14 – A Fúria de Uriel
Ana e Jack passaram pelo menos duas semanas sem avistar nenhum traço de vida humana, apenas os animais selvagens e a florestas lhes fazia companhia.
Encontraram mais duas vilas indígenas abandonadas e nenhum sinal de embarcações. Jack perdeu as esperanças de seguir às margens do rio que haviam encontrado e decidiram procurar um local alto, talvez o topo de uma montanha, que lhes permitisse ter uma visão mais ampla da região, com sorte seria possível visualizar algo que lhes trouxesse um fio de esperança, algo que obviamente estavam perdendo doa após dias perdidos no seio de uma floresta sem fim.
Já estavam perdidos na mata a mais ou menos três semanas. Mesmo com todos os problemas de trajeto, comida, água e animais selvagens, consideravam muita sorte ainda estarem vivos e em boas condições. Desde o início da viagem tiveram sorte para conseguir abrigo em noites chuvosas ou uma área ampla onde pudessem acender uma fogueira e espantar animais selvagens.
A comida era escassa. O cardápio não fugia muito a frutas e ervas que aos poucos foram aprendendo a “gostar” ou pelo menos mastigar no intuito de manter algum alimento no estômago e nutrientes que lhes desse força para prosseguir viagem. Fora isso, vez ou outra Jack conseguia uns poucos peixes quando estavam próximos ao rio, coelhos e animais de pequeno porte no meio da floresta, mas poucas vezes comeram de se esbaldar de maneira que pudessem recuperar as energias. Estavam ficando fracos e, caso esse quadro complicado persistisse, as chances de chegarem à civilização, ainda vivos, seria bem pequena.
Após mais um dia de longas caminhadas seguindo ao sul, onde à poucos dias haviam avistado uma montanha monstruosamente alta, o sol começava a baixar e estava na hora de encontrar um lugar para pernoitar. O dia foi fatigante, estavam exaustos, o caminho para a montanha havia se mostrado um verdadeiro desafio a altura de nativos em busca de respeito.
Jack não se lembrava de ter passado por nada que pudesse servir de abrigo, não que fosse necessário, visto que a noite estava quente e agradável, mas a mata vinha ficando tão fechada que poucas clareiras em condições de servir de uma base segura foram avistadas.
A encosta da montanha estava a mais ou menos um dia de caminhada, logo, crateras ou cavernas estavam longe de serem facilmente encontradas. Teriam de improvisar esta noite, como em muitas outras, fazendo um circulo com fogo, já que não estava chovendo, e manter-se em alerta.
Ana começava a dar sinais de cansaço extremo, movia-se muito lentamente, isso era provavelmente culpa da dieta a base de frutas e ervas, somando ao estado físico debilitado o estado psicológico, o medo tomou conta de sua mente após o ataque de onça que sofreram, o que lhe fez ficar com o sono muito leve, passando boa parte da noite acordada e se mexendo muito o que fazia com que o corpo de Jack estivesse sofrendo com o pouco que vinha dormindo também.
O rapaz perdeu alguns segundos pensando em tudo o que vivera até ali e finalmente resolveu preparar o local onde iriam dormir, um espaço entre arvores com pouco mais de três metros de diâmetro, foi o melhor que conseguiram, ainda teria que sair e procurar por madeira seca para a fogueira. Gravetos e força de vontade pra atear o bendito fogo na madeira, estranhamente, em meio a tudo de errado que vinha ocorrendo, produzir fogo era uma tarefa fácil de cumprir.
- Fique aqui Ana, farei o circulo neste ponto, o sol já quase sumiu, precisamos ser rápidos com isso.
Ana balbuciou algo incompreensível e se recostou na árvore mais próxima, sentou-se no chão, aproximou suas pernas de seus seios e abraçou, ficando aninhada em si mesma. Jack a olhou um tanto apreensivo, precisava encontrar um lugar para que Ana descansasse por alguns dias, até retomar suas forças, ela não estava em condições de seguir viagem.
