CAPITULO 07 – Magia de Transferência.

 

 

 

Assim que o punhal tocou o coração do mago, sua alma se projetou para fora de seu corpo e ficou flutuando enquanto via a cena de seu corpo físico sendo jogado ao chão, mas havia algo errado naquilo, o tempo estava inúmeras vezes mais lento, ficou cerca de uma hora ali, boquiaberto enquanto seu corpo se moveu no máximo um milímetro. Esse corpo etéreo tinha a mesma aparência física de seu corpo original, incluindo as roupas que ele estava usando, obviamente a roupa não faz parte de sua alma, mas alguns segredos do universo nunca serão revelados.

Enquanto tentava entender o que estava havendo levou um grande susto quando uma imagem apagada de Ravn se colocou ao seu lado.

- Coisa estranha não é garoto? – Disse o velho sorrindo.

- Ravn! - Gritou Gustavo se atirando num abraço, que seria apertado, se não tivesse passado direto pela projeção espiritual de seu mentor.

O velho riu um pouco enquanto o menino se recompunha.

- Minha alma foi fracionada muitas vezes, magia antiga e perigosa devo dizer, não faça isso, deixou meus poderes muito baixos, não fosse por isso talvez eu tivesse dado conta daquele bruxo, mas em fim, já vivi o bastante.

Gustavo olhava para o chão.

- Não se sinta culpado moleque, não insulte minha vida! Eu a entreguei por vontade própria e por algo que achava valer a pena, não me faça pensar diferente!!!

Ele levantou a cabeça a tempo de ver Ravn afastando-se flutuando e foi atrás dele.

- Bom, meu tempo contigo é curto, melhor lhe explicar logo o que virá a seguir. O feitiço que usei é tão perigoso para quem quer transferir conhecimento quanto para quem quer receber conhecimento. Como você já deve ter percebido, o tempo para você irá passar de forma diferente do tempo terreno, trinta segundos aqui irão representar trinta anos lá, trinta anos de solidão e nesses trinta anos você precisa realizar três tarefas, encontrar três itens na verdade, cada item que encontrar faz parte de um único objeto que contem todo o meu conhecimento, porém, a maior parte disso está muito bem guardada e não será nada fácil conseguir encontrar e mesmo quando encontrar não há garantias de que irá conseguir pegar o que há lá.

Fez uma pausa olhando para o garoto.

- Filho, preste muita atenção agora, você está num meio termo entre vivos e mortos e as criaturas que vivem nesse meio termo são sem dúvida uma das piores criações que já existiram e além dessas criaturas você encontrará “pessoas” que a muito tempo estão perdidas nesse lugar e farão o que for preciso para sair, inclusive roubar sua chance de sair, seguindo você e esperando uma oportunidade de roubar o que está procurando.

Gustavo olhou preocupado.

- Você terá que ser astuto, corajoso e acima de tudo perseverante, trinta anos num lugar que quer lhe tragar, lugar onde não encontrará amigos, lugar onde tudo e todos estarão tentando te matar, é tempo o bastante pra fazer alguém perder as esperanças, desistir e falhar pela eternidade.

- Darei a você três pistas, não posso fazer mais que isso, o feitiço não me permite, terá que decifrar três enigmas para ter ideia de onde buscar e o que estará buscando, não deixe ninguém ouvir você dizer isso e aprenda a bloquear sua mente para que ninguém saiba sem você perceber, resolva a questão e te deixe para trás. O problema maior é que as dicas tem ligação com o mundo que você irá conhecer ainda, e não com o mundo que você já conhece, então será muito mais difícil para você conseguir decifrar.

- Mundo que irei conhecer, como assim? Não vou buscar esses itens na terra?

- Quase me esqueci, você irá para um lugar chamado de Quinto Selo do Tempo, local de banimento de criaturas antigas que ninguém deseja ver e que o mundo não está preparado para conhecer, lugar onde coisas que assustam demônios e anjos ficam a espreita para matar e devorar - Fez uma pausa sob olhar de incredulidade do pequeno mago – Vamos, não seja medroso, você consegue, se eu o deixasse na terra a própria sorte morreria na primeira batalha, como bem vimos, achei que esse feitiço valeria o risco, pois lá, apesar de todos os problemas que irá enfrentar, a fonte de seu poder não será sua energia vital, não será a energia de seu corpo, mas a energia de sua alma, e isso meu caro, é como uma usina nuclear com capacidade de reabastecimento diária, você não terá problemas para usar runas, nem para executar feitiços, porém, sofrerá danos na alma como se fosse um corpo físico e poderá até mesmo morrer, não lhe restando alma para o fim dos dias.

E essência de Ravn oscilou um pouco, ele sumiu e em seguida reapareceu.

- Não me resta muito tempo, então vamos logo com os enigmas. Você só saberá o que significa o segundo quando o primeiro for encontrado e só saberá o que significa o terceiro quando o segundo for encontrado, mas só posso dizer uma vez os três enigmas, então preste atenção e lembre-se, o tempo tem que ser perfeito!

 

Primeiro

No cume do monte ele rugi violento

Pai da maldade e da selvageria

Nada pode detê-lo e ninguém ousa procura-lo

Pois seus filhos ele engole pela garganta do diabo

Com seus olhos ele vigia o emissário da morte

 

Segundo

Vida e morte para ele não importam

Pois ele decide quem fica e quem vai

Seu rosto desconhecido não pode ser encontrado

Mas quando com seus olhos cruzar nada no mundo poderá te salvar

 

Terceira

No trono do desespero ele se senta

Sorri para a morte e a cumprimenta

Nada pode pará-lo, pois do inferno foi banido

De lá trouxe um presente que carrega sempre consigo

 

Terminou de dizer isso e desapareceu.

Gustavo sentiu um puxão violento onde seria seu umbigo, um gancho se prendeu em sua alma e o levou aos céus. Lá viu uma fissura negra e disforme que engolia tudo a sua volta, a força era tremenda, devia estar a quilômetros de distancia, perdido no horizonte quando o gancho o soltou e seu corpo foi sugado para o buraco negro, a força exercida por aquele monstro engolidor de mundos era insana!

Na passagem pelo buraco um tipo de gosma se impregnou no mago e assim que passou pela fissura isso se tornou duro como uma rocha. Ele foi atirado ao chão como um meteoro destruindo parte do terreno por ali. A proteção se desfez e Gustavo pode finalmente ver o que lhe esperava, sentia o perigo se aproximando, mas também começava a entender o que poderia fazer naquele lugar. Sua alma, transbordava poder, ele ativou as sete runas que conhece num segundo e não sentiu seu corpo etéreo sequer fraquejar, algo que lhe parecia levar milênios para conseguir e ficou pronto para a batalha.

 

 

Julius viu o corpo de seu amigo cair no chão, e correu até ele, tentou tocar o punhal e foi jogado para trás, pelo menos a cem metros de distancia caindo na terra e queimando tudo a sua volta.

- Maldição! – Gritou – Que merda Ravn fez com ele?

Voltou correndo e viu Ynara sentada ao lado do garoto apenas o olhando.

- Vai acabar logo, tenho certeza, se ele sobreviver, despertará em breve.

- Se ele sobreviver? Como assim? O que ele está fazendo?

Ynara olhou para o punhal que ia se tornando rubro com o sangue que saía do coração do mago.

- Não tenho certeza, mas acho que é magia de transferência, não sei onde está, mas está envelhecendo.

Julius ouviu falar algo a respeito, mas não tinha ideia da extensão disso ou do que realmente significavam essas palavras, mas não tinha tempo pra isso, o punhal estava quase todo vermelho, Gustavo estava branco como papel e suava muito, fora isso, como Ynara disse, ele estava mais velho, seu corpo estava envelhecendo em ritmo acelerado, nesses quinze segundos parecia pele menos dez anos mais velho.

- Maldito Ravn, vai matar o garoto.

Os olhos de Ynara cintilaram em ódio profundo ao ouvir palavras contra Ravn.

- Basta! Ravn fez mais por todos nós do que você jamais fará, se ele precisa passar por isso pra lidar com a bagunça que seu Deus está permitindo acontecer então não reclame, faça o que sua laia sabe fazer de melhor e peça a Deus que lhe socorra.

Julius murchou na hora, baixou a cabeça olhando na  direção de Gustavo e aguardou.

 

 

Assim que ativou as runas sentiu, mais do que viu, o primeiro ataque chegando, um Salamander insanamente grande vinha em sua direção, atirava chamas negras misturadas as chamas comuns consumindo tudo que tocava pelo caminho, estava ainda muito distante, mas os primeiros ataques já estavam chegando.

O Mago usou a força dos elementos e conjurou água, mas de nada adiantou, nem mesmo atrasou os ataques, percebeu de imediato que não deveria lutar contra esse ser, não era um Salamander qualquer.

Gustavo invocou o dom da velocidade e força física e correu o mais rápido que pode para longe dos ataques monstruosos perpetrados por aquela monstruosidade, em segundos estava a uma distancia segura. A terra daquele lugar era árida, entrou no que deveria ser um bosque não fosse o fato de que só havia troncos mortos, não havia folhagem, não havia grama sob seus pés, estava tudo seco e sem vida. Estava a mais ou menos três quilômetros de distancia do ponto onde foi jogado, viu o Salamander chegar ao local e rugir de forma estridente por não encontrar um adversário. O monstro de fogo levantou os braços, bateu no chão e fez uma onda de choque e fogo se espalhar pela região queimando tudo o que tocava num raio de um quilômetro e meio.

- Melhor ficar longe de você por um tempo – Disse o mago em voz baixa.

Subiu um pouco mais no tronco e invocou o tele transporte, só lembrou-se dele agora, era muito mais eficiente numa fuga, e foi aos céus tentar identificar uma direção a seguir, infelizmente para ele, tudo era muito parecido até onde seus olhos podiam alcançar.

Era como se estivesse em uma floresta que se transformou em algo morto e desolador. Muitas árvores secas, solo seco e poeira para todos os lados. Aqui e ali via o movimentar de alguns seres que ele sabia que deveria evitar por enquanto, mas algo lhe chamou a atenção, uma fogueira estava acesa, não era o que se esperava em um lugar onde todos deveriam se esconder. Voltou ao solo e ficou pensando por algum tempo, ele mesmo não sentia frio, nem calor, nem nada do tipo, sentia apenas a intenção assassina de tudo que se movia a sua volta, porque alguém faria uma fogueira?

Relutante mas curioso, decidiu ir até o local ver se o que estava lá era humano ou não, uma pegadinha de sua mente lenta, Ravn lhe avisou que tudo estaria contra ele lá, e por que ele haveria de verificar se era humano ou não, sendo que ele mesmo nesse momento não era? Em fim, ele foi.

Seu objetivo devia estar a pelo menos dez quilômetros de distancia, só conseguiu ver por conta da runa dos cinco sentidos, fixou sua mente num ponto próximo e se tele transportou para lá. Para sua surpresa fora pego em uma armadilha, o local para onde se tele transportou era exatamente o que o inimigo queria, havia preparado o local de observação de seu acampamento de forma a instigar seus inimigos a se aproximarem de lá. O chão era pegajoso e grudou em seus pés, tentou tele transportar novamente, mas obviamente havia magia nessa armadilha e ele não conseguiu, velocidade, força, fogo, nada conseguia soltá-lo dali, começou a ofegar, não que precisasse de ar, mas estava desesperado.

Um Lupino, de pelos cinzentos surgiu de uma sombra próxima com olhos vermelhos, sangue em volta da boca cheia de dentes monstruosos e uma adaga em forma de cimitarra em suas mãos.

- Ora, ora, ora, o que temos aqui – Sorriu malicioso – Se não é uma alma humana fresquinha, interessante, interessante – Fez uma pausa com olhar cobiçoso sobre Gustavo que não movia um único músculo – Me diga, meu jovem, como veio parar aqui? – Gustavo não ia contar, de jeito nenhum, mas o Lupino não precisava de palavras – Hum, entendo, então é meu dia de sorte, agora posso resolver os enigmas e sair daqui de uma vez por todas, voltar a assolar a terra e encontrar coisas vivas com mais frequência me fará bem.

Gustavo arregalou os olhos, droga, ainda não sabia como bloquear a mente.

- Esse tal de Ravn te colocou em uma enrascada e tanto hein pequenino – Riu de forma grotesca – Veja bem, você tem trinta anos para estar num lugar onde a ultima vitima chegou a mais de duzentos anos, está muito novo, muito novo, não vai sobreviver, não vai, tenho certeza, sendo assim devo decidir o que farei contigo.

O mago pensava rápido, precisava de tempo, mas não tinha como enganar alguém que podia ler sua mente, então sua melhor aposta era fazer um acordo com seu captor.

- Você não tem nada a me oferecer, acha que sou fácil de comprar, meus serviços sempre foram muito caros, muito, por isso fui trazido para cá, para aprender que nem sempre um serviço deve ser feito, só porque o pagamento é bom. – Gargalhou mais uma vez – Mas vou ouvir sua proposta.

- Se me tirar daqui, tenho certeza de que terei poder suficiente para tirar você daqui, o fato de conhecer os enigmas não garante que poderá decifrá-los e tão pouco que pode passar pela mesma porta que eu passarei.

- De fato, mas sabe, se for pra testar, prefiro fazer isso sozinho.

- Mas num lugar como esse é sempre melhor ter ajuda, posso não ser tão poderoso quanto você é, mas posso ajudar, e garanto que sairá daqui tão logo eu volte para o meu lugar, é uma promessa.

Assim que disse isso, sua alma tremeu, ele caiu de joelhos no chão e um símbolo em forma de lobo apareceu em seu braço.

O Lupino rio alto.

- Sua alma é pura? Veja só! O que uma pessoa de bem faz num lugar como esse? Lamentável, lamentável, pois bem, acaba de aprender sua terceira lição, pelo que vejo, neste lugar, só se comprometa a fazer algo se estiver disposto a morrer por isso, almas corrompidas não tem problema algum, mas almas puras, de pessoas de bem serão marcadas até que a promessa se cumpra.

Fez uma pausa enquanto Gustavo olhava para a marca em seu braço.

- É a marca de minha casa, fui colocado aqui por Gaia e meu irmão mais velho, malditos, um dia pagarão, mas para fazê-los pagar preciso sair daqui e acho que encontrei minha saída. Você não será capaz de quebrar a promessa, se não cumprir com sua parte do trato, voltará para cá em pouco tempo, não será mais um ser puro e não terá uma porta de saída própria para você.

- Maldição Ravn, você devia ter me explicado melhor o que eu enfrentaria aqui.

- Não se culpe, afinal você irá voltar para seu mundo. Não moverei um dedo para ajudar você, apenas o deixarei viver hoje e ficarei a espreita para dar uma forcinha uma vez ou outra, mas não tenho obrigação contigo, afinal suas palavras foram “e garanto que sairá daqui tão logo eu volte para o meu lugar”, ou seja, não há tarefa para mim nesse acordo.

Murmurou algo que o mago não entendeu e o chão pegajoso o libertou, um véu cintilante ondulou e se quebrou como uma parece de cristal.

- Vou te ajudar com o primeiro enigma, pois é bem obvio para mim, você precisa ir até um ser que não deveria ir, o que você vai pegar lá eu não sei, aquilo não se comunica com nada e não se importa com ninguém, nem seus filhos estão a salvo. Recomendo que não use magia até estar pronto para atacar, você precisará de pelo menos três anos para chegar até lá, nosso mundo é cinco vezes maior que a terra, dez vezes mais hostil no tocante ao próprio mundo e infinitamente mais perigoso, duvido que sobreviva a viagem, de onde estamos agora, você deve seguir nesta direção - Apontou o dedo a sudoeste de onde estavam – Se conhece algum feitiço de direção usei isso como guia, não ouse usar runas, de maneira alguma, qualquer magia de alto nível vai chamar atenção de seres que adorariam invadir essa mente aberta que você tem, daqui pra frente você caminha, de sombra em sombra.

Neste momento foram atacados por um humanoide, com pele escamosa e cheiro forte de peixe, tinha apenas um olho que ocupava todo o rosto, sua boca ficava escancarada entre o peito e o queixo, tinha três pernas e quatro braços com garras que pareciam ser feitas de vidro.

O Lupino desapareceu deixando Gustavo sozinho enquanto ouvia – Boa sorte e uma gargalhada doentia.

– Mas que merda, todo mundo me deixa pra trás – gritou o mago enquanto saltava para trás desviando dos ataques do inimigo a sua frente. Tentou conjurar uma espada, mas nada aparece, provavelmente a conexão com seus itens na terra estava rompida, teria de conseguir novos itens. O monstro a sua frente era mais lento do que esperava e seus ataques eram bem espalhados e cheios de aberturas, o mago ficou desviando enquanto esperava o momento certo de atacar e quando viu a oportunidade deu um soco violento no olho da criatura que urrou de dor e tentou proteger o olho de uma nova pancada, sua mão de vidro entrou em seu olho, varou sua cabeça e ele caiu morto sob olhar perplexo do mago. O Lupino retornou.

- Isso é apenas um parasita, encontrará centenas deles pelo caminho, são burros demais para sobreviver, a maioria se matará sozinho, mas apenas um corte será suficiente para destruir sua alma, lembre-se disso.

- E você não podia ter avisado antes? Disse Gustavo entredentes.

- Quero me divertir enquanto você encontra nossa saída. – Disse o Lupino – A propósito meu, nome é Hanzo, não devia te contar meu nome verdadeiro, mas vai precisar dele pra me tirar daqui e já sei que você não conhece nada de minha raça, ao menos não o bastante para me fazer mal. – Disse isso e foi andando na direção oposta a que o mago deveria seguir – Lembre-se, estarei por perto, tente não morrer antes de me tirar daqui.

Gustavo respirou fundo. Abaixou-se desenhou no chão um símbolo para executar o feitiço de localização, era simples, um circulo com uma seta na direção que o Lupino indicou.

 

Unam partem

A metam

Nec praetergressi sunt

Absque mora detis.

 

 O símbolo pegou fogo e gerou um pouco de fumaça, o mago se abaixou um pouco mais e inspirou profundamente, o feitiço era simples, mas de grande importância, agora, até que ele desfizesse a magia, nada poderia fazê-lo mudar de direção.

Agora que estava sozinho novamente, teve tempo de parar para prestar atenção ao ambiente em que estava, ele não precisava de ar, mas parece que havia ar ali e seres que precisassem de oxigênio provavelmente teriam problemas, parecia carregado de toxinas e outras coisas que o mago não conhecia, um ser vivo, com corpo físico que estivesse acostumado a atmosfera da terra teria grandes problemas.

O ponto onde estava parecia ser um vale seco, montanhas rochosas e repletas de arvores secas se alongavam por quilômetros e um caminho sinuoso e rochoso se estendia no meio do vale. O céu tinha um tom marrom e não havia uma única nuvem em toda sua extensão, como se esse fenômeno que conhecemos tão bem simplesmente não fosse possível naquele lugar.

Três luas pequenas formavam um arco e dois sóis que ficavam opostos um ao outro, um ao sul outro ou norte. O Mago não precisava se alimentar ou se hidratar, mas enquanto andava procurava identificar se havia água ali ou não, provavelmente sim, pois conseguiu conjurar água quando foi atacado pele Salamander, mas reuniu tão pouco poder que encontrar água em abundancia com certeza seria um problema.

Tocou o solo tentando sentir melhor os elementos que ali estavam e percebeu que boa parte não lhe era conhecido, sentidos confusos tomaram seu corpo, pouca coisa ali lhe era familiar, se tivesse de usar os elementos desse mundo para executar magia teria um sério problema, mas também não tinha certeza dos efeitos colaterais do uso do poder direto de sua alma, mas não havia muito a ser feito.

Seguiu adiante com o desagradável pensamento de que teria de caminhar três anos ou mais até seu objetivo.

Vagou por esse mundo seco e morto por pelo menos dois dais seguidos até que chegou o primeiro anoitecer, pela posição que se lembrava dos sóis, seria uma longa noite e um longo dia novamente quando estes surgissem no horizonte. Era de fato um novo mundo e o mago teria de aprender o máximo possível se quisesse usar todo o seu poder numa batalha.

O primeiro mês de peregrinação transcorreu sem novidades, não havia anda em seu caminho, estava sozinho num mundo destruído. Por volta do vigésimo dia chegou ao fim do vale em que estava, escalou as montanhas e pode ver mais do mesmo, desolação e quietude, hora ou outra um vendaval que levantava poeira e irritava os olhos chegava abruptamente e de mesma forma terminava, não havia nada constante naquele lugar, exceto os dias e noites. Gustavo calculou que tinha o equivalente a setenta e duas horas de luz do sol para cada dia daquele lugar e mais quarenta e oito horas de escuridão para cada noite, muito além do que estava acostumado, mas descobriu também que não precisava parar, não sentia sede, nem fome, nem sono, nem frio e nem calor, sabia que as sensações estavam ali, em algum lugar, mas não estava sentindo nada propriamente dito.

A solidão era um problema muito maior do que esperava, desde muito tempo atrás vinha morando sozinho, mas não encontrar pessoas na rua, não dirigir seu carro, não ir ao mercado e fazer coisas que lhe permitiam interagir com outras pessoas era realmente terrível. Tinha certeza de que teria força para seguir em frente e completar a missão, mas isso era tudo que podia dizer de bom sobre seu “curto” período naquele mundo vazio. Sua “projeção” espiritual tinha o mesmo aspecto que seu corpo e sentia como se estivesse envelhecendo, isso o estava preocupando, pois, se o tempo estava passando para ele naquele lugar, o que será que seu corpo estava enfrentando? Envelhecimento acelerado costuma matar o indivíduo.