviam sido destruídas e alguns arranhões cobriam sua pele, resultado do ataque combinado dos infernais e dos generais.
Miguel levou segundos para voltar a Sodoma, sentiu a batalha entre Uriel e os anjos negros e voltou-se para a cidade, buscando por Ló e seus familiares, sabia para que lado seguir e o fez.
Encontrou Ló em meio a escombros de uma das casas destruídas, retirou-o de lá e o reanimou.
- Não encontrei minha mulher ou minhas filhas, preciso delas.
- Vem comigo, vamos tirá-las daqui.
Passaram por algumas ruas e alguns becos e finalmente estavam na casa onde as filhas deveriam estar, a casa de seus pretendidos. Estava destruída também. Miguel retirou cinco corpos de lá, a mulher de Ló, suas filhas e seus pretendentes, estes estavam desacordados.
- Vamos tirar dois de cada vez daqui - disse Miguel, depois voltamos para retirar os outros.
Miguel pegou Ló e sua mulher, um em cada braço, Ló desfaleceu. Não podia ir em velocidade alucinante, os humanos não sobreviveriam, levou cerca de meia hora para chegar ao cume de um monte nos arredores da cidade, depositou os dois ali e voltou-se para a cidade, duas centenas de anjos negros surgiram, gritando e blasfemando, urrando de ódio. Miguel sacou sua espada e partia contra os inimigos quando sentiu a presença de Brugos as suas costas, virou-se e viu que o General estava com a espada colocada a milímetros do pescoço de Ló e o pé estava pressionando o pescoço de sua mulher.
- Não meu irmão, você tem contas a acertar conosco, não vai...
Antes de terminar de falar perdeu Miguel de vista e levou um soco violento no estomago que o jogou contra a montanha fazendo um grande estrondo e levando o cume do monte a deslocar-se e uma avalanche de rochas foi em direção ao chão.
Em velocidade ainda incrível Miguel acabou com as centenas de inimigos que ali estavam em questão de segundos, apenas passou por eles e pronto, estavam mortos. Voltou a montanha a fim de lutar contra Brugos, mas ele não estava mais lá, fez uma busca na região tentando sentir ou encontrar oponentes, mas nada encontrou, ficou alguns minutos escondido esperando para ver se um infernal iria aparecer e depois de se convencer de que estavam seguros partiu para a cidade para pegar as filhas de Ló e seus pretendentes.
Chegou lá em segundos e novamente partiu, quando estava partindo sentiu um abalo no véu, sentiu a chegada de um arcanjo, acelerou o máximo que pode para chegar ao monte e deixar ali os humanos, filhos do Deus Vivo.
Ao chegar no monte, Ló e sua mulher estavam acordados, disse-lhes.
- O Deus tremendo ordena que partam agora, não haverá destruição para vossas almas, eu mesmo os levarei a um lugar seguro. Todavia não devem olhar para a cidade, devemos partir agora.
Ló e suas filhas viraram-se chorando para o outro lado e começaram a andar, caminharam por algumas horas no monte com a cidade a suas costas, perto do amanhecer viram que o céu tornou-se negro e que esferas de fogo caiam do céu indo em direção a cidade que acabaram de abandonar, Ló chorava muito, triste pelos que morreriam lá, suas filhas também choravam pelos futuros maridos que ali ficaram, e então a mulher de Ló virou-se para trás a fim de ver a cidade. Assim que se virou viu o fogo consumindo tudo, vou a destruição tomando conta de tudo, sentiu o corpo formigar e começou a sentir uma dor terrível, enquanto o corpo tornava-se uma estátua de sal.
Miguel olhava com tristeza, sabia que não cabia perdão ao que mostrasse arrependimento.
Ló baixou a cabeça e continuou a andar com as filhas.
Uriel já lutava a pouco mais de duas horas, menos de quinhentos inimigos estavam a sua frente, mas o uso continuo de seus poderes estava lhe trazendo fadiga, não contava com isso, lutou por mil dias contra todos os anjos e mal se cansou, devia ter relação com o plano físico. Sentiu o abalo no véu, sentiu a presença titânica de Gabriel. Respirou fundo e continuou a digladiar com os inimigos. Agora tanto Akila quanto Death estavam também na linha de frente, não tinham mais tanto poder para conter o arcanjo, sentiram também o abalo no véu a perceberam a presença de Gabriel, aproximando-se muito mais rápido do que eles haviam previsto.
Akila afastou-se, girou sua espada acima da cabeça e lançou para os céus uma bola de fogo que a certa altura explodiu e transformou-se em uma caveira.
Baal Liurf viu o sinal e fez um corte na própria mão, um pentagrama com pelo menos um quilometro de raio estava desenhado com sangue na planície deserta. Recitou um encantamento na língua da Estrela da Manhã e colocou as mãos sobre o centro do pentagrama, nesse momento uma explosão abalou o véu e cerca de dez mil guerreiros do inferno saíram de lá, Anjos Negros e Demônios, passaram velozes pelo portão aberto, que fechou-se em aproximadamente um minuto, deixando Baal Liurf inconsciente e indefeso.
Gabriel dirigia-se para Sodoma, viu o sinal, sentiu o abalo no véu e imprimiu mais velocidade, subiu o máximo que pode e desceu como águia, não tirou a espada da bainha, e mesmo assim o poder que o envolveu era absurdamente grande, transformou-se num meteoro e passou direto pela batalha entre Uriel e os anjos e generais, colidiu contra o chão e uma vasta muralha de fogo percorreu toda a cidade, matando toda a vida que havia ali. Dos quinhentos anjos negros que lutavam com Uriel, apenas trinta sobreviveram a passagem de Gabriel, isso incluindo os dois generais, que estavam completamente assombrados com o acabaram de ver, assim que Gabriel se colocou ao lado de Uriel, grandioso e poderoso, os reforços infernais chegaram a cidade, com eles vieram os generais, Brugos e Makaliun, ambos com suas armas, clamando por batalha, em mãos.
- Vim cumprir a vontade de meu Pai para com os homens que aqui estão, são culpados, peço que se retirem irmãos, o tempo de tomar suas existências não é este. – A voz de Gabriel soava como trovões em uma tempestade, alguns dos demônios choramingaram amedrontados, os anjos negros exibiram dentes pontiagudos e colocaram a espada a frente de seus corpos em tom desafiador. Os quatro generais se colocaram a frente do grupo.
- Irmãos, arcanjos. Hoje é dia de vingar nossa batalha vergonhosa. Hoje mostraremos a vocês o que ser leal a Estrela da Manhã pode nos trazer. – Death estava mais a frente e apontava sua foice para os arcanjos.
- Sinto réstia da presença de Hermut, onde está o outro general? – Disse Gabriel sem dar atenção às palavras de Death. – Essa contenda não terá benefícios para vocês se não estiverem todos aqui, e mesmo estando todos, não creio que possam parar a fúria da mão esquerda de Deus – Gabriel fez uma pausa e inspirou profundamente. – Foi-me dada ordem para destruir tudo que viva aqui, se não saírem serão também destruídos.
- Não vamos correr de arcanjos nojentos – Gritou um dos anjos negros em meio a miríade de inimigos. – Somos guerreiros da Estrela da Manhã, tão fortes quanto já fomos antes e estamos aqui hoje para tomar a vida de um protegido.
Gabriel ponderou sobre as palavras por um instante enquanto urros de ferocidade corriam pela multidão de infernais.
- Uriel, onde está Miguel agora?
- Senti-o retirando a família de Ló da cidade e depois não o senti mais.
- Onde estão os recipientes que vocês tomaram?
Uriel baixou a cabeça e novamente o ódio tomou conta de suas feições, disse entre dentes.
- Tomaram-me de assalto, tive que abandonar o corpo de imediato, não tive escolha, meu protegido morreu. - Assim que disse isso arregalou os olhos. – Porque haveriam eles de querer um portal, que uso fariam deste dom?
- Não sei, mas menos mal que o seu está morto, espero que Miguel tenha protegido bem o homem que lhe serviu.
∞
Makaliun viu Miguel saindo da cidade, manteve-se as alturas, com o poder espiritual quase que completamente suprimido, acompanhou Miguel por uma hora e o viu esconder o corpo do portal em uma campina, esperou o arcanjo sumir de vista e desceu.
Tocou o solo ao lado do portal com leveza, fitou por um momento. Como poderia um humano ajudá-lo a ser mais poderoso? Perguntou a si mesmo, ficou ali por alguns instantes até que o portal notasse sua presença, Haabi tentou levantar-se, mas o corpo estava fraco demais, estendeu as mãos na direção do general e ia proferir palavras santificadas, mas levou um golpe violento no rosto e desmaiou.
- Hoje não, filho do altíssimo, hoje não.
Tomou-o nos braços e começou a andar, a fim de não chamar atenção dos arcanjos teria de seguir a pé, seria uma caminhada de pouco mais de cinco horas, quando chegasse ao local marcado já estaria o dia próximo a nascer, e assim foi. Quando chegou a planície, um exército de demônios saía de um grande portão infernal aberto, o exército passou e o general se dirigiu a um demônio que estava desacordado no centro do portão que ao se fechar deu lugar a um pentagrama queimado e fedorento, desenhado no chão.
Quando alcançou o demônio deu-lhe um chute no estomago, de leve, que o fez acordar com um brilho mortal nos olhos.
- Senhor, minha existência, quase se extinguiu, tenha um pouco de paciência.
- Acha que os arcanjos terão misericórdia quando derem falta deste portal? Não, não haverá misericórdia e quero estar longe quando isso acontecer, pague o tributo e vamos acabar com isso, em breve terá de abrir o portão para meus irmãos.
- Como queira, general.
Baal Liurf fez um corte no pulso do general, depois o general fez um corte no pulso de Haabi, derramaram o sangue num pote e Liurf dirigiu-se ao centro, recitou o encantamento e enviou a ambos, General e Portal pelos portões do inferno. Liurf cambaleou e caiu sentado. Estava exausto, mas ainda precisava abrir os portões do inferno uma ultima vez, quando os outros generais voltassem da batalha, isso se voltassem, sentia uma presença destruidora tomando conta de tudo que ali estava, era sufocante.
O Baal dirigiu-se para fora do grande pentagrama que ali estava e outros demônios começaram a desenhar um novo. Pintavam-no com sangue e essência que estavam dentro de jarros de barro, Liurf fez um novo circulo em volta do pentagrama, o mais distante que pode usando o próprio sangue, sua própria essência. Este devia estar a um raio de cem metros do pentagrama, recitou um encantamento durante quase uma hora, quando terminou desfaleceu novamente.
Não tinha certeza de quanto tempo ficou ali, mas um demônio que lhe servia o carregava de volta ao centro de pentagrama quando despertou, olhou para o pentagrama e de volta ao local onde a batalha se desenrolava, dos dez mil guerreiros que haviam iniciado a batalha, pouco mais de mil deles estavam de pé e vinham em direção a eles agora, em fuga desenfreada.
Liurf foi colocado no centro do pentagrama e assim que tocou o solo virou-se para eles, concentrou-se e iniciou a abertura do portão.
Gabriel foi tomado por uma fúria que nem mesmo Uriel conhecerá, ele nem o ajudou mais em batalha, apenas se defendia dos inimigos que vinham, já quase mortos em sua direção, em pouco mais de meia hora metade dos inimigos já estava morto, Gabriel, a Mão Esquerda de Deus estava absolutamente mortal.
Girava em todas as direções em velocidade tal que seus inimigos apenas caiam, Death, Akila, Makaliun e Brugos disparavam alucinadamente contra o arcanjo a uma distancia segura, mas não chegaram nem perto de acertá-lo, por vezes Gabriel fora na direção dos generais e não fosse o muro de proteção proporcionado pelos anjos negros e demônios, já teriam perecido.
Viram um brilho rubro no horizonte, era o sinal que aguardavam, Akila deu uma ordem aos anjos negros que estavam mais próximos, cerca de trinta guerreiros e estes concentraram todo o poder que lhes restava em um ataque unificado, junto com os generais. A união dos ataques formou uma espiral de fogo negro, criando um abismo como um buraco negro que se dirigiu em alta velocidade na direção de Uriel. Gabriel abandonou o campo de batalha, usando sua velocidade descomunal e colocou-se entre Uriel, que estava debilitado, e a espiral negra. Elevou seu poder ao máximo que pode e desferiu um soco monstruoso contra a espiral negra, que, assim que atingida, trincou e partiu como se fosse algo solido, Gabriel ainda lutava sem o uso de sua espada, apenas com o poder de seus punhos. Assim que a espiral se partiu houve uma explosão que atingiu o titã em cheio e a força da explosão o jogou ao solo, dezenas de casas foram destruídas e uma cratera se formou, seguida a explosão uma penumbra tomou conta de tudo. Gabriel levantou-se e voltou ao campo de batalha que agora estava vazio, os inimigos partiam para longe dali.
- Tem algo errado Uriel, não é do feitio deles fugir a batalha, eram nossos generais, só desistem da batalha se lhes for ordenado assim.
- Tem razão, meu irmão. Não sei o que está havendo, mas precisamos descobrir já.
Abaixo deles alguns anjos negros que ainda estavam vivos, porém muito debilitados começaram a sacar as espadas e cortar a própria garganta, Gabriel percebendo o que se passava voou ligeiro até o mais próximo deles e evitou que se matasse.
- Não pense que será assim tão fácil criança. Desejo saber o que sabe, e não há formas de me esconder. – Gabriel tomou o Anjo Negro pela garganta e levantou-o, este tentou cortá-lo com a espada que ainda tinha em mãos, o arcanjo parou o ataque com os dedos, segurando a lamina da espada, forçou um pouco e a lâmina se partiu. O Anjo Negro largou a meia espada e desferiu um soco no rosto do arcanjo, seu punho estalou e ele soltou um gemido de dor.
- A Estrela da Manhã nunca me perdoará se eu lhe falar, arcanjo. Prefiro morrer pelas suas mãos do que viver pelas mãos dele.
- Meu caro, acha que meu irmão é o único que sabe como causar dor? Acha que eu matarei você sem a resposta que procuro?
O Anjo Negro o olhou assustado, sabia que os Arcanjos não blefariam, ele estava mesmo disposto a ter a resposta, refletiu um pouco sobre o assunto.
- Se eu lhe contar o que sei, que não é muito, promete-me que me matará.
- Que seja feito como diz. – Disse Gabriel – E não o deixarei sofrer.
- Tínhamos ordens de ocupar os arcanjos enquanto meu mestre tomava posse de um dos protegidos do altíssimo, ele os quer para si, só sei disso.
Gabriel fitou o Anjo Negro por algum tempo e em seguida desembainhou a espada espetou no coração do Anjo Negro, este foi consumido por completo ainda nas mãos de Gabriel.
- Não entendo o que quer a Estrela da Manhã com um portal. – Disse Uriel – Isso não faz sentido.
- Nada do que nosso irmão faz, tem sentido algum, no entanto ele e sua corja de seguidores estão sempre por ai, nos surpreendendo, devemos procurar Haabi e mantê-lo seguro.
Expandiram a aura o máximo possível e nada conseguiram sentir, além dos humanos que ali estavam.
- Procure por Miguel, deve estar escondendo a família de Ló. Devo voltar a Sodoma e destruí-la e de lá irei para Gomorra a fim de cumprir a vontade de meu pai.
Sem esperar resposta de Uriel alçou voo e segui para o centro da cidade, subiu as alturas, acima das nuvens. Lá, com a espada em mãos, girou, rápido como um furacão, o girou transformou-o em um borrão disforme que pegou fogo, e deste turbilhão em chamas foram atiradas, em todas as direções de Sodoma, bolas de fogo que destruíram tudo, toda a vida que havia ali em questão de minutos.
Gabriel parou o giro abruptamente, seus olhos em fogo vivo, virou-se na direção de Gomorra e para lá foi, concluir sua tarefa.
Uriel olhou para a cidade, triste e cansado. Virou-se para o deserto e partiu em busca de Miguel, forçou mais uma vez sua aura a se expandir e desta vez captou o rastro de Miguel. Aumentou a velocidade ao máximo e sentiu que Miguel também expandia a sua aura, devia ter deixado os humanos em local seguro.
Poucos segundos de voo e muitos quilômetros depois encontrou-se ainda nos céus com seu irmão.
- Miguel, meu irmão, onde está Haabi? Deixou-o junto da família de Ló?
- Não. Deixei-o numa campina longe do campo de batalha e dos olhos do inimigo. O que houve? Gabriel terminou a tarefa que meu Pai lhe incumbiu?
Uriel baixou a cabeça com tristeza.
- Sim. – Disse com a voz um tanto rouca – Está a caminho de Gomorra agora, deve destruí-la em breve.
Miguel deixou-se calar por alguns momentos e então partiu na direção de Haabi, forçou sua aura o máximo, ou Haabi estava desfalecido ou algo pior, pois não sentia resquício algum do portal. Aumentou a velocidade alarmado, seguido de perto pelo Mestre da Matéria. Levaram poucos segundos para chegar ao local e para desespero de Miguel o portal não estava lá.
De súbito percebeu que toda a presença infernal que estivera por ali toda a noite desapareceu.
- Gabriel matou todos? Generais, Anjos Negros e Demônios?
- Negativo, fugiram do campo de batalha, usaram um truque e conseguiram tempo o suficiente para se afastar, devem ter usado um grande portal, só posso crer que Baal Liurf estava a frente do transporte, assim que deixaram o campo de batalha perdemos de vez sua presença.
- O que haveriam eles de querer com um portal? - Miguel estava confuso, e nervoso. Sentia-se culpado. Se algo afligisse Haabi, seria ele, Miguel, o culpado.
- Devemos voltar ao palácio de meu pai e segredar-lhe os eventos desta noite, não sei o que planeja a Estrela da Manhã, mas conseguiu me fazer de bobo hoje, tenho certeza absoluta de que não se repetirá.
Subiram aos céus e cruzaram o véu mediante os encantamentos proferidos por Uriel.
Longe de tudo isso, do outro lado dos portões do inferno, estavam os sobreviventes da batalha, Baal Liurf estava completamente indefeso ali, completamente exausto, a Estrela da Manhã o incumbira de uma tarefa perigosa e difícil. Haabi era conduzido por Akila e Hermut às masmorras mais profundas e temidas, onde a Estrela da Manhã moldava as almas a seu modo e transformava a tudo conforme sua vontade, lá os gritos eram agourentos, a dor inexplicável e a violência desenfreada. Só perdiam espaço para os gritos e gargalhadas dos servos de Lúcifer.
- Hoje meus caros – Disse o Arcanjo da Noite – É tempo de comemorar, pois iniciamos a tomada do reino de meu Pai.
Deu uma gargalhada doentia, ao que Haabi despertou, em seus olhos havia fogo, sangue e morte. Chorou, seus lábios colados com a pele derretida, chorou sangue, pois onde estava não haveria salvação. Orou a Deus que lhe guardasse do mal e por fim desmaiou.