Jack foi rápido, fazia fogo à moda antiga, tomava pedras em suas mãos e causava colisão que gerava faíscas e fazia com que folhas secas pegassem fogo, daí por diante era só manter o combustível para que ficasse quente por algum tempo até que um galho fosse incendiado, o que se deu após algumas poucas tentativas, dada à força que o rapaz aplicava as pedras.
Haviam parado entre quatro árvores que encontravam-se um pouco afastadas, não chegava a ser uma clareira, mas seria o bastante para fechar um circulo de segurança. Jack ateou fogo entre os espaços das arvores fazendo um círculo de fogo que era cortado apenas pelas arvores, grandes e largas que proviam um escudo defensivo, Ana estava recostada em uma delas e mal o sol havia se posto a garota iniciou a luta contra o sono, dando “pescadas” sucessivas, sua mente, amedrontada tentando vencer o cansaço e o sono monstruoso que tomavam conta dela.
Jack aproximou-se dela e, juntando um monte de folhas secas, deitou-a de maneira que ficasse um pouco mais confortável. Passou a mão no rosto da garota se alarmando um pouco com a temperatura alta, quase desfaleceu devido o sentimento de terror que se apoderara dele com o pensamento de perder Ana.
Respirou rápido enquanto seu coração batia acelerado, de repente sentiu-se estranho, tudo a seu redor lhe parecia vivido e reluzente, apesar da iluminação precária ser apenas a que o fogo lhe proporcionava, foi acalmando-se e este sentimento foi-lhe abandonando de maneira que voltasse a ver as coisas como estavam naquele momento, obscuras e desesperadoras.
Voltou a sentar-se, recostou-se na mesma árvore em que Ana estava e deixou sua cabeça bem próxima das dela, flexionou as pernas junto ao corpo e abraçou os joelhos, atento a tudo o que podia, tentando captar cada movimento próximo ao precário e desprotegido acampamento que montara. Ficou acordado mais algumas horas, o sol baixou por volta das dezoito horas e agora eram por volta da uma da manha. Jack oscilou por um instante e seus olhos vacilaram, dormiu.
∞
Baal Liurf, o demônio encarregado da vigilância do portal, estava cansado de esperar por ajuda, mas segundo os gritos e agonias que ouviu e sentiu sob o véu, a ajuda estava vindo, e seria muito mais do que ele poderia imaginar. Viu o arcanjo cercando um local com fogo, viu seu alvo tentando adormecer e ficar acordada ao mesmo tempo e viu o arcanjo sentando-se ao seu lado.
Seus demônios estavam prontos para o ataque e ele estava ansioso por ver o fim de um ser tão poderoso.
- Andaram pouco hoje – o vampiro Will aproximava-se sorrindo – Devem estar bem cansados, acho que é a nossa vez.
- O trabalho de vocês é apenas carregar a garota para longe da batalha, iremos abrir uma ponte para o inferno, vocês levarão ela até os portões da morte e a deixarão lá, essa é a tarefa de vocês, dois Anjos Negros irão segui-los e se vocês ousarem tocar a garota serão destruídos de imediato. Não conseguimos cruzar o portal carregando o corpo da garota, só conseguimos levar a alma, essa é a única serventia de vocês, não ousem estragar nossos planos, tenham certeza de que o que está havendo aqui é muito maior do que vocês jamais ouviram falar – Baal Liurf foi áspero em cada uma das palavras, era óbvio que não gostava da ideia de deixar “O portal” nas mãos dos vampiros, mas não havia escolha, o “Atalho”, que é a junção dos planos, mais próximo de onde estavam, ficava na Europa, não conseguiriam conduzir a garota até lá sem chamar atenção dos anjos e dos arcanjos e uma batalha dessa proporção seria arriscada demais, tinham que usar uma ponte e seres espirituais, por mais poderosos que sejam, não podem levar nada do plano físico.
Precisavam de agentes que estejam no plano intermediário, vampiros cumpriam bem esse papel. Levariam a garota até os portões da morte e ela seria levada, ainda com vida e carne, a presença de Lúcifer.
- Entendo, então precisam de nós – Disse Yago, o parceiro de Will – Deveriam nos tratar com mais respeito.
Seraf se adiantou, colocou sua mão esquerda na face de Yago cobrindo tudo e com a mão direita desferiu um soco violento que deixou a marca de seu punho afundada no estômago do maldito. Demônios não podem tocar o plano físico, mas os vampiros estão no plano intermediário e portanto sujeitos a alguns demônios, ao menos os que já aprenderam a vagar entre os planos.
- Não ouse nos colocar no mesmo nível – Disse entre dentes – Não ouse desafiar meu Baal – Grunhiu – São nossas peças e assim serão tratados por nós e é assim que nos tratarão, como seus senhores. Posso encontrar outro de vocês e trazê-lo aqui para substituição, não pense que é especial, é apenas o que estava mais perto. – Terminou de dizer isso e soltou o vampiro que caiu desfalecido, Will não se movera um milímetro, pois quatro espadas estavam apontadas para seu coração enquanto Baal Liurf assistia a cena sorrindo.
- Calma Seraf, não me incomodo com as palavras dessas crianças, farão o que estamos mandando e ponto final, eles não tem escolha.
Neste instante um som de trovão encheu o lugar, mas tratava-se de um pulso espiritual.
- Chegaram – Disse Baal Liurf – ajoelhem-se todos vocês.
Baal Liurf se adiantou, pegou sua espada na mão direita e com a mão esquerda desenhou uma runa no ar, sua mão se cobriu de fogo e ele arremessou aos céus, assim que estava acima das arvores expandiu-se formando um pentagrama, está se desfez dando lugar a um buraco negro e de dentro do buraco saiu um grupo de anjos negros, quatro deles. Desceram até onde se encontrava o grupo demoníaco.
Dois anjos negros se adiantaram e chegaram primeiro no solo, colocando-se um de cada lado de Baal Liurf. Fizeram um aceno com a cabeça que foi retribuído. Em seguida os outros dois anjos negros, que eram muito maiores que os que já estavam ali pisaram o solo, Baal Liurf inclinou o corpo em reverencia e foi respondido da mesma forma, o que lhe causou muito espanto, geralmente anjos negros consideram demônios seus cães, apenas peças nos tabuleiro.
- Finalmente conheço Baal Liurf, Senhor dos Portais. Sua habilidade em abrir e fechar portais é quase tão impressionante quanto sua capacidade de encontrar sensitivos poderosos, fico feliz em ver que mais uma vez não desaponta a Estrela da Manha.
O Anjo Negro que falou era forte e tinha por volta de quatro metros de altura, as suas costas estava presa uma lança quase tão grande quanto seu possuidor, o anjo transbordava poder, ódio e morte. Baal Liurf se colocou de joelhos e colocou o rosto no chão.
- Sou eu quem devo me impressionar com o fato de saberem meu nome e conhecerem meus serviços, nunca pensei que um General dirigiria a palavra a esta forma pútrida e destruída – Liurf estava espantando, mas também temeroso, assim que capturassem este portal poderia ser dispensável e morto por essas criaturas.
- Não se preocupe meu criado, não será hoje o dia de sua morte, hoje você será engrandecido perante sua raça e se tornará conhecido como o captor de portais, sei que não tem conhecimento sobre o que fazemos com os sensitivos capturados, mas isso lhe será conhecido em breve, não se preocupe.
Liurf estava boquiaberto, o General realmente estava feliz com ele.
O segundo Anjo Negro colocou sua mão no ombro do Baal, este era pouco menor que o primeiro e ao invés de uma lança usava uma foice.
- Levante-se Baal Liurf, seu trabalho está quase completo. Iremos enfrentar o Arcanjo, destruí-lo como ele merece. Assim que a batalha tiver início será a sua deixa, você e seus lacaios devem cumprir seu dever, saiam daqui, todos vocês, assim que estiverem com a garota nas mãos, sigam ao norte, linha reta, sem olhar para trás, sem nada em mente a não ser a segurança do Portal.
Baal Liurf se colocou de pé, concordou com um aceno e virou-se para seus homens.
- Estes, meus servos, são General Death e General Makaliun, foram eles que mostraram força contra os Arcanjos, vamos sair daqui, não quero morrer em meio ao poder que eles estão para mostrar. Vampiros, coloquem-se um atrás e um a frente da árvore onde está a garota, assim que o Arcanjo partir para a batalha vocês devem pegá-la e seguir em direção ao norte, eu e Seraf vamos preparar a ponte que os levará ao portão da morte, os outros ficam aqui e ajudam os vampiros.
Virou-se para os anjos negros que acompanhavam os Generais.
- Não confio em vampiros, sua sede por sangue pode falar mais alto que a necessidade de cumprir o dever, peço a vocês que não deixem isso acontecer – Os Anjos sorriram maliciosos e se posicionaram um atrás de cada vampiro. Baal Liurf fez nova reverencia aos Generais e sumiu, seguido por Seraf.
Death assumiu uma postura mais séria assim como Makaliun, ambos sacaram suas armas sagradas e expandiram seu poder espiritual ao passo que ambas as armas começaram a arder em fogo constante. Os demônios que estavam próximos desfaleceram, os anjos negros e os vampiros tomaram posição. Mostrariam aos Arcanjos do que eram feitos.
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Jack acordou assustado, sentia uma energia terrível aproximando-se, Ana estava de olhos esbugalhados, olhando na direção oposta ao local onde estava deitada, de lá vinham dois seres alados, com armas em suas mãos ardendo em chamas selvagens. Assim que Jack colocou os olhos nas criaturas que se aproximavam calma e seguramente, sentiu uma dor terrível na cabeça, prostrou-se colocando a cabeça no chão em dor insuportável. Fogo cobriu o seu corpo e várias lembranças inundaram sua mente, lembrou-se da criação, lembrou-se de Deus, lembrou-se de seu nome, lembrou-se de seu propósito no universo, lembrou-se de sua verdadeira forma, de seu verdadeiro poder, lembrou-se do porque estava ali, lembrou-se da paixão proibida, lembrou-se do que estava disposto a fazer para viver esta paixão, lembrou-se do feitiço criado pela amada para abrir o portão das dimensões, lembrou-se da dor que sentira e que infligira a sua amada a fim de poderem estar juntos pela eternidade.
Neste momento seu corpo foi coberto por fogo, e no lugar onde estava seu corpo físico surgiu um Arcanjo, Uriel, o Senhor da Alquimia Divina, colocou-se de pé e sacou sua lança já em chamas, olhou para a garota que parecia ter recobrado a memória também e lhe sorria, mesmo na condição deplorável em que se encontrava, Uriel segurava a lança com a mão esquerda e com a direita apontou para a arvore atrás de Ana, um som forte de madeira se deslocando foi ouvido e a arvore se abriu revelando um espaço vazio, Ana entrou e o buraco se fechou. Uriel virou-se para os inimigos a sua frente, eles não estavam com medo, esperavam pacientemente que Uriel estivesse pronto para a batalha.
- Se não são os Generais, traidores da causa – Disse o Mestre da Matéria – Então acreditam que podem me vencer?
Death falou primeiro.
- Não se engane irmão, muita coisa mudou, meu senhor nos deu mais poder do que jamais poderíamos imaginar, somando isso a arma sagrada, somos tão letais quanto um arcanjo pode ser.
Terminou a frase e iniciou o ataque, seguiu diretamente até Uriel, girando a foice no ar e atacando com um arco na linha da cintura, Uriel saltou e deu uma estocada com sua lança diretamente na direção da cabeça de Death que rolou para o lado dando lugar a figura grandiosa de Makaliun, que vinha em alta velocidade com a “Caçadora” pronta para perfurar Uriel. Sua lança se transformou em uma Katana e em sua mão esquerda um escudo flamejante se formou e este foi usado para bloquear o ataque direto de Makaliun, a força do Anjo Negro surpreendeu o Arcanjo assim como sua velocidade.
Uriel foi jogado para trás e antes que tocasse a arvore em que Ana estava ele alçou voo, a fim de atrair a atenção dos inimigos, ainda não sabia, mas esse foi seu erro.
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Yago não conseguia acompanhar os movimentos da batalha, ouviu um som forte de algo colidindo e viu o Arcanjo alçando voo, era sua chance. Abandonou o esconderijo e chegou até a arvore, seus olhos acessos, presas a mostra, iniciou um ataque frenético contra o tronco que foi esmigalhando-se aos poucos, e um buraco foi aberto. Will chegou e começou a ajudar o companheiro. Os Anjos Negros, guardiões dos vampiros, não tiravam os olhos dos céus.
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Assim que estava acima da copa das arvores, Uriel teve que defender um golpe que Death dirigiu a sua cabeça, o escudo estava funcionando bem, era feito de parte de sua lança, era uma das vantagens de ser o Mestre da Matéria, assim que defendeu o ataque girou a Katana nas mãos e desferiu um golpe na linha da cintura do inimigo, este foi bloqueado por Makaliun usando sua lança, Death voou sobre Uriel girando o corpo em um mortal e acertando o arcanjo com um poderoso chute nas costas, obrigando a ficar mais próximo de Makaliun que aproveitou a oportunidade para aplicar um soco violento no queixo de Uriel, a pancada foi tão forte que Uriel ameaçou desfalecer, sua cabeça pendendo para baixo, ele viu quatro figuras em volta da arvore onde Ana estava. A fúria tomou seus sentidos e ele escapou de um golpe duplo de Death e Makaliun, descendo alguns metros, todo o seu corpo foi coberto com fogo e ele disparou em direção ao grupo que estava no solo, seguido de perto por Makaliun e Death.
Makaliun conseguiu emparelhar com Uriel e assim que tentou atacá-lo foi surpreendido por estocada da lança do arcanjo, que já estava recomposta, o ataque foi rápido e certeiro, Makaliun era hábil e conseguiu evitar que seu coração fosse acertado, mas a Lança da Destruição tocou seu braço, destruiu os músculos e inutilizou seu uso na batalha.
Makaliun afastou-se de Uriel acelerando em direção ao chão enquanto Death aproveitava para atacar Uriel girando sua foice na altura do peito. O Arcanjo estava retornando do ataque contra o outro Anjo Negro e não teve tempo de conjurar o escudo, colocou o cabo da lança o mais distante possível de seu corpo mais não foi o bastante, o formato incomum da foice permitiu que sua lâmina chegasse ao arcanjo causando um grande ferimento no peito. Uriel usou a mão esquerda para segurar a arma sagrada do inimigo, puxou com força e jogou o mais longe que pode, seria um a menos em batalha por alguns instantes.
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A dupla de vampiros venceu os troncos e alcançou à sensitiva, o Portal, Yago deu-lhe uma bofetada que a deixou inconsciente, estava tirando ela de dentro do tronco quando percebeu o terror nos olhos dos anjos negros, olhou para cima e viu o arcanjo em decida furiosa.
- Vamos Will, temos que sair daqui – disse assustado.
Puxaram com força causando alguns ferimentos no corpo da garota, sangue lhes chegou à narina, mas o medo os consumira por completo, o arcanjo estava mesmo dando conta dos generais, tomou a menina nos braços e disparou o mais rápido que pode, seguido de perto por Will. Um Anjo Negro à frente indicando o caminho e um Anjo Negro atrás a fim de dar cobertura.
Seguiram por mais ou menos dois minutos em uma corrida acelerada, eram rápidos os vampiros e finalmente alcançaram uma clareira, nela estavam Baal Liurf e Seraf. Baal Liurf se adiantou.
- Pegue um pouco do cabelo dela e venha comigo.
Will pegou um tufo de cabelo e arrancou com violência e seguiu o demônio.
Baal Liurf já deixara tudo pronto, havia um pentagrama cobrindo toda a clareira, que tinha o raio de pelo menos dez metros, feito de fogo, mas suas chamas eram vermelhas. No centro havia um pentagrama menor, Liurf ordenou a Yago que ficasse lá com a menina no colo. Foi até cada ponta do pentagrama e ordenou a Will que deixasse um pouco do cabelo cair, cada vez que isso ocorria chamas negras substituíam as vermelhas de maneira que ao final todo o pentagrama estava coberto com a chama negra.
Yago estava no centro com a menina, os anjos negros foram para lá assim como Will, Liurf e Seraf.
Uriel voltou sua atenção para baixo e percebeu que o grupo demoníaco não estava mais lá, chegou ao solo e sentiu cheiro de sangue, deu um rugido como de um leão que abalou o véu por completo.
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Rafael acabara de sentir um abalo e voltava para o acampamento para buscar os outros, assim que chegou ao acampamento e despertou seus companheiros sentiu um novo abalo, este mais forte, Israel entrou em transe, Kid Gustavo e Julius olharam para ele com espanto, o manto negro se desfez e seu poder foi liberado de uma vez, Gustavo que acabara de despertar desmaiou, Kid e Julius caíram de joelhos arfando, a pressão espiritual que o arcanjo expandia era insana, Rafael colocou um dos joelhos no chão e fez uma esfera de luz para proteger os amigos, Israel deu um urro ensurdecedor.
- URIEEEEEEEELLLLL
E disparou pelos céus, deixando o grupo para trás.
∞
No Palácio Celeste o rugido de Uriel foi ouvido. Os anjos entraram em fúria imediata dirigindo-se aos portais mais próximos a fim de entrar no plano físico de uma vez. Gabriel foi acometido por uma fúria sem precedentes, mesmo para os padrões angelicais, estava completamente fora de controle. Seu corpo foi envolto por fogo celeste, as chamas silvavam devido à força com que deixavam seu corpo, dezenas de anjos que estavam com ele guardando o principal portal de acesso ao plano físico, o portal do Monte Santo, o mesmo portal onde Deus deu a graça de sua presença a seu povo quando da nova aliança, caíram desfalecidos devido ao poder do titânico.
Miguel estava diante da face de Deus, em conferência, também foi tomado pela fúria, mas antes de seu corpo ser tomado pelas chamas de seu poder, Deus o tranquilizou.
- Fechei todos os portais, nenhum dos guerreiros que aqui estão, irão ao mundo dos homens, Uriel e Israel já estão lá, serão testados como sempre.
Miguel teve a fúria aplacada, mas ainda sim ficou inquieto, saiu do palácio a procura de seus irmãos.
Todos os portais foram fechados e os anjos, ouvindo a voz de Deus falando com Miguel, ficaram em silêncio, Gabriel estava chorando, queria muito ajudar seu irmão, mas Deus o ordenou a ficar, não havia o que ser feito.
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Uriel sentiu a aproximação de Death, que já recuperara sua foice, para azar do General a fúria que acometeu o arcanjo lhe empregava poder além da compreensão angelical.
O Mestre da Matéria partiu para cima de Death, sua lança em chamas absurdamente volumosas, quase não se via a lâmina ou o cabo, Uriel descreveu um arco da direita para a esquerda no intuito de acertar o inimigo na linha da cintura, onde ficam as costelas, Death não conseguiu desviar, teve que defender o golpe com sua própria arma sagrada, assim que as armas se tocaram a lança de Uriel envergou e tomou à forma de uma foice, a lâmina perfurou as costas do General que urrou de dor. Com a mão livre Uriel desferiu um soco de cima para baixo que atirou o general ao chão com velocidade incrível, quando ele estava quase no chão abriu as asas e adentrou a floresta voando, ia em direção ao grupo demoníaco, levou apenas alguns segundo sentindo Uriel em seu encalço.
∞
Liurf viu o General Makaliun aproximando-se com um ferimento grave no braço, estava praticamente morto.
- Meu General, o que houve? Onde está Death?
- Está a caminho, prepare-se para partir assim que ele entrar no circulo, nossa existência depende disso, ferimos o Arcanjo, mas ele perdeu o controle de seu poder, está vindo para matar e não mais para proteger.
Liurf assentiu e passou a recitar um encantamento antigo, fez um corte em si mesmo e preparava-se para usar sua própria essência para realizar o feitiço quando o General ofereceu o seu braço para o corte.
- Não podemos falhar, minha essência vai garantir uma transferência completa.
Baal Liurf estava mais uma vez boquiaberto, a essência de um General seria algo que ele jamais imaginara usar para abrir um portal.
- Que assim seja, meu General – Fez um corte no braço de Makaliun e permitiu que a essência caísse em uma tigela, juntou isso a sua própria e virou-se para os demais – Cada um de vocês deve pagar tributo.
Todos os presentes entenderam o recado e cada um deles fez um corte e deixou cair sua própria essência no centro do pentagrama, no caso dos vampiros sangue bolorento, negro e pastoso. Baal Liurf dirigiu-se ao centro ainda recitando encantamentos, Makaliun o seguiu concentrado na floresta.
- Estamos prontos - disse Baal Liurf
- Perfeito, eles estão chegando, não se impressionem com o que verão, o Arcanjo está fora de controle. Baal Liurf dependemos de seu sucesso, não desaponte a Estrela da Manhã – disse isso num tom sério, assim que terminou a frase Death entrou na clareira voando, uma esfera de fogo as suas costas, era Uriel.
Baal Liurf nunca sentira tanto poder assim antes. Death entrou no circulo raspando o desenho com uma mão cheia de sangue, era o sinal de que Liurf precisava, enfiou a mão direita no pote contendo sua essência e a de Makaliun, sentiram o deslocamento do Véu e no mesmo instante estavam num lugar diferente.
Parecia uma grande caverna de rocha negra, estavam em um tipo de pedra central circular, com o mesmo desenho de pentagrama. A pedra circular possuía uma única saída, o lugar era muito quente, como se a caverna estivesse anexada a um vulcão, abaixo da pedra circular, que ficava suspensa no ar apenas por uma ponte, que servia também de saída, não havia nada, apenas um abismo sem luz.
As paredes da caverna estavam repletas de runas celestiais, com certeza uma combinação que fazia daquele lugar uma passagem segura para infernais.
Baal Liurf estava de quatro no chão, não precisava de ar, mas estava arfando agora, usara muito de sua existência para realizar o feitiço, Makaliun também estava em condições deploráveis e Death desmaiado no chão.
- Seraf, mostre o caminho aos vampiros, abra os portões da morte e leve essa garota diretamente a Estrela da Manhã. Os outros demônios podem se retirar, vão se reportar a seus superiores. Anjos Negros, ainda não sei o nome de vocês, podem me ajudar com os Generais, vou restabelecer suas forças – Seraf estacou na metade da ponte.
- Meu Baal, se fizer isso agora não irá resistir, por favor, deixe-me fazer.
Baal Liurf ficou de pé o mais ereto possível, estreitou os olhos e uma intenção assassina se apoderou dele, os vampiros tremeram, os outros demônios desmaiaram, mesmo os anjos negros sentiram o abalo que o poder espiritual do demoníaco causou.
- Ousa me desobedecer Seraf? Dei-lhe uma ordem, você a compreendeu?
Seraf estava zonzo e com medo, cambaleou na direção dos vampiros e saiu sem dizer mais nada.
- Liurf, o que está tramando? O que fará agora? – Perguntou Makaliun.
Liurf caminhou até o general desmaiado, virou de barriga para baixo deixando o ferimento em suas costas exposto, com a unha rasgou um pentagrama nas costas de Death, no centro deste pentagrama fez uma runa que significava Baal Liurf e virou-se para Makaliun. Caminhou até ele em silêncio, tomou seu braço, rasgou nele os mesmos símbolos.
- Este feitiço provavelmente me consumirá por completo. Vi hoje algo que jamais acreditei ser possível, vi uma chance de vitória para a Estrela da Manhã, não sei que tipo de feitiço permite a um Anjo Negro se equiparar a um Arcanjo, mas quero que isso seja intensificado, vou dividir minha existência com vocês, meu conhecimento, serão tão bons em abrir portais quanto eu sou, aprendi os segredos dos portais ainda como mortal e trouxe este conhecimento comigo, sou mais poderoso agora do que já fui em qualquer momento de minha existência, mas nada do que fiz se compara ao que a Estrela da Manha está fazendo, quero fazer parte disso. Vai doer um pouco Makaliun, prepare-se.
Terminou a frase e recitou um feitiço com os braços apertos, apontados na direção de cada um dos Generais. Seus braços começaram a pegar fogo, a expressão na face do demônio indicava que ele estava realmente pegando fogo, não era um feitiço de proteção, mas um feitiço que o consumia. Terminou de conjurar o feitiço, entre gemidos de dor e caretas terríveis, praticamente desfigurando um rosto já bem maltratado. Seu corpo queimou, o fogo dançava na pele jurássica do demônio que estava quase desfalecendo, neste ponto o braço de Makaliun e as costas de Death pegaram fogo também, uma dor terrível tomou conta de seus corpos. Death despertou gritando muito, mas por algum motivo segurava sua cabeça, Makaliun estava na mesma situação. Os anjos negros que ali estavam ficaram assustados, mantiveram-se por perto apenas para evitar que os generais caíssem no abismo.
∞
Uriel seguia o general de perto, pouco mais de quatro metros de distancia, era tudo que o separava de destruir seu oponente. De repente viu que uma clareira se abrira, todo o grupo demoníaco estava lá, e nos braços de um deles estava sua amada, Ana. Imprimiu mais velocidade e então algo aconteceu, todo o grupo desapareceu, estava sozinho na clareira. Parou no meio do espaço vazio e olhou em todas as direções, subiu aos céus, forçou o máximo que pode seus sentidos e nada, nenhum deles estavam por perto.
Rugiu novamente e neste momento viu uma bola de fogo aproximando-se, reconheceu de imediato, era Israel.
O Arcanjo aproximou-se de Uriel, que estava com olhos tristes agora.
- Uriel, meu irmão, o que houve? Onde está o portal?
- Foi levado, eu falhei, fui emboscado pelos Generais, estava no corpo humano... meu corpo – Israel o olhou assustado – Sim irmão, eu atravessei o portal, eu quebrei o código, eu amei uma mulher e agora, eu perdi minha amada e minha santidade.
Uriel estava chorando, a culpa o consumia por completo. Seres espirituais não devem desejar o que os homens tem, não devem possuir o que os homens possuíam, no entanto, ali estava ele, um arcanjo, um dos seres mais poderosos do universo, fora pego pelo sentimento mais complexo que existe, o amor. Era isso que sentia, ou ao menos era sua única explicação, devia sua vida a Deus e mesmo assim sentia que era por Ana que morreria.
- Irmão, tenho certeza de que Deus não pensa assim, você deve voltar ao Palácio Celeste, deve contar a Miguel tudo o que houve aqui, não é a primeira vez que eles levam uma sensitiva poderosa ao inferno, temos que saber o que está havendo.
Uriel concordou e subiu aos céus, teria que seguir em direção ao Rio de Janeiro, próximo a estátua do Cristo Redentor havia uma ponte, não estava na presença do Anjo do Senhor então não podia cruzar o véu e chegar aos céus quando quisesse, precisava de um portal celeste.
Israel olhou em volta, viu o desenho do pentagrama, estreitou seus olhos.
- Baal Liurf – disse entre dentes e voou de volta a seus amigos.
∞
Passaram-se longos minutos de angustia e dor para os dois generais, a mente de ambos, invadida pelo conhecimento humano que tivera Liurf em vida, e depois suas torturas tornaram-se deles e ainda o poder que ele havia adquirido. No fim de tudo isso eles estavam completamente recompostos, as costas de Death sem uma marca sequer e o braço de Makaliun pronto para dilacerar o inimigo, mas não era só isso, eles tinham lembranças que não lhe pertenciam, tinham conhecimentos que não buscaram, sabiam agora tudo o que Baal Liurf sabia, se entre olharam impressionados.
No centro da pedra estava uma forma carbonizada e destruída, um amontoado de carne pútrida. Foram até lá, sentiam que a existência estava no fim, mas ainda estava ali, Death tomou o demônio nos braços e o atirou no abismo.
- A estrela da Manhã sabe mesmo o que faz, desde o inicio disse que este idiota teria serventia – Olhou para baixo com desdém - Mas já cumpriu seu propósito. Vamos